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Ontem eu finalmente ouvi o GamerSpeak #60. E fui mencionado, que emoção! O Heitor disse que não se via tanta expectativa pela última entrega da série Guitar Hero como por Rock Band 3, e citou meu nome como exemplo. Aí eu achei que deveria escrever algo sobre o tema.

Se você perguntar a uma pessoa qualquer na rua qual o objetivo de uma empresa, ela com certeza dirá que é “ganhar dinheiro”. O que não deixa de ser verdade, a não ser que estejamos falando de uma ONG ou algo do tipo uma empresa que precisa ganhar dinheiro e ter lucro. E nada de errado com isso, pelo contrário. Mas, falando francamente, uma empresa cujo principal objetivo seja simplesmente lucrar não é de confiança. Mesmo um dono de açougue (para usar um exemplo qualquer, nada contra os açougueiros) deve ter por objetivo prestar um bom serviço, vender carne de qualidade, sei lá.

Na última Edge UK, saiu uma cobertura completíssima sobre Rock Band 3, incluindo uma entrevista com Alex Rigopolos, o CEO da Harmonix, e um preview de Dance Central. Li em papel, mas todas essas matérias estão disponíveis no site da Edge, e são uma leitura recomendadíssima. E ali fica bem claro qual é o objetivo que fez Rigopolos fundar a Harmonix.

Logo no começo da matéria sobre Rock Band 3 a Edge já mostra uma coisa que deveria ser óbvia para o bom observador: a história da Harmonix foi mais e mais se aproximando da música “real”. Frequency e Amplitude, com seus neons e luzes, são jogos completamente abstratos, como sua música eletrônica e seu controle via joystick. Guitar Hero melhorou a interação, criando a guitarra de botões coloridos, mas ainda assim estamos falando de um pastiche com personagens estereotipados. Rock Band trouxe a banda completa, reduziu a “estereotipização” de seus avatares e trouxe experiências pessoais à la carte, com os DLCs. Com The Beatles: Rock Band e Green Day: Rock Band, houve uma aproximação com os criadores das músicas – e além disso já não havia apenas a música, também havia a experiência e a história por trás daquela música.

E, com Rock Band 3, chegamos ao mais próximo possível da realidade: o modo Pro. E instrumentos reais, que além de servirem para jogar também servem para tocar música “de verdade”. E é toda uma declaração de intenções o abandono das aberturas animadas ÉPYKAS de Rock Band 1 e 2 em favor de cenas filmadas na abertura de RB3.

Enquanto isso, a série Guitar Hero se manteve exatamente onde estava: como um pastiche. Como bem disse a Edge, enquanto Rock Band é “Don’t Look Back In Anger”, Guitar Hero é “This Is Spinal Tap”. Depois que a Activision retirou Guitar Hero das mãos da Harmonix, a série simplesmente estagnou. Todas as tentativas de evolução foram simplesmente ignoradas, por serem mal-feitas (“crie seu próprio MIDI com sua guitarra de brinquedo!”), cretinas (“salve o mundo com seus roqueiros que viram monstros!”) ou cópias da concorrência (o acréscimo da banda completa – que na prática não significou nada, já que não temos uma banda; afinal de contas agora podemos ter oito guitarras ao mesmo tempo tocando a mesma coisa…). E pior, essas inovações nem mesmo se mantêm; basta ver o lead designer de GH: Warriors of Rock assumindo que “como quase todo mundo joga com guitarra, nós fizemos um set-list que privilegia a guitarra”, que é uma maneira educada de dizer “não daremos a mínima atenção às partes de vocal, baixo e bateria, então os fãs do nosso jogo que gostam de cantar, ou de tocar baixo ou bateria, que vão tomar no toba”.

O que também demonstra a diferença de atitude e filosofia entre a Harmonix e a Activision. Rigopolos deixou muito claro em sua entrevista: “nosso objetivo é ambicioso, é mudar a maneira como se vê e se sente a música”. E claro, isso se nota, não só na franquia Rock Band e sua evolução – com seus avatares “semi-genéricos” e seus DLCs para todos os gostos, de rock a soul, de rap a reggae, passando pelos grupos independentes (em maior ou menor grau) da Rock Band Network – como também em Dance Central, o jogo de lançamento para Kinect que mostra que a música não serve apenas para tocar, também se pode dançar.

Para dar um exemplo pessoal: quando fui subir para a dificuldade Expert no Rock Band 2, comecei a ter muita dificuldade na guitarra, então pulei para o baixo. Conforme fui me adaptando ao novo instrumento, o jogo foi treinando meu ouvido, até chegar a um ponto em que sou capaz de reconhecer facilmente linhas de baixo nas músicas que escuto em casa ou no carro. Rock Band literalmente mudou a maneira com que eu vejo e sinto a música.

Enquanto isso, a Activision solta o mesmo jogo ano após ano, com gráficos melhores, músicas diferentes que na verdade são iguais, avatares do X360, Miis e músicos famosos como personagens jogáveis (Kurt “Didi Mocó” Cobain cantando Public Enemy merece o troféu de melhor cena de humor negro involuntário da história dos videogames) e uma história vergonhosamente chupada de Brutal Legend narrada por Gene “faço tudo por dinheiro” Simmons.

Com tudo isso, acho que está bastante claro porque não tinha a menor expectativa por GH: WOR. Nada contra quem gosta de Guitar Hero. Mas enquanto Guitar Hero me força a apenas jogar, Rock Band dá muito mais. Não é apenas um jogo com guitarrinhas. É uma oportunidade de experimentar a música que amo de uma outra maneira.