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Dor, esta palavra é conhecida por todas as pessoas ao redor  do mundo, sejam dores emocionais, físicas ou psicológicas. O ato de sentir tal desconforto já foi, ou ainda é realidade para muitas pessoas no dia a dia. Entretanto, existem dores que são indescritíveis para outras pessoas, como a dor de perder um membro do corpo, a dor de viver com uma doença degenerativa ou até mesmo a dor de algo que tortura seu subconsciente. Silent Hill 3 traz várias dessas dores além de uma da qual os membros da ordem masculina jamais terão conhecimento e, talvez por isto, o jogo seja visto como inferior ou fraco em relação ao primeiro e segundo da franquia.

Muitos acreditam que Silent Hill 4: The Room seja o mais experimental da série, porém, ao pararmos para analisar a tetralogia original da série, podemos ver que cada jogo possui seu lado experimental em determinar o que é Silent Hill. Como dito na semana passada, talvez Silent Hill 2 tenha sido o maior expoente neste assunto, trazendo a “receita” do que viria a ser a série, mas, ainda assim, Silent Hill 3 e The Room, foram capazes de trazer temas ainda mais humanamente complexos. Podemos assim ver a tetralogia como busca, ego, crença e carência.

Com isso em mente e levando em consideração que você já tenha lido o primeiro e segundo artigo sobre a série, entremos no mundo de Silent Hill 3, um jogo que traz a crença no nascimento, na religião e o universo intimo feminino para a superfície.

Heather irá passar por um processo de crescimento e de auto conhecimento.

A cor vermelha guia o campo dourado

Heather é um garota nascida de Alessa Gilliespe durante Silent Hill 1 e entregue aos cuidados de Hary Mason, que já cuidava da garota Cheryl. Pouco se sabe sobre Heather no inicio do jogo, mas, ao estudarmos seu comportamento e ações durante os primeiros minutos do jogo, podemos ver que Heather é uma mulher retraída e contida em seu próprio universo. Contudo, isso vem dos anos em que ela e seu pai passaram fugindo da ordem religiosa de Silent Hill, o que afetou profundamente o crescimento da garota durante seus anos de adolescência.

A série é famosa por fazer os objetos dentro do mundo falarem, ou seja, o ambiente é capaz de transmitir e se transmutar naquilo que representa o interior de seu hospedeiro. E, para Heather, isso é a falta de confiança em adultos, a falta de uma identidade própria, o fato de ainda possuir memórias reprimidas em relação a vidas passadas e abusos que Alessa viveu sob as mãos de sua mãe, uma mulher fanaticamente religiosa e disposta a tudo. Por fim, mas não menos importante, a vivência da protagonista traduz o universo sexual feminino, como o fato de ela temer pela própria segurança, o fato de poder sofrer violência sexual e até mesmo uma gravidez forçada por esta violência, dando a luz a um “parasita” emocional e psicológico.

Masahiro Ito consegue transportar os jogadores para este universo através de suas criaturas uma vez mais, trazendo figuras disformes e algumas bizarramente ligadas ao universo feminino. Insane Cancer que retrata o bizarro câncer que pode surgir no útero feminino, um lugar com a função de gestar uma nova vida, Glutony e sua semelhança com o mesmo órgão, Valtiel, Memory of Alessa  e Closer, o “Piramid Head” de Heather,

O jogo possui alguns easter eggs do filme Alucinações do Passado.

Para entender o ponto de vista que a equipe responsável por Silent Hill 3 teve durante a concepção do título, temos de levar em conta as informações que o próprio jogo nos dá de antemão. Há um fundamento mais voltado para a Ordem de Silent Hill, agora comandada por Claudia Wolf – amiga de infância de Alessa – que deseja utilizar o corpo de Heather para terminar o ritual da concepção de Deus, a fim de trazer Paraíso para a terra.

[miptheme_quote author=”Tomos da Ordem” style=”text-center”]Um homem ofereceu uma serpente ao sol, e rezou por salvação. Uma mulher ofereceu Junco ao sol e rezou por alegria. Sentindo pena e tristeza pela terra, Deus surgiu destas duas pessoas, dividiu o tempo entre dia e noite, criou o caminho para a salvação e alegria. Ela criou seres para observar sua criação, o Deus vermelho Xuchilbara e o Deus amarelo Lobsel Vith, criou o paraíso, onde as pessoas seriam felizes apenas por estarem lá e depois se distanciou indeterminadamente da humanidade.[/miptheme_quote]

Como se pode ver, em Silent Hill, constantemente “Deus” é visto como uma figura feminina, seja nos tomos ou nos quadros espalhados pela igreja da ordem. Com esta pista, temos o fundamento básico para duas grandes inspirações para conteúdos pivotantes da história, sendo eles Valtiel e o selo de Metatron. Começando pelo selo, que já atendera por outros nomes nos outros jogos, mas levando em conta que é constantemente utilizado durante o jogo, então iremos com essa visão dele.

Metatron é um dos anjos bíblicos mais poderosos de acordo com os escritos hebraicos, sendo considerando um porta voz de Deus, recebendo os títulos de Voz de Deus, Anjo Supremo e Veneno de Deus. Levando em consideração o último título, podemos ver que o símbolo ou a ideia do que o mesmo simboliza surgiu baseado no mito de criação do jogo: um homem oferece uma serpente ao sol, durante a criação de Deus, e uma mulher ofereceu o junco, algo que pode ser visto diretamente como uma referência aos órgãos reprodutores e o nascimento.

O Simbolo do Veneno de Deus está presente tanto na religião da ordem, quanto no Deus vermelho.

Mas quem são esses seres que carregam o símbolo de Metatron? Eles são Valtiel e Piramid Head, ambos possuem um corpo semelhante,utilizam vestimentas similares, são capazes de alterar entre o mundo da névoa e o outro, são capazes de ressuscitar os mortos, porém se comportam de maneira distinta um do outro, ou seja, duas criaturas semelhantes, porém com fins diferentes. Valtiel nunca age diretamente em relação a Heather, apenas a guia, enquanto Piramid Head constantemente guia James Sunderland através da força bruta ou da dor, porém isso ocorre devido ao fato de James desejar punição pelos seus atos, enquanto Heather não. A busca de Heather é por respostas, por finalizar assuntos, ou seja, ela precisa de um guia, e este guia é Valtiel.

Valtiel, um nome curiosamente relacionado a Deusa, diferente de Piramid Head. Valtiel vem da junção das palavras Valet e el, ambas respectivamente do idioma francês e hebraico, “valet” significa servo, enquanto “el” pode ser traduzido para “de Deus” ou seja, Valtiel pode ser traduzido para Servo de Deus. Mas então porque os tomos o chamam de Xuchilbara e não de Valtiel? Bom isso é porque Xuchilbara possui seu próprio significado. Após procurar por muito tempo, achei a resposta dentro de casa, em um cartão postal recebido por minha mãe de um amigo que estava viajando pela América Latina.

Nos diversos cartões, haviam significado de diversas palavras e entre elas havia a palavra “Xuchil”, que é Asteca para flor, depois com um pouco de pesquisa online, foi possível descobrir que “Bara” significa lança. Com isso podemos deduzir que Xuchilbara significa “A lança florida” ou “A lança que guia a flor”. A flor é constantemente ligada aos órgãos reprodutores femininos, representando fertilidade e o “desabrochar” das mulheres, enquanto a lança é um objeto fálico que remete à penetração, ligando Valtiel então a um papel importante no dever de trazer Deus a este mundo. Não da maneira sexual e sim através do ato de guiar Heather até o momento em que Deus irá nascer, como uma parteira faria com uma criança lutando para sair do ventre de uma mãe.

A Deusa e o Deus amarelo na mesma imagem?

Dessa maneira, podemos ver que Valtiel é uma representação direta do ato de guiar o nascimento de Deus e o caminho de Heather. Constantemente vemos ele tirando criaturas do caminho, girando válvulas que, como pode se ver durante a cena da banheira, são chaves para a ligação entre os mundos. Valtiel até mesmo age de maneira sexualmente violenta contra Lady Fukuro, uma criatura que não foi usada no projeto final do jogo e seria protagonista de um experimento separado da equipe Team Silent. Valtiel também leva consigo tanto o símbolo de Metatron, quanto os dizeres “Lança Florida” entalhados no ombro direito, enquanto Piramid Head apenas ocorre de estar em uma sala com o símbolo em sua batalha final contra James.

Podemos ligar isto ao fato de que os segmentos finais da jornada de Heather são semelhantes ao ato de se dar a luz. A criatura Glutton, se analisada de maneira minuciosa, se assemelha ao útero feminino. Além disso, as paredes começam a se tornar de um vermelho vivo, o som de veias pulsando e o som de um coração batendo são constantes. Por fim, chegamos ao quarto de Alessa, de onde Heather “nasceu”. Tudo gira em torno do ciclo da vida, e já não nos é estranho o fato de que o tempo no universo de Silent Hill é um círculo, ou seja as coisas irão acontecer inúmeras vezes. Silent Hill 2 mostra que James está fadado a repetir o círculo de sofrimento caso se apegue a Maria, enquanto Silent Hill 3 repete todos os atos de Silent Hill 1.

Os deuses não são o centro de Silent Hill 3 e sim Heather em sua busca por si mesma.

Lobsel Vith não possui uma tradução em si, diversos locais na internet reconhecem o nome traduzido de maneira literal como ” Recipiente Ruim de Carne”, ou seja, Alessa, Cheryll e Heather, todas em algum momento foram relacionadas ao parto de Deus.

Portanto, Heather é a personagem principal de uma história que está sendo recontada, uma vez mais. Como seu pai adotivo, Heather acorda em um café, sozinha e confusa, a primeira pessoa que encontra é uma pessoa ligada à força policial, tanto Heather quanto Harry enfrentam mulheres ligadas a Ordem e a Alessa. Harry enfrenta Dhalia Gilliespe e Heather, Claudia Wolf. Ambas as antagonistas buscam trazer Deus a este mundo e ambas fracassam e trazem versões deformadas e falhas de Deus:  primeiro Samael e depois uma versão disforme de Alessa, nascida de Claudia. Sabe-se também que os protagonistas de ambos os jogos, no final da história se deparam com o nascimento de um novo Deus amarelo.

O quê? Não há bebê em Silent Hill 3? Ai que está o engano: se notarmos a linguagem corporal de Heather no final do jogo, quando Valtiel desaparece com o corpo falho de Deus, a mesma olha de maneira intrigada por cima do ombro. Caso se esteja jogando a versão de PC, é possível alterar alguns arquivos e ouvir o choro de uma criança ao fundo, ou seja, uma nova encarnação do Deus Amarelo nasce, mas o mesmo é deixado para trás por Heather, a fim de se quebrar o ciclo de repetições. O próprio Masahiro Ito já se posicionou sobre o fato e disse que o choro e o nascimento de uma nova criança são eventos canônicos.

Tempo é algo cíclico em Silent Hill, podemos observar isso pelo simples fato da série possuir jogos com mais de um final, fora o que pode ser considerado o final real das obras. James Sunderland pode acabar repetindo o ciclo ao se afogar nas águas de Silent Hill, não ser perdoado por sua mulher ou ficar na cidade com Maria, repetindo eternamente o ciclo de sofrimento, até que consiga quebrar o mesmo. O mesmo aconteceria com Heather, caso pegasse a criança, dando continuidade a um ciclo de repetições nos eventos da história. Mas o universo de Silent Hill 3 não acaba por ai.

O caminho de Heather é tortuoso e regado de mensagens relacionadas ao seu nascimento como uma nova pessoa.

Os medos diários de um mundo feminino em Silent Hill 3

A primeira vez em que tive contato com Silent Hill 3 foi no ano de 2008. Como grande parte da fanbase, achei o jogo bom, nada de excepcional e “fraco” em relação ao título anterior. Entretanto, algo mais chamou minha atenção, o fato de algumas das criaturas do jogo serem exploradas de maneira bizarramente sexual. Como o próprio Closer, a maneira como as Nurses foram feitas desta vez e até mesmo a maneira com que Heather se move em determinadas partes do jogo. Claro que, no meu cérebro juvenil, não fui capaz de entender as conotações ali impostas, mas ao jogar novamente para fazer está série e pesquisar e conversar com outras pessoas, uma imagem se formou.

Silent Hill 3 é um jogo que, antes de tudo, retrata o mundo feminino e suas inseguranças e retrata o caminho de evolução que Heather tem de percorrer a fim de se encontrar. A maneira como as criaturas se comportam ao cair, sempre de maneiras sugestivas à visão do jogador, a maneira com que se contorcem desesperadamente, como os Lying Figures em Silent Hill 2… essas ações representam a batalha que ocorre no psicológico de Heather enquanto pessoa e mulher sem identidade própria, contida em uma prisão feita da própria carne, lutando pela liberdade, como uma lagarta, que deseja renascer como uma borboleta. A maneira como a cutscene em que um Closer morre no shopping e a forma como a câmera se alinha quando criaturas femininas caem remetem a essa insegurança que o público feminino sente. O medo de estar sempre sendo observada ou perseguida é utilizado de maneira sútil, mas ainda assim impactante.

Todos estes assuntos são abordados, concentrados e resumidos na imagem da criatura Closer. Uma criatura deformada, com longos membros amorfos que tentam imitar braços e um rosto deformado e que existe apenas para lembrar Heather de sua existência sem sentido, sem qualidades distintivas, apenas uma massa que perambula e se opõe ao desenvolvimento da protagonista como pessoa, algo que já ocorrera no passado. Podemos ver o nascimento da criatura já em Silent Hill, mais precisamente no quarto de Alessa, em que podemos ver o desenho da garota e a gigantesca criatura verde ao seu lado.

Diferente das Nurses com seus rostos deformados, em Silent Hill 3 as mesmas lembram muito Lady Fukuro.

Entretanto, em Silent Hill 3, vemos que o desenho sofreu modificações, agora a garota está de laranja e não mais vestindo roxo como antes. O laranja é a cor referente a Heather. Além disso, a criatura agora está escura e parece estar se opondo à garota, de maneira que, quando encontramos a mesma pela primeira vez no shopping, a fotografia do jogo retrata perfeitamente a posição vista no desenho de Alessa, impondo a visão da mesma. Ou seja, Closer também representa a maneira como Alessa via os adultos ao seu redor, a maneira como sua mãe abusava física e psicologicamente, tornando tanto Alessa, quanto Heather pessoas desconfiadas em relação a adultos. Afinal de contas, para todas as crianças seus pais são titãs gigantes, o que acaba tornando a relação de Alessa e seu guardião relacionável a muitas pessoas.

Estar sempre temendo a represália física ou verbal de sua mãe é algo que impacta diretamente a psiquê de uma criança, pois ela espera proteção e carinho daqueles que a trouxeram a este mundo. Porém, quando os pais se tornam abusivos e agressivos, isso pode deturpar a visão das crianças e dar início a grandes crises depressivas, estresse pós traumático, dificuldade em atividades sociais e síndromes borderline. A dor física é multiplicada pela humilhação de ser ferido por aquele em que confiamos, e é esta a visão de Alessa em relação a criatura e a sua abusiva mãe.

Mas infelizmente a criação de Closer é um verdadeiro Frankenstein, fundindo as piores ações da raça humana em relação às duas pobres garotas. Já vimos a relação de Closer com Alessa, porém Heather, por ser uma reencarnação de Alessa, contribuiu com seus próprios temores para que a criatura se tornasse ainda mais disforme e perigosa. Se analisarmos o modelo ou a arte por trás do personagem podemos tirar muito da insegurança de Heather em sua construção.

O jogo muitas vezes apresenta um ambiente visões deturpadas do que uma criança busca.

Tanto Heather quanto Alessa possuem essa desconfiança de adultos, já que Heather custa a ouvir as palavras do ex-detetive Douglas Cartland. Porém,  no caso de Heather, a questão primordial é o fato de ela temer ser vista apenas como um objeto pelo público masculino, o medo de ser “comida” pelos olhos ou ser abusada sexualmente. Somado ao fato de que Harry e ela estavam sempre em busca de novos locais para fugir da ordem, a mesma nunca teve tempo para viver uma infância e adolescência saudáveis, que são anos vitais para se estabelecer quem você realmente é.

Por isso, vemos a criatura ser retratada como uma zombaria dessa lado feminino de Heather, usando roupas estranhamente curtas e coladas ao corpo, calçando sapatos de salto que a fazem andar de maneira desengonçada e errônea pelo cenário. Seu rosto não existe, no lugar podemos encontrar um par de lábios carnudos e salientes, contidos pelo o que parece ser um anel de metal, dando a alusão de uma vagina sintética, reforçando a visão da mulher como um objeto sexual, sem uma “face”, apenas um instrumento de prazer e líbido, feito para ser utilizado e descartado.

Closer e Heather, espelho e realidade, mas qual mostra a verdade?

Algo mais pode ser constatado em uma parte mais adiante do jogo, no hospital Brookhaven, quando encontramos o diário de Stanley Colman espalhado pelo local. Esse homem, que sofre de distúrbios de apego, relata detalhadamente em suas narrativas a maneira obsessiva como deseja Heather e, em uma das passagens, encontramos um longo poema em que ele relata como deseja subjugar e comer o rosto de uma das enfermeiras que ele abusou sexualmente no passado. Essa é exatamente a maneira como Closer mata suas vitimas, as subjugando com seu enorme peso e mastigando a face de suas vitimas.

[miptheme_quote author=”” style=”text-center”]How would you scream? Would you shriek “It hurts! It hurts!” as cinnabar-red tears stream from your crushed eye?[/miptheme_quote]

Muitas criaturas se movem e contorcem como uma lagarta tentando romper sua crisálida e se tornar uma borboleta, através de uma metamorfose ou renascimento e é isto que Closer significa, uma nova chance para Heather. Como muitas religiões existentes no mundo real, a Ordem de Silent Hill parece contar sobre inúmeras tentativas de trazer Deus a este mundo. Todas falharam, porém ainda existe a citação de reencarnações ou transformações por metamorfose de corpo e/ou espirito. E coincidentemente Closer possui na nuca os Kanjis que podem ser traduzidos para “Sutra de Lótus”, a mais importante das escrituras e base para várias das vertentes do Budismo.

No caso de Silent Hill 3, podemos focar na principal vertente Budaica japonesa do Tiantai, pois é o que exemplifica melhor a trajetória de Heather durante a história de Silent Hill 3. Contando com o que é chamado de “Quatro Nobres Verdades”, pode ser descrito como a jornada que todas as almas e formas de vida humanas, animais e até mesmo plantas passam nesta terra, sofrendo a influência de quatro princípios: Samsara, Duhkha, Karma e Nirvana.

Samsara pode ser descrito como “perambular” e refere-se ao ato de viver e renascer em um ciclo contínuo através da vida, implicando que cada alma possui seu próprio caminho e seu próprio ciclo de vida e reencarnação. Duhkha se refere ao ato de não desejar reencarnar, tendo em vista que a cada reencarnação mais tempo as almas passarão presas em perambulando no Duhkha, que significa “indesejado”. Desta maneira, a vida é colocada como um meio-termo indesejado de evolução, onde as almas irão se aprimorar através de suas ações, ou seja, Karma, que significa “ação”. Através destas ações devemos nos liberar de nossas amarras e quebrar o ciclo de continuo sofrimento causado por Duhkha, para que enfim possamos atingir paz de espírito e iluminação, ou seja, Nirvana.

Samsara é a viagem por Duhkha, onde nosso karma irá garantir o estado de Nirvana a nossa alma.

Talvez tais conceitos sejam difíceis para que nós ocidentais os entendamos, afinal de contas vivemos em uma sociedade que dita que o mundo deve se moldar para nos acomodar e não ao contrário. Através do Karma, a pessoa deve se moldar ao mundo e atingir as necessidades para nele conviver, algo que fica evidentemente em contraste com nosso pensamento ocidental. Essa visão ocidental impede muitas vezes que o jogador entenda a viagem de transformação pela qual Heather deve passar.

O Samsara de Heather é repleto de sofrimento, ou seja Duhkha, mas por suas ações, seu Karma, ela é capaz de atingir a paz, Nirvana. Sutra de Lótus é a mensagem gravada na carne de Closer, o guardião, a sentinela que guarda o caminho e  impede que Heather avance em busca de sua evolução e paz. Closer é a personificação das dores, traumas e fraquezas de incontáveis vidas que a mesmo passou, a golpeando com seu passado e incertezas.

Porém,  quando vence este obstáculo, ao deixar de lado as questões mundanas e pensamentos terrenos, Heather é capaz de atingir seu Nirvana. Ao final do jogo, ela assume seu verdadeiro nome, Cheryl, e ganha entendimento sobre quem é e seu lugar neste mundo. Diferente do que se espera de um lugar como um Paraíso pessoal, onde um pode sucumbir à vontade de seus desejos terrenos até o final dos tempos. É algo muito mais simples e primordial, sendo muitas vezes visto como “vazio” pela audiência, mas é ai que está a beleza da obra. Por incontáveis vezes, o ritual de Deus foi repetido e incontáveis vezes ele falhou, mas Cheryl mudou a direção dos fatos e quebrou este ciclo de repetições.

Através de inúmeras reencarnações, Heather acumulou cicatrizes e experiências que permitiram que a mesma pudesse tomar as rédeas desta vez, confrontando os monstros que se contorcem e tremem bizarramente neste perverso pesadelo. Ela até mesmo luta com a personificação de seu passado na forma da criatura “Memória de Alessa”, uma batalha contra seu passado demoníaco e traumatizante. Por isso, a série Silent Hill consegue ser tão marcante, mostrando a cidade como um lugar de penitência, queimando nossas imperfeições e erros e guiando seus visitantes a serem pessoas melhores ao quebrarem o ciclo de repetição e deixarem para trás as frivolidades mortais da vida, que as atrasam e as moldam para o mundo.

Heather, agora Cheryl, se torna mais uma daqueles que deixaram a cidade e suas névoas para trás.