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Fechando o primeiro mês de Freakview, iremos encerrar como começamos, falando de Silent Hill, desta vez o quarto título da série, Silent Hill 4: The Room. Este é o ultimo jogo produzido pela equipe da Team Silent e foi o prego final para que a esquipe fosse dissolvida, realocada ou despedida, algo que se tornaria praxe da produtora Konami.

Diferente dos textos anteriores, analisar Silent Hill 4: The Room é extremamente simples, sendo o jogo até mesmo mais linear do que o primeiro título em sua essência principal. Como sempre é o caso com os textos desta série, vamos explorar as mecânicas pouco divulgadas que transforam o jogador lentamente em um parceiro de atividades de nosso protagonista Henry. Considerado o mais experimental da série por mudar completamente o foco e estilo da franquia, vamos entrar de cabeça neste mundo fortemente fechado.

Feche os olhos e veja

Henry Townshed é um rapaz peculiar e que grande parte dos jogadores deseja manter distância em relação a maneira de agir. O introvertido rapaz que pouco sai de casa se mostra um homem de poucas palavras, acovardado e com tendências voyeurísticas, observando a vida passar em sua volta ao invés de agir como “protagonista” de sua própria história. Preso em seu apartamento, trancado com pesadas  correntes e fortes segredos, a unica rota de fuga para ele é um buraco em seu banheiro, que dá em um mundo de sonhos, repleto de bizarras criaturas, criadas pelas vítimas e ações de um solitário e confuso homem chamado Walter Sullivan.

Esses dois homens conturbados por suas maneiras de agir estão presos ao apartamento de Harry. Harry por sua natureza retraída encontra paz em seu apartamento e o mesmo permite que ele observe a vida que ocorre em volta de si, já Walter Sullivan acredita que o local seja sua mãe biológica, criando um sentimento de apego doentio ao local, levando-o a realizar um antigo ritual que o permitirá se transportar para uma dimensão onde apenas Sullivan poderá transitar.

Ambos os personagens estão distintamente ligados a este local. Entretanto, Walter Sullivan está disposto a tudo para concretizar este ritual. Henry servirá tanto para evitar que Walter realize seus planos, quanto para que isso se realize. Silent Hill 4: The Room é um atestado de grandeza das obras fictícias envolvendo o mundo do terror, mostrando que o mesmo sempre deve se desenvolver, tal qual Henry faz durante o jogo, buscando novos motivos e se redescobrindo e reinventando.

Imagem do artigo de Silent Hill 4: The Room

A ultima escadaria projetada pela equipe original de Silent Hill.

O jogo roda em torno da vida de Henry e suas depravações, ao estar sempre observando a vida passar pelas janelas de seu apartamento. Porém, descobrimos sua fixação na prática quando voltamos pela primeira vez do mundo dos sonhos, ao vermos que alguém esteve no apartamento de Henry. Uma pequena cômoda foi movida e, através dela, podemos observar o quarto de Eileen, vizinha por quem Henry parece nutrir sentimentos, mas, como é de se esperar, nosso herói não possui a coragem para encará-la e conversar normalmente.

A partir deste momento, julgamos Henry pelo seu ato depravado de observar sua vizinha e vizinhos dos prédios em frente. Entretanto, como sempre nos foi dito, “quem aponta um dedo, volta outros três contra si”. No mundo dos games, Clint Hocking inseriu o termo Dissonância Ludonarrativa em 2007, ou seja, um termo feito para cunhar jogos que mostram um desenvolvimento maior em relação à história, um ponto de quebra na linha de acontecimentos através de um distância estética.

Um grande exemplo disso é a fuga do hospital e a primeira missão de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, em que já conhecemos os personagens e seu modo de agir, porém existe todo um novo motivo que empurra o jogador para fora do jogo, ao nos mostrar Kazuhira Miller, um homem antes relativamente calmo e guiado pela lógica de se transformar em um homem carregado de rancor e amargura.

E onde encontramos tais sinais em The Room? A resposta para isso está na maneira com que jogamos.

Imagem do artigo de SIlent Hill 4: The Room

Cada uma das mãos representa uma das vítimas de Walter Sullivan. 

Chegue em qualquer roda de conversa sobre a série e coloque Silent Hill 4: The Room como assunto. Grande parte pode dizer que acha o jogo chato, repetitivo, maçante e nada interessante em relação aos outros três primeiros títulos. Ainda assim, se pararmos para analisar a maneira como o jogo se apresenta, vemos claramente a questão da dissonância ludonarrativa. Claro que se pode vencer o jogo sem sequer parar no apartamento para checar as janelas, corredor e quarto da vizinha, mas o jogo guia o jogador a andar nos sapatos de Henry.

Henry é um homem reservado e retraído. Se ele não conseguia se socializar ou sair direito, antes de seu apartamento ser barricado por trancas e correntes, permitindo a ele perambular apenas por um mundo cheio de tenebrosas criaturas, é claro que agora, mais do que nunca, ele estará sempre em seu apartamento. Ou seja, o jogo força que o jogador saia, mas também força que o mesmo volte para dentro do apartamento, ao nos apresentar um inventário pequeno e os terríveis fantasmas. Entretanto, o apartamento é algo sem vida, desinteressante, monótono e apresenta para o jogador uma representação de uma pessoa socialmente isolada e, uma vez que não temos nada para fazer neste local, só nos restam duas escolhas: voltar para o mundo dos sonhos ou espiar os vizinhos.

Aprendemos que o ato de espiar é algo atrelado ao objetivo do jogo quando descobrimos a ambulância que vem buscar Cynthia, após ela ter sido assassinada no mundo dos sonhos. Após esse evento, resolvemos observar o corredor e guardamos o “melhor” para o final. Todos nós já olhamos pelo buraco esperando encontrar Eileen em uma posição atrativa, ou trocando de roupa (e, quem sabe, até mesmo nua) e é quando este pensamento cruza a mente do jogador que o game alcança a sua glória e coloca jogador e protagonista lado a lado no mesmo patamar, zombando dos jogadores em um momento mais à frente, quando encontramos a cabeça gigante da moça no segundo andar do hospital em Otherworld. Observando, ofegando e gemendo enquanto acompanha com os olhos fixos os movimentos do jogador, sem quebrar jamais o contato visual com Henry, fazendo com que ele sinta o desconforto de Eileen.

Imagem do artigo de Silent Hill 4 :The Room

Senhorzinho está indo aonde?

Da janela lateral, de Silent Hill 4: The Room

Através dessa maneira de apresentar o mundo do game e a situação em que Henry se encontra, podemos entender que a Team Silent não deseja criar o melhor jogo de terror, mas sim um que conseguisse transmitir a “mensagem” da melhor maneira possível. Pois, se pararmos para analisar, o jogo em si é mais focado em Walter Sullivan do que em Henry, por assim dizer, colocando o mesmo apenas como o morador do apartamento que deseja escapar daquele lugar, que representa sua ansiedade social, seu isolamento e que alimenta seu hábito voyeur.

Criando esta comoção toda em relação ao apartamento e à história que se desenrola ao seu redor, Walter Sullivan continua sua caça pelas 21 vítimas necessárias para se completar o ritual, enquanto Henry não deseja deixar o local pelo fato do mesmo alimentar seus pontos negativos. Afinal de contas, lidar com fantasmas invencíveis e criaturas sobrenaturais é algo estressante e cansativo. Este mundo de sonhos interligados pelos assassinatos de Walter cria representações daqueles que já foram mortos, de Walter e de Henry, sendo os fantasmas deles as criaturas sem rosto que muitas vezes aparecem nas escadarias, representando o fato de não conseguirem deixar de lado o apartamento.

Com o passar do tempo, vemos que o próprio apartamento em si começa a criar vida neste mundo corrompido, através de assombrações daqueles que morreram em prol do ritual de Walter. Então, este local, com o qual o jogador estava começando a se sentir à vontade e vendo aconchego entre as indas e vindas entre o mundo real e o de sonhos, se torna um local opressivo, aterrorizante e assombrado. Injusto? Sim, porém, como dito antes, este era o objetivo da equipe da Team Silent, transformar este lugar acolhedor em uma área hostil ao jogador e acolhedora para Sullivan, já que ele via o local como sua mãe biológica. Por isso, o apartamento parece se tornar algo orgânico, sujo e ensanguentado, tal qual um útero contaminado pela loucura e carência de Walter Sullivan, um homem que só desejava de maneira doentia estar com sua “mãe”.

Imagem do artigo de Silent Hill 4: The Room

Dificilmente apreciado, facilmente deixado de lado.

Como Silent Hill 3, Silent Hill 4: The Room é um jogo mais focado no universo pessoal dos personagens, contando com a criação de um universo considerado experimental demais para a mesa diretora, que já estava descontente com o desempenho de vendas do título anterior. Com isso, a equipe da Team Silent foi efetivamente desfeita e os jogos da série passaram a ser diferentes e inventivos de sua própria maneira, porém nenhum semelhante ao antigo material produzido pela equipe original.

Silent Hill 4: The Room é uma experiência aquém dos seus predecessores e de difícil digestão por parte dos jogadores, tal qual um quebra-cabeça estranho, ou uma bebida exótica. Exigindo um comprometimento por parte do jogador para se afundar em seu universo surreal e abstrato, em que o jogo obriga o jogador a repetir as ações antes realizadas em um processo de aprendizado e testemunho, tema escolhido por Sullivan para representar Henry, a vigésima primeira vítima, portadora do conhecimento em relação aos acontecimentos.

Com isto terminamos de analisar os quatro jogos principais do universo de Silent Hill, porém abordaremos P.T. em um futuro artigo. Assim como o Team Silent, Hideo Kojima enfrentou a oposição da Konami com sua visão de Silent Hill e teve que preparar uma verdadeira façanha para escapar das garras da antiga empresa. Iremos buscar entender as inspirações e fatos que levaram Kojima a produzir a história e linha cronológica de acontecimentos naquela curta demo que abalou o mundo dos jogos de terror e deixou uma marca eterna na mente dos fãs. Iremos ver o que poderia ter sido a volta das mais terríveis névoas digitais.