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Nesta terça-feira (28 de Maio), tivemos uma live onde fomos apresentados a um pequeno teaser chamado “Tomorrow is in your hands” e, quando menos se esperava, a Kojima Productions lançou o novo trailer de Death Stranding, o novo jogo de Hideo Kojima. Tomando a internet de surpresa, todos os olhos se voltaram para o novo trailer da enigmática nova IP da Sony, tão misteriosa e diferente do que se conhece do controverso diretor de P.T. de Silent Hills.

Como é de praxe, eu já estava com caneta e caderno a postos para poder estudar este novo trailer e poder comparar com as notas que tomei em relação aos antigos vídeos. Para minha surpresa, no entanto, um quadro um tanto quanto comum nas criações de Hideo Kojima começou a se formar novamente. Por isso, nessa edição de Freakview, vamos ser totalmente especulativos sobre a mensagem e sobre o que Death Stranding realmente será. Por isso, apertem os cintos e tragam seus cadernos de notas pois vamos partir em uma jornada pela insana jornada interestelar, partindo do nascimento do universo até as emoções humanas em uma verdadeira “sopa primordial” de letrinhas que tenta se passar por um humano.

Um aviso antes de partimos para o texto em si: o texto irá possuir diversos spoilers dos jogos da franquia Metal Gear Solid e se trata de um texto especulativo em que, através de informações conseguidas através do tempo, acabei por montar uma tese sobre do que se trata o jogo. Para ficar mais fácil o entendimento do texto, separarei o artigo em duas frentes: uma explicando a parte científica e a outra a parte artística do jogo.

Duas gigantescas pernas de pedra, sem torso

Existem infinitas maneiras de se analisar as informações que nos foram passadas pelos trailers de Death Stranding. Agora, com seu quinto trailer definitivo, podemos finalmente ter uma ideia de onde partir e começar. Porém, para entendermos a grandiosidade da obra, é necessário notar diversos pequenos fragmentos de informações que nos foram dados através destes anos de escassos anúncios. Death Stranding, na vista de Hideo Kojima, é um projeto que tem a função de novamente “conectar” os jogadores através de uma corda imaginária, a qual ele afirma ser seu objetivo.

Juntando isso com o fato de que o jogo possui a constante imagem de cordões umbilicais nas criaturas, no fato de Norman Reedus ter a ausência de um cordão e dividir a cicatriz abdominal com Mad Mikkelsen, podemos facilmente chegar à indicação de que Death Stranding não será apenas um jogo Sci-Fi com forte inspiração em um universo Lovecraftiano, e sim um jogo que irá retratar toda a criação do Universo em si, a caminhada evolutiva do Homo Sapiens em uma nova transição evolutiva e sobre a teoria fundamental do que pode ser chamado de Vida.

Vida, uma palavra, diversos significados implícitos nesta pequena mistura de quatro letras. Alguns pensam que ela serve para acumulo de bens materiais, outros acreditam que o verdadeiro significado da mesma é encontrar alguém que nos complete. No entanto, ela sempre teve o mesmo objetivo :a sobrevivência do indivíduo ou espécie através da multiplicação, seja assexuada ou sexuada, o importante no final sempre foi a transmissão da “vida” através dessa união.

Did you call my name?

A grande pista para essa ligação com o conceito de vida se encontra no final do terceiro trailer e nos escritos nas grossas chapas de metal ao redor do pescoço do personagem de Norman Reedus. Chamado de Sam, nós o vemos dizer, no final do trailer, que houve quatro grandes explosões.  Entretanto, não é especificado em momento algum quais seriam estas explosões. Ainda assim, se repararmos bem no colar que ele utiliza ao redor de seu pescoço no material publicitário, podemos notar duas muito bem posicionadas equações, pedindo para serem observadas. Estas equações são justamente a pista necessária para encontrarmos a origem da frase de Sam.

A primeira equação é a Métrica de Schwarzschild, conhecida também como Vácuo de Schwarzschild. Ela tem como função calcular a massa e o tamanho de um objeto para que o mesmo se torne um buraco negro no tecido do espaço. Assim, descobrimos que a primeira grande explosãoa  que Sam se refere foi o próprio Big Bang, uma concentração tão infinitamente grande e poderosa de massa e gases que resultou em uma gigante explosão de átomos e matéria que continua a ecoar até hoje.

Já a segunda equação é a equação que ficou cinematograficamente famosa com o filme Anjos e Demônios, chamada de Equação de Dirac. Esta equação tem como função principal a introdução do conceito de antipartículas, ou seja antimatéria. A grande conexão entre ambas está na Relatividade de Albert Einstein em sua Teoria de Tudo, a Teoria de cordas. Porém, a parte mais interessante para Death Stranding neste estudo está na teoria de que talvez os famosos Buracos Negros se liguem em uma rede infinita de universos servindo como verdadeiros “cordões umbilicais” cósmicos que ligam as realidade ou, como o próprio jogo nos apresenta no nome da misteriosa empresa “Bridges”, pontes interstelares que interligam nosso universo com outros infinitos universos.

Pontes para infinitas dimensões?

Exatamente por estas infinitas pontes ligando diversas realidades, podemos entrar em uma teoria que já foi defendida antigamente de que nosso próprio universo existe confinado dentro de um buraco negro, encapsulado dentro de um universo ainda maior com diversos buracos negros, cada qual abrigando um novo universo. Talvez essa seja a função da organização Bridges em Death Stranding: encontrar e viajar por estas dimensões. Ao abrir essas incríveis portas a outros mundos, algo “escorreu” para este universo, como Hideo Kojima mesmo disse, “algo acabou encalhando neste mundo”. Talvez essa abertura ou rompimento no espaço-tempo explique a existência do Timefall, a chuva que consome a vida e energia daquilo que toca em uma rápida e bruta entropia, mostrando que o tempo está literalmente sangrando, junto com o espaço e a terra.

Mas isso não é algo novo para quem já vem acompanhando Kojima desde a criação de P.T.. Se pararmos para analisar, muito dessa teoria vem de Silent Hills, o jogo que também  seria protagonizado por Norman Reedus. Podemos acreditar que o fato de termos um S ao final do nome do jogo indique diversas realidades ou mundos em que o protagonista e o jogador iriam se aventurar através da visão dos diversos personagens que fariam parte daqueles mundos. Entretanto, isso é assunto para outro artigo e já foi comentado no texto de Silent Hill 2.

Agora que já tiramos a primeira explosão e a questão dos buracos negros do caminho podemos passar rapidamente pela segunda e terceira explosões primordiais para a vida na terra. A segunda explosão ocorreu eras após o Big Bang, quando uma massa de matéria e gás mais uma vez colapsou e se fundiu em uma infinita explosão de calor, criando nosso Sol. A terceira grande explosão ocorreu nos cinturões de rocha ao redor dessa recém formada estrela, dando forma aos planetas próximos da mesma, sendo eles Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.

A quarta explosão vem de uma teoria que poucos engolem, mas talvez faça sentido, tendo em vista que a Terra até aquele momento era uma rocha fervente antes de começar a esfriar. A teoria da Panspermia permite que nós coloquemos todas as explosões citadas em xeque e que busquemos mais uma vez no Cosmos as respostas, ao trazer a possibilidade de que toda a vida existente no universo é propagada por cometas, asteroides e corpos celestes que carregam bactérias primordiais para o início da vida.

Imagem do artigo de Death Stranding

O homem estende a mão para o abismo e então sente um aperto final.

Jaz um rosto partido, cuja expressão…

Conheçam meu amigo Bob: ele viveu a milhões de anos atrás e era um Homo Erectus. Ele era bem mais forte do que nós, Homo Sapiens, mais alto, com capacidades de sobrevivência maior. A diferença entre eles e nós, é que Bob e os outros hominideos não sabiam se comunicar e nós sim. E esse foi o fim de Bob, o Homo Erectus, e todos os outros Hominídeos. Hideo Kojima já falou inúmeras vezes que o mascote e símbolo da Kojima Productions não passa disso, um símbolo. Mas conhecendo o mesmo, é claro que isso é algo que podemos riscar da cartela, afinal de contas o desenvolvedor já mencionou o termo Homo Ludens e, no trailer de ontem, pudemos conhecer os Homo Demens.

O termo Homo Ludens foi cunhado originalmente pelo historiador e antropólogo dinamarquês Johan Huizinga no livro de mesmo nome. Em seu livro, Johan determina o ato da criação da cultura através do ato de “brincar/jogar”, já que está seria a tradução direta do termo em Latim. Mas esse jogar/brincar não se delimita apenas ao ato de brincar de bola, pique-pega ou jogar video-games, mas se estende a diversas ações como leis, estudos, trabalho, festas, levando à criação da cultura em si como um todo a partir dos jogos.

E quem são os Homo Ludens em Death Stranding? Sabemos que os Homo Demens – Homens Loucos – são os “inimigos” no jogo, então podemos acreditar que os Homo Ludens são as criaturas que vazaram e acabaram de certa forma presas neste universo. Nos capítulos finais do livro de Johan, ele cita o fato de que a sociedade vive em um constante estado de “jogo”, o próximo passo da evolução do Homo Sapiens não seria genética e sim através da cultura e dos “memes” de atuação, ou seja, o Homo Ludens, o homem que evoluiu através do “jogo”.

[miptheme_quote author=”Hideo Kojima” style=”text-center”]From Sapiens to Ludens.[/miptheme_quote]

Essa evolução forçada é comprovada pelo fato de que o jogo em si trata de um iminente desastre planetário, algo que não parece muito distante da atual situação do nosso planeta. Mares inundados com vazamentos petrolíferos, a temperatura dos oceanos aumentando e toda a interferência humana que abala este delicado e frágil ecossistema. Hideo Kojima está tentando nos mostrar que, através de anos de avanços tecnológicos e culturais, está na hora de um novo passo evolutivo e ele se encarregou de criar o veículo e habitat para essa nova subespécie de hominídio.

Os trailers já vem anunciando há tempos que aquele universo está ciente do Homo Ludens. Prova disto está no segundo trailer, protagonizado por Guillermo Del Toro. Durante o trailer todo, vemos ele agindo de maneira confusa, como se jamais tivesse visto aquele local, mas sabemos que ele e o personagem de Mads Mikkelsen estão cientes de que existem outros seres observando e controlando aquele universo. No mesmo trailer podemos ver que ambos olham diretamente para a câmera. Porém, nos créditos, apenas Mads Mikkelsen e Norman Reedus são creditados, pois Guillermo Del Toro não é um personagem ali e sim Guillermo Del Toro e nós somos e seremos os Homo Ludens.

Imagem do artigo de Death Stranding

Cliff, um homem preso nessa misteriosa substância oleosa.

Norman Reedus, no trailer de anúncio da obra, nos dá a resposta logo de cara. O trailer inteiro é focado no nascimento de uma nova espécie e morte/transformação de um ambiente. Sam, o personagem de Norman Reedus, está nu, tal qual uma nova vida vindo a este mundo, despida em relação ao seu criador. Mads Mikkelsen, ao tirar seus óculos no segundo trailer que misteriosamente desaparecem em um feixe de luzes, tal qual itens de videogames costumam fazer, comanda as unidades esqueléticas através de cabos, que muito se assemelham a cabos de controle de joysticks ou às arvores de comando de um sistema de programação.

O fato dos trailers estarem conectados também mostra a existência de diferentes tempos/espaços. Se analisarmos ambos, podemos ver que as marcas de mão surgem junto com os movimentos de Del Toro e o bebê na mão de Reedus desaparece justamente quando Del Toro ativa o útero artíficial. O fato de que tanto Sam, Cliff e a boneca possuem a mesma cicatriz abdominal, nos indica que os três estão conectados de alguma forma. Além disso, Cliff conversa diretamente com o Bridge Baby no último trailer e vemos tudo pela visão do mesmo que, ao piscar, muda o que vemos, ou seja, tudo gira em torno da vida, de uma nova espécie. Os Homo Ludens, os Bridge Babys, ou seja nós, nós somos as criaturas que acabaram encalhando neste universo. Algo que pode ser visto no trailer quando a personagem Mama interage com um dos B.T., que começa a tomar sua forma.

Imagem do artigo de Death Stranding

Shhhh, não estrague a surpresa.

Hideo Kojima disse que o tema central de Death Stranding seria a conexão e até agora temos provas o suficientes de que isso é realmente um fator chave para o ambiente. Ou seja, o jogador não é o único Homo Sapiens que irá adentrar este universo ciente do nosso, e sim apenas um dos diversos novos culturalmente evoluídos Homo Ludens através da experiência vivida. Talvez os jogadores interajam entre si através dos B.T. – as sombras negras que flutuam no Timefall – ou ajam de maneira parecida aos invasores na série Souls.

Entretanto, até agora cobrimos apenas a parte científica e relacionada à “relatividade” deste novo universo e nem só de pão não vive o homem. Essa verdadeira caça ao tesouro nos trailers e nos jogos sempre foi o ponto forte de Hideo Kojima, ao fazer o jogador se perguntar : “quem está fazendo o quê, onde, quando, por quê e como?”. Essa luta entre o que é visto como natural ou padrão para o mundo dos games e o que não é pode ser vista constantemente em seus trailers, em Metal Gear Solid V e em P.T..

O fato é que poucos são aqueles que entenderam a posição artística de Kojima em relação a Death Stranding, porém, como disse em meu artigo sobre P.T, as provas já estavam lá e, como ele mesmo disse no Twitter, o jogo já começou. Hideo Kojima escreve seus jogos colocando os jogadores e espectadores como parte pivotante de sua escrita, contando com que os mesmos ajam de maneira coletiva em busca de provas e pistas previamente escondidas a fim de aumentar o conhecimento sobre aquele mundo. Isso é algo fortemente implementado em P.T.: um pequeno corredor que prendeu a internet por horas, dias, semanas e meses.

Imagem do artigo de Death Stranding

O espaço-tempo escorre e as sombrias efígies perseguem a todos.

Desta forma, podemos começar a analisar as inspirações artísticas e o que podemos esperar de Death Stranding no quesito do que podemos esperar em relação à história deste game.

Partindo do tema que já abordamos anteriormente, sabemos que conexão é a palavra chave para o universo de Death Stranding. Tudo parece estar ligado através destes bizarros cordões umbilicais negros: peixes, mamíferos, crustáceos e até mesmo letras, reforçando a ideia de conexão acima de tudo. Em outras palavras, algo neste mundo está anormal, fora dos eixos e esta distorção está conectada a todas as formas de vida. Porém, para podermos entender todas as pistas, temos de sair da comodidade de pensar dentro da caixa e tentar levar os fatos em consideração.

Até mesmo a teoria de que o primeiro trailer pode ser uma representação de Kojima se livrando de sua antiga produtora é válida. Principalmente, tendo em vista a longa cicatriz que impede que o mesmo se “conecte” com este antigo mundo, com o qual se via preso, e as figuras flutuando no ar, representando sua antiga franquia (Metal Gear Solid). Do ponto de vista do simbolismo, em várias camadas de entendimento, a teoria é sólida.

Imagem do artigo de Death Stranding

Uma réplica pobre e quebrada da inocência.

Porém, durante uma de suas entrevistas, Hideo Kojima afirmou que uma das grandes inspirações pela psicologia por trás do jogo é o livro A Corda, de Kobo Abe, o que está ligado diretamente a uma frase interessante do diretor. Hideo Kojima expressou que deseja, através de Death Stranding, conectar os jogadores através de uma “corda”, diferente dos “bastões” que utilizamos normalmente, colocando que, em um jogo, quando batemos, chutamos, nos conectamos por “bastões” e ele deseja mudar isso, tal qual mudou o mundo dos games ao criar o gênero stealth com a série Metal Gear ainda no MSX.

Kobo Abe afirma que a primeira criação da raça humana foi o bastão ou porrete. Com ele podíamos nos defender, atacar predadores e atacar adversários. A segunda grande invenção da raça humana foi a corda, criada para podermos amarrar ou conectar algo que é importante, impedindo que aquilo fuja, se perca ou suma. E, dessa maneira, Kojima pretende atrair os jogadores como moscas para o mel.

Pelo último trailer, podemos notar as mecânicas de jogabilidade que se assemelham a jogos de ação e aventura atuais. Seu criador citou a semelhança com jogos como Tom Clancy’s: The Division e a série Uncharted. Isso faz com que os jogadores se sintam confortáveis durante o processo inicial de jogabilidade, dando momentum para o jogo, até a chegada das novidades e reviravoltas pelas quais Kojima é famoso. Desta forma, ele estaria amarrando os jogadores acostumados com os “bastões”, utilizando uma corda metafórica, até apresentar a sua nova “corda”, o diferencial de Death Stranding, que irá ser a diferença evolucionária para os games e para seu trabalho, enquanto, ao mesmo tempo, nós Homo Ludens “evoluiremos” para ficar a par dessa nova interação.

Imagem do artigo de Death Stranding

Marcas profundas de um crime contra aquela que não podia se defender.

Assim, conexão, evolução e adaptação são os pontos de partida para entendermos a psicologia por trás da criação de Death Stranding.

Entretnto,  A Corda não é o texto principal no universo de Death Stranding, mas sim o poema Augúrios da Inocência de William Blake e as primeiras palavras que antecedem o primeiro trailer de Death Stranding.

[miptheme_quote author=”” style=”text-center”]Para ver o mundo por um grão de areia, e o céu em uma flor selvagem, segurar o infinito na palma de sua mão, e a eternidade em uma hora.[/miptheme_quote]

Não é por acaso que Hideo Kojima escolheu o poema de William Blake como abertura de sua nova e ambiciosa obra. Ambos possuem um modus operandi semelhante de criação. William Blake é famoso por seus trabalhos interconectados, cada qual possuindo uma referência ou ligação a outro trabalho, tendo estudiosos que dedicam sua vida a analisar e estudar suas obras, tal qual os fãs de Hideo Kojima sempre fizeram com seus jogos, dissecando lentamente o “corpo” e estudando seus órgãos e segredos escondidos atrás da “carne” literal.

O poema de William Blake parece sangrar todo no universo de Death Stranding, começando pela abertura citada. Analisando de maneira poética, podemos ver que Blake tenta fazer o leitor experienciar a sua visão de mundo, ao mostrar que tudo parece estar conectado. ” Para ver o mundo por um grão de areia”, ou seja, caso aquele grão de areia seja removido o mundo deixará de ser o mesmo, perdendo sua composição inicial, sendo este o ponto da metáfora por ele utilizada. Assim, afirma-se que a observação deste mundo pode ser alterada dependendo da maneira que o analisamos, colocando que  a percepção de alguém pode mudar drasticamente ao ver um “flor selvagem” vista geralmente como um símbolo universal de beleza e perfeição.

Imagem do artigo de Death Stranding

Espelho refletindo o espectador, nos assistindo, julgando.

Partindo ainda deste ponto, podemos analisar que as duas ultimas frases demonstram que informação não é sempre imutável e sim algo que pode acabar sendo passada de maneira diferente dependendo do ponto de vista do “observador”. Isso é algo que pode ser relacionado à primeira parte do artigo, ao tratarmos do tema tempo, tema usado nas duas ultimas linhas da primeira estrofe do poema. Podemos então pegar como exemplo o próprio gênero de filmes Sci-Fi, em que geralmente podemos ver os personagens atravessando distâncias ridiculamente enormes em poucos segundos. Para um observador ao longe, a distância percorrida é colossal, porém, para aqueles dentro da espaçonave, foi algo como um piscar de olhos.

Isso pode ser visto no filme recente Interstellar. Quando próximos a um buraco negro, o tempo passa de maneira fora do nosso entendimento, algo real, tendo em vista que buracos negros, tendem a dobrar o tempo-espaço e jogam as leis da física aos ares. Parecem conceitos alienígenas vistos desta maneira, mas paremos para pensar que vivemos em um universo com mais de 100 bilhões de bilhões de galáxias, cada qual com um enorme buraco negro, consumindo tempo, espaço e energia equivalente a milhares de sóis e outras infinitas fontes de energia tão abstratamente complexas que nossas frágeis mentes sequer podem ainda começar a compreender.

Death Stranding, as partes sem vida

Talvez por isso e por tudo que vimos até aqui, muitas vezes tais conceitos possam acabar afastando um pouco o público, por ser algo um tanto quanto “grandioso” demais. Entretanto, na realidade é algo bem simples ao entendermos nossa posição quanto ao espaço. E, graças a essas temáticas, é possível entender que, ao “vermos os céus em uma flor selvagem” estamos “segurando a eternidade em uma hora”, pois para o observador e sua perspectiva, tempo pode ser relativo e a eternidade pode durar uma hora. E tempo é algo que está sangrando dentro deste universo de Death Stranding, atravessando o universo trazendo soldados mortos do passado através do controle de Cliff.

Imagem do artigo de Death Stranding

O tempo sangra através do óleo.

Nesse contexto, Cliff parece ser algo como um juiz, ou uma entidade capaz de viajar através dessa matéria escura que anuncia Homo Ludens,  B.T.s inimigos e Timefalls, tal qual um guardião do espaço-tempo. Ao mesmo tempo, parece estar punindo a humanidade por ter se aventurado em um campo onde jamais deveria ter pisado. E isso é visto no restante do poema de William Blake, sua obra está repleta de agouros de punição divina e do possível arrebatamento dos dias finais. Tudo, de alguma maneira, faz sentido com o último trailer, em que vemos Heartman ser arrastado para longe de um grupo de humanos que seguem em direção a um misterioso horizonte branco.

[miptheme_quote author=”” style=”text-center”]Um tordo rubro engaiolado Deixa o céu inteiro irado… Um cão com dono e esfaimado Prediz a ruína do estado… Ao grito da lebre caçada Da mente uma fibra é arrancada. Ferida na asa a cotovia, Um querubim, seu canto silencia…Se gera discórdia o judiado cordeiro, Perdoa a faca do açougueiro…[/miptheme_quote]

Augúrios da inocência trás o tema da injustiça através da violência contra as formas de vida mais inocentes que conhecemos, crianças e animais, algo que pode ser visto fortemente no primeiro trailer do jogo. Mas a mais inocente das criações que sofrem diante das mãos humanas é a terra, nosso lar e abrigo que aceitou a evolução de nossa espécie em seu solo. Além dos animais mortos na praia, temos esse “óleo”, que constantemente surge, alterando o espaço e o tempo.

Óleo muitas vezes é referido como “sangue da terra” e a mesma está sangrando, em nome da ganância e avareza humana. E talvez a aparição de Cliff seja a maneira direta da terra parar suas feridas de se propagarem, pois, se prestarmos atenção, toda a vida encontrada nesta terra possui “cordões umbilicais”, algo que está sempre coberto de sangue. Entretanto, aqui o sangue é escuro, mostrando a marca dos violentos crimes da humanidade contra a terra e seu inocente e frágil ecossistema.

Enquanto destruímos nosso futuro e lar, toda a vida que ali está parece estar coberta neste sangue negro e, quando Sam toca o recém nascido ao seu lado, o mesmo desaparece e mancha suas mãos de sangue. Talvez seja por isso que os B.T.s, as criaturas da sombra, se assemelham a deuses lovecraftianos. Talvez neste universo sejamos, como em tantos outros que absorvemos através de filmes, livros e jogos, deuses espectadores, nos alimentando da vida dos peões em jogo.

Imagem do artigo de Death Stranding

Seria este o arrebatamento?

No pedestal estas palavras estavam

Death Stranding será um jogo totalmente filosófico e com grande ênfase em mensagens pessoais, sociais e mundiais. Ao criar está “corda”, Hideo Kojima pretende criar uma consciência coletiva entre os jogadores, mostrando o que a ganância deste mundo os custou, enquanto os jogadores acabam encalhando neste outro universo, em um vazamento continuo do sangue da terra, do espaço e do tempo. Com seus intricados quebra-cabeças, o diretor mais uma vez atraiu os olhos e atenções do mundo, capturando jogadores casuais e hardcores, e não há como fugir desta “corda”.

Em 1977, a sonda espacial Voyager 1 deixou a órbita terrestre, carregando informações sobre o planeta Terra, sobre a cultura humana, nossa música, nosso conhecimento e costumes. Nosso primeiro passo para o reconhecimento como Homo Ludens, para vidas interestelares. Porém, Death Stranding prevê um futuro horripilante para a raça humana, um futuro em que a humanidade está na beira da extinção, caso não haja a evolução, o próximo passo.

Sem Bob, sem grandes países, sem colônias intergaláticas do império humano, apenas uma pequena bola de “sujeira” pairando invisivelmente no Braço de Órion, não conhecemos nada além de nós mesmos e nossa ganância. Nós o Homo Sapiens, Apex predador dos predadores, rei dos reis. Contemplai minhas obras, ó poderosos, e desesperai-vos! Nada há de restar junto à decadência de tais ruínas colossais, ilimitadas e nuas enquanto as areias solitárias e inacabáveis estendem-se por toda a terra.

O jogo já  começou e todos estão jogando, desde o inicio da explosão dos cosmos, a fusão da matéria e colapso das grandes estrelas, todos estamos aqui, todos teremos a chance de evoluir para os Homo Ludens, em batalha contra os Homo Demens. Hideo Kojima está dando aos jogadores a oportunidade de participar de um passo de evolução cultural e praticamente global ao utilizar o termo Homo Ludens de maneira tão aberta, enquanto nos dá oportunidade de repensar os atos da humanidade em relação às vidas inocentes ceifadas em nome do avanço.