Skip to main content

Por conta de uma certa ansiedade, nunca fui muito de limpar o famoso backlog, ou seja, certos games longos acabam juntando mais poeira do que outros mais concisos e curtos. No entanto, esta quarentena me fez repensar um pouco esta relação e nisso retornei a Assassin’s Creed Odyssey, o qual havia deixado de lado após cerca de trinta horas de jogatina na época de seu lançamento. Me perguntei, então, o porquê de ter feito isso, e nisso acabei dando início a uma semana frenética revisitando (quase) todos os títulos principais da franquia – ou seja, Rogue, Liberation e a trilogia Chronicles ficaram de fora. 

Por coincidência, alguns dias depois de afundar mais umas 40 horas em Odyssey e parte dos DLCs, o anúncio oficial de Assassin’s Creed Valhalla veio, o que tornou até propício transformar todo o tempo passado com os títulos em alguma forma de artigo, principalmente esse período dedicado ao último game da franquia. Apenas em meu tempo com Odyssey, fui capaz de finalmente entender o porquê de tê-lo largado, reavivar minha paixão pela série e ainda desenvolver uma nova ótica acerca de Origins, título anterior que subestimei em seu lançamento e atualmente ando revisitando.

Diga não ao grind

Imagem do jogo Assassin's Creed Valhalla

Espero que aquela montanha não seja Level 50.

Controvérsias à parte, esteve claro na minha observação de quase uma dezena de títulos que a Ubisoft era (e continua sendo) capaz de aprender bastante rápido com seus erros e experimentos fracassados, apesar da contínua insistência em números de level, excessos de ícones de objetivos e microtransações – mais sobre isso abaixo. Nisso, tendo em vista o passado distante e recente da franquia, expresso aqui alguns dos desejos que tenho com Valhalla, título novamente dirigido por Ashraf Ismail dois anos após seu ótimo Origins e quase uma década após o brilhante Black Flag.

Primeiramente, vamos abordar os dois títulos mais recentes, talvez os mais polêmicos aos olhos dos fãs da franquia desde Assassin’s Creed 3. O motivo principal desta polêmica, vendo pelas inúmeras avaliações negativas de fãs em sites agregadores como o Metacritic e até mesmo o IMDB, se encontra na implementação mais profunda do level gating, ou seja, trancando missões e até partes do mapa por trás de níveis numerados que os jogadores devem atingir se quiserem jogá-los. Odyssey, principalmente, é um caso radical desta técnica comum a RPGs. 

Imagem do jogo Assassin's Creed Odyssey

“This is Sparta!” fica velho depois da centésima vez.

Enquanto em Origins havia um conteúdo mais curado e espaços menores entre as missões principais, que concluí em cerca de 35 horas, em Odyssey vemos esta abordagem entrando no caminho da narrativa, um dos pilares da franquia. Após atingir a metade do game, caso tenha jogado mais missões de campanha do que side quests, surge uma longa barriga entre as fases do conteúdo principal que força o jogador a subir quase dez níveis, apenas realizando o grind em atividades secundárias por um período equivalente a 10 ou mais horas de jogo (e cerca de 7 com aquele XP Booster safado). Levei 51 horas para fechar a campanha de Odyssey, mas por conta das questões acima, sinto que 30 horas objetivas valeriam muito mais a pena.

Não só aquela barriga tornava certos elementos da trama incoerentes (afinal, isso acontece em um trecho que revela uma informação urgente aos protagonistas), como também acaba por jogar luz na inconsistência entre as inúmeras missões espalhadas pelo mapa, algumas bastante espirituosas e outras apenas consistindo de fetch quests com roupagens minimamente distintas. Felizmente, Ismail já informou a alguns veículos que Assassin’s Creed Valhalla terá muito menos grind que seu antecessor, focando mais em habilidade e gears (e sem levels!), permitindo que o público “jogue como desejar” e sem chegar a encarar a loja de microtransações com seus boosters na impaciência. 

Parkour!

Imagem do jogo Assassin's Creed Unity

Unity tinha seus problemas, mas seu parkour era promissor.

Algo que é especialmente triste, no entanto, é observar que Odyssey também representou um distanciamento (definitivo?) da franquia de suas raízes no gênero plataforma, trocando o parkour metódico dos primeiros jogos por algo quase que completamente automatizado, inclusive permitindo que o jogador pule de penhascos e sofra nenhum dano na queda, o que remove a graça de escalar cuidadosamente as torres e viewpoints que eram basicamente puzzles nos anteriores. Até Origins tirava pedaços da vida do jogador por navegar o mapa sem cuidado…

Neste campo, Ismail tem duas opções: retrabalhar a topografia do mundo para incluir uma nova forma de platforming, ou resgatar a direção que o infame Unity buscava em sua atualização do parkour e exploração da trilogia Ezio. Dado que Valhalla se dividirá entre o território nórdico e regiões da Inglaterra, incluindo cidades como Londres, talvez o título consiga até mesmo encontrar um equilíbrio acertado entre o passado e o presente da franquia. E se é alguma forma de sinal, a popularidade do reboot de God of War, com seus mapas intricados, pode ser um incentivo a mais para que Ismail renove estes aspectos.

Imagem do jogo Assassin's Creed Odyssey

As batalhas navais de Odyssey pareciam mais épicas na divulgação.

Outro elemento que pode ser ainda mais reavivado é o combate naval, o que seria conveniente já que Ismail é quem popularizou as seções em alto mar em Assassin’s Creed. Não me entendam mal, é muito divertido navegar nas águas de Odyssey, mas faltaram alguns aspectos que tornaram as poucas seções em alto mar de Origins um tanto superiores: desafio e imersão visual. O combate naval, apesar de mais presente, não era um foco em Odyssey, sendo pouco implementado nas missões de campanha, e a repetição visual dos encontros no mundo acaba por tornar as coisas meio mecânicas quando deviam ser empolgantes.

A guerra nas águas obviamente estará presente em Valhalla, e agora é a oportunidade perfeita de trazer de volta o espetáculo visto nas seções navais de III e Black Flag, além de pegar um pouco daquela dinâmica mais ágil e desafiadora dos combates em alto mar vistos no último ato de Origins. Os grandes barcos viking são conhecidos pelo casco enrigecido e extremamente ornamentado, o que seria uma maneira de justificar mudanças na maneira com que conduzimos os navios e introduções de novas armas e formas de abordagem das embarcações inimigas. 

Um bom roteiro vale muito…

Imagem do jogo Assassin's Creed Odyssey: Legacy of the First Blade

Legacy of the First Blade fortaleceu o desenvolvimento de seus personagens.

Por fim, encerrando o paralelo com os jogos mais recentes, fico curioso para ver se os diálogos opcionais de Odyssey terão alguma forma de evolução em Valhalla, já que pessoalmente vejo essa decisão como algo que dilui um tanto a personalidade dos protagonistas no contexto da história principal (nos DLCs, isso foi melhor resolvido, com uma camada pessoal mais forte para Alexios e Kassandra). Enquanto todos conhecemos o mesmo Bayek, resoluto, bondoso e testemunhamos sua relação agridoce com a esposa (e assassina) Aya, em Odyssey muito ficou reservado a side-quests não especificadas no mapa e escolhas individuais dos jogadores. 

Há inúmeros vídeos no Youtube que ponderam o sucesso de Odyssey diante de Witcher 3, o santo graal do quest design em RPGs ocidentais, e embora a comparação seja injusta, fica uma crítica pertinente para a Ubisoft. A quantidade de conteúdo deve ser sustentada pela qualidade, e para que as mecânicas de RPG acrescentem ao jogo, um roteiro sólido é essencial. O mesmo vale para os mapas, cuja extensão depende de locações caprichadas, distintas e NPCs igualmente interessantes que os ocupem. Imagino que, com esta pausa recente da Ubi após o fracasso de sua fórmula tradicional em Ghost Recon Breakpoint, o horizonte seja mais positivo.

Imagem do jogo Assassin's Creed II

Saudades das bugigangas de Leonardo Da Vinci.

Agora, vamos falar do bom e velho Assassin’s Creed. O que hoje é pouco mais que um nome, já foi antes uma franquia visionária, arriscada, que fugia do óbvio em seus anos dourados. Desde o segundo título, era uma franquia consolidada em seu extremo dinamismo, seja pela variedade dos mapas e locais, as idas e vindas entre passado (simulação) e presente (realidade), ou pela presença de setpieces inusitadas (muitas delas focadas nas invenções do nosso querido Leonardo Da Vinci). Mais do que isso, no entanto, havia a noção muito forte do embate entre o Credo e a Ordem.

Na atualização da identidade da franquia, Valhalla até que tem bastante sorte de chegar depois de Origins e Odyssey, já que ambos oferecem ideias individuais excelentes. Pode-se pegar, por exemplo, a fidelidade do desfecho de Origins, que amarrava extremamente bem o surgimento do Credo e como este influenciou diversas células rebeldes ao redor do mundo, e somá-la à releitura que Odyssey fazia dos mitos gregos no contexto dos Antigos e a tecnologia misteriosa que deixaram  para trás, propondo um questionamento interessante: o quanto a humanidade é capaz de processar algo novo?

… E o amor dos fãs também

Imagem do jogo Assassin's Creed Brotherhood

Brotherhood apresentou seções mais fortes no presente.

Como sempre, a forma que tudo isso será introduzido em Valhalla me foge completamente, já que a franquia ao menos mantém a tradição de causar aquele famigerado WTF com seus desfechos. Sabe-se que Layla Hassan continuará no posto de protagonista no presente, e caso suas seções sejam melhor aproveitadas, poderemos ter um novo ápice desde Brotherhood, que colocou Desmond Miles e sua trupe para explorar a vila de Monterrigioni à vontade, introduzindo uma camada adicional de diversão e intriga. Dedos cruzados para que isso ocorra de alguma forma. 

Se este artigo passou a impressão que desgosto de Assassin’s Creed Odyssey, já esclareço: como jogo e pacote, há muito o que se elogiar, e fico realmente feliz de vê-lo trazer um novo público à franquia em um tempo crítico para seu renascimento. Nestas discussões qualitativas, geralmente se esquece do quanto Assassin’s Creed é uma franquia forte, que se manteve relevante ao longo de mais de uma década de novas tendências. Mais impressionante ainda é constatar que tudo começou como um título discreto, quase que de nicho, mas que com a visão única de Patrice Désilets foi um dos pontapés mais eficazes para o início de uma grande franquia desde… hm… Star Wars?!

Imagem do jogo Assassin's Creed

Tudo começou com um cara silencioso chamado Altaïr.

E dentro da longa história de Assassin’s Creed, é fácil se esquecer de como AC, ACII, ACIII, Black Flag e Origins são todos grandes divisores de águas que surgiram em um espaço de apenas dez anos, com suas imperfeições e controvérsias mas todos queridos por alguém na enorme base de fãs conquistada por Altaïr, Ezio, Edward, Bayek e sua irmandade secular. Que Odin esteja com o talentoso Ashraf Ismail e sua “equipe multicultural de diferentes crenças e religiões”. Tenho meus problemas com cada game da franquia, mas enquanto ela existir, não me cansarei de ver esses letreiros diante de mim toda vez que iniciar um de seus títulos.