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O ano era 1998. O que uma adolescente de 13 anos fazia nessa época? Eu, no auge de tantas mudanças dessa faixa etária, tinha poucas preocupações na vida, que giravam em torno de ler todos os livros que me interessavam (e não eram poucos), jogar todos os jogos que meu irmão alugava (mesmo com a pirataria já dando o ar da graça, ainda alugávamos muitos games) e tirar boas notas na escola.

O ritmo das mudanças era diferente. O único jeito de saber das novidades do mundo dos games era esperando o lançamento da próxima Super Game Power ou Ação Games – o que nem sempre era novidade, pois os lançamentos mundiais, que são comuns hoje em dia, não eram uma realidade devido aos desafios de logística.

Ainda assim, ainda conseguíamos estar por dentro do que acontecia na indústria e a promessa de um console com inacreditáveis 128 bits já povoava o imaginário de quem curtia videogames. Sim, o mundo dos games passou por um grande período de disputa de bits, algo que eu sequer fazia ideia do que significava, mas só de ser maior que os 64 bits da geração anterior já era o suficiente para querer um!

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Porém, é preciso admitir que meu interesse não era só nos ditos 128 bits. Cresci com os consoles da Sega, tive todos, desde Master System até o Sega Saturn. Para mim, seria impossível não ter um console da Sega. O “fanboysismo” batia forte, daqueles que a gente discutia com os amigos sobre qual console era mais potente, quais jogos eram melhores, de torcer pela empresa mesmo sabendo que muitas vezes os caminhos que ela escolhia tomar eram equivocados.

Pois é, ser fanboy no mundo dos games é algo bem antigo e não vamos florear uma época com a narrativa de que isso não exista, porque de fato existia e ainda era fomentado pelas próprias empresas! O marketing da Sega sempre foi muito pesado quanto à concorrência, o que acabava pegando as crianças e adolescentes em cheio por defender seus gostos e preferências.

Nessa época eu já era uma ilha no meio do oceano. Dentre todos os amigos que tive, somente eu tinha crescido com os consoles da Sega e os defendia com afinco; quase todos os outros estavam imersos na Nintendo, então saber de um novo lançamento da Sega me causava êxtase!

Todas as informações que chegavam pelas revistas desde o lançamento no Japão, em novembro de 1998, eram de embasbacar. Um sistema potente, com uma biblioteca incrível logo no lançamento e as vendas em crescimento exponencial. Um console que todo mundo precisava ter!

Ele chegou nas prateleiras do Brasil somente em 20 de setembro de 1999 e só fui ter o meu nos anos 2000, quando estava para fazer meus 15 anos. O melhor presente de debutante foi poder jogar um Dreamcast! Meu irmão comprou assim que pôde e frequentava a casa dele com frequência para experimentar o gostinho daquela lindeza!

Pela primeira vez tínhamos um console branco, o que causou muita estranheza no começo – afinal, todo console da Sega até ali era preto. Isso parece um detalhe bobo, mas mostra o quanto a linha de produção de uma determinada marca pode moldar muitas das nossas preferências. Até hoje eu prefiro os consoles pretos (menos aquela desgraça de preto piano, porque aquilo não é do bem, só causa estresse a cada arranhão!).

O primeiro jogo, claro, tinha que ser Sonic! Sonic Adventure me causou muita desconfiança e ansiedade porque era o primeiro Sonic de fato em 3D. Na época eu já não via com bons olhos o Sonic 3D Blast, que não era tridimensional, mas já havia me deixado incomodada com a ideia da existência de um Sonic em três dimensões.

Que jogo maravilhoso! As lembranças que carrego é a de um jogo límpido, muito bem polido e mais rápido do que nunca, sendo até difícil de acompanhar.

Sonic Adventure renovou a franquia

Também me lembro com clareza dos minigames que o game proporcionava na VMU (Visual Memory Unit), o memory card do Dreamcast que também contava com outras funções. Era possível transferir informações do jogo para a VMU não só para guardar o save, mas também para jogar independente do console (a peça era encaixada diretamente no controle e funcionava fora dele também). Durante as jogatinas de Sonic Adventure era possível coletar ovos de Chaos (eles eram muito lindinhos!), transferir os ovos para a VMU e chocá-los nesse novo ambiente, depois devolvendo já melhorados para o seu jogo no console (durma com essa, Pokémon Go!).

Outros periféricos no mínimo excêntricos acompanharam o console e proporcionaram os jogos que podem ser considerados alguns dos mais extravagantes do mundo dos games. Infelizmente (ou felizmente) não tive nenhum desses acessórios, porém acompanhei o lançamento de muitos deles e o que mais me intrigava na época era o Fishing Rod, a bendita vara de pescar usada naqueles jogos bizarros de simulador de pesca.

Essa é a vara de pescar do Dreamcast.

O console tinha teclado e mouse, possibilidade de conexão com o monitor do PC e também os famosos tapetes para jogos de dança, que foram uma febre por determinado período. Depois do encantamento com Sonic Adventure, veio o primeiro grande desafio para os Seguistas (eu sendo o parâmetro, nesse caso): jogar utilizando gatilhos. Os consoles da Sega já tinham consolidado o controle com três e seis botões, o que estava de bom tamanho para mim em todo tipo de jogo que jogava até então. A entrada dos gatilhos foi uma baita mudança e tive que passar por um período de aprendizagem que até hoje, ao meu ver, não se estabeleceu muito bem.

Comecei a testar minhas habilidades com gatilhos jogando o gênero que ainda considero mais difícil: FPS. Sempre fui e ainda sou uma negação nesses jogos e me lembro da grande explosão de títulos de tiro em primeira pessoa, a maioria com o significativo diferencial de poder jogar online!

Imagina como era a internet naquela época e os valores cobrados pelo serviço. O problema era resolvido de forma muito simples: esperar até meia-noite para a tarifa ser menor, conectar o cabo do telefone ao console e aí sim jogar na rede! Eram madrugadas a fio jogando Quake III e Unreal Tournament. Mesmo com muitas dificuldades em lidar com os gatilhos, adorava o modo Capture the Flag do Unreal. Que saudade!

Superado o “trauma” dos gatilhos nos consoles, passei a explorar novos jogos e foi aí que descobri Shenmue. Lembro-me como se fosse hoje das impressões que tive quando vi o jogo rodando pela primeira vez. Pensei “Não tem mais para onde as empresas irem em termos de desenvolvimento de jogos, chegamos no ápice da beleza gráfica e da imersão!”.

Claro que estava enganada, mas para quem viu Shenmue no lançamento, era impossível não se deslumbrar com o que tínhamos diante de nós: um mundo grande, todo povoado por diversos eventos e cheio de interações reais com o cenário, com história envolvente e a introdução de mecânicas até então pouco exploradas, como QTE (Quick Time Events) – que na época fazia toda a diferença no jogo e seu desenvolvimento, ainda mais porque ele não se resume a QTEs, mas tem uma série de mecânicas envolvidas que cativam muitos jogadores dos mais diversos gostos.

Foi muito bom viver na época de um lançamento tão incrível e poder lembrar dos seus impactos não só nos jogos subsequentes, mas em mim mesma! As histórias passaram a ser cada vez mais tocantes e emocionantes.

Não foram poucos os títulos que fizeram a alegria dos jogadores de Dreamcast, ainda mais porque a chegada da pirataria no console não demorou muito, fator que com certeza colaborou bastante com as vendas, mas ainda assim demandava muito trabalho devido à mídia específica do console. Ainda tenho muitos jogos piratas desse período, acompanhados do CD de boot, necessário para que o jogo rodasse bem.

Entre jogos originais e piratas pude experimentar Fighting Vipers 2, Marvel vs. Capcom, Resident Evil 2, Code Veronica e 3, Half-Life, Soul Reaver (se tem algo que não curto é remake/remaster, mas esse aqui merecia demais!), Shadow Man, Sonic Adventure 2, Alone in the Dark, Prince of Persia, Crazy Taxi, Blue Stinger, Dino Crisis, Sega Rally e até Tony Hawk´s Pro Skater. Era um título melhor que o outro!

Foi um casamento feliz e perfeito até que, depois de poucos meses, meu irmão me conta a bombástica notícia: a Sega estava quase abrindo concordata, não fabricaria mais consoles, descontinuaria o Dreamcast e, se tudo desse certo, ainda continuaria produzindo softwares (as notícias chegaram dessa forma para nós). Já estava com quase 17 anos e a empresa que vi crescer e acompanhei cada lançamento estava prestes a descontinuar o que era, para mim, o melhor console que existia. É claro que me senti muito triste com a notícia. Torci para que conseguissem ao menos lançar mais jogos, mesmo que para a concorrência, mas ainda sonhava com uma volta triunfal da empresa às vendas de consoles (toda viúva da Sega sonha com isso até hoje).

O fim não foi como esperava, mas poder viver na época em que todos esses lançamentos aconteceram e acompanhar cada um deles foi muito importante e marcante para mim. Com certeza o Dreamcast era incrível! Se estava à frente do seu tempo ou não é uma pauta que gera muitos debates, mas acredito mesmo que ele era muito especial e foi significativo na produção de consoles dali em diante. Só de considerar que foi no Dreamcast que existiu a primeira rede mundial para jogatinas online (SegaNet), podemos medir a importância que o console teve na indústria.

Com certeza a Sega ensinou para suas rivais e parceiras (especialmente a Microsoft) um jeito único de fazer consoles de qualidade, com jogos incríveis e diversão garantida. Comemorar os 20 anos de lançamento do Dreamcast é celebrar um pedacinho da história da minha vida e de como a Sega me proporcionou tantas histórias incríveis e marcantes. Sou muito grata por tudo que pude viver nessa época.

Para mim é um sonho bem distante, mas que venha um Dreamcast mini para fazer a alegria de quem não pôde jogá-lo antes e perpetuar o legado que a Sega deixou para todos nós.