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Em uma tarde chuvosa de quarta-feira, em dezembro de 2002, me lembro de ir até a loja de jogos da cidade. Após cumprimentar o dono e amigos de lá, fiquei passando os olhos pelos títulos: Secret of Mana, Evil Zone, Final Fantasy IX, entre outros. Mas foi naquela capa branca com letras vermelhas em uma fonte chapada, onde se lia claramente “Metal Gear Solid”, que descobri o jogo que marcou minha infância, tanto para melhor quanto para pior – afinal, eu não entendia nada daquilo aos oito anos de idade, mas suas mecânicas e arte me cativaram.

Hideo Kojima se tornou alvo de muita polêmica devido aos diversos acontecimentos relacionados à sua antiga empregadora, a Konami, quanto aos diversos casos relacionados a abuso de pessoal, jogos apressados e rompimentos pela mesma. Como sempre, todos esses acontecimentos sempre foram acompanhados de mensagens ocultas em suas obras, nos dando pistas do que o futuro aguardava em relação à Hideo e sua carreira. Metal Gear Solid V, P.T. e até mesmo Death Stranding estão repletos de mensagens subliminares.

Com o recente ressurgimento de P.T., através de um remake feito na Unreal Ungine por Radius Gordello, essa é a hora perfeita para falar sobre os mistérios e enigmas que acompanharam essa época tão conturbada da história dos games.

Para ver o mundo em um grão de areia

Hoje em dia é difícil não conhecer Hideo Kojima, a mente por trás de Metal Gear. Mas este artigo não é sobre os problemas com a Konami ou sobre o “flop” de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, e sim sobre as maquinações por trás do responsável por P.T. e sobre os easter eggs do mesmo. Por incrível que pareça, aquela pequena demo de 14 passos era muito mais do que esperávamos, contendo mensagens sobre MGS V, a relação de Kojima com a Konami e sobre a vinda de Death Stranding. Para entendermos isso, precisamos analisar um pouco da história por trás.

Hideo Kojima entrou na Konami em 1986. Seu primeiro jogo se chamaria Lost World, mas o projeto nunca veio à tona. No ano seguinte, em 1987, estaria lançando o primeiro título da série Metal Gear para o MSX2, o que revolucionou a indústria de games sendo o primeiro jogo de ação furtiva (stealth). Hideo começou a trabalhar na sequência da aventura, Metal Gear 2: Solid Snake, que foi responsável por moldar o que viria a ser a série Solid, através de cutscenes e uma forte retratação dos efeitos da guerra. Além disso, Kojima também é a mente responsável por grandes clássicos como Zone of the Enders, Snatcher e seu sucessor espiritual Policenauts.

Não dependemos mais da evolução natural de nossos corpos.

A semelhança entre todos esses títulos é a forte inspiração no mundo cinematográfico, jogos que trazem a sensação de acompanhar um filme, seja ele de espionagem, sci-fi ou uma trama policial futurista ao melhor estilo Blade Runner – Kojima ama o cinema e transformou isso em uma base para suas narrativas. Tudo foi acontecendo tranquilamente até o lançamento de Metal Gear Solid 4: Guns of Patriots. Foi nessa época que Kojima começou a preparar os fãs para o que estava por vir.

Hideo já havia expressado que estava determinado a aposentar a série MGS, não porque não gostava mais da mesma e sim porque sabia que tudo algum dia tem que chegar a um fim. Com isso, nasceu uma desavença com o estúdio da Konami, que não queria aposentar a franquia. Na época, a história de Solid Snake já havia chegado a uma conclusão, mas ainda haviam pontas soltas em outros assuntos, como no que diz respeito ao Snake original, Big Boss – muitos queriam saber o que ocorre após os eventos de Peace Walker e como isso se liga aos jogos originais.

Quais segredos você guarda, Lisa?

Diferente de P.T., Metal Gear Solid: Ground Zeroes foi uma “demo” paga, mas recheada de dicas sobre os eventos que viriam a ocorrer. Após sua conclusão, os jogadores podem jogar a missão Déjà Vu, recheada de referências à Metal Gear Solid. Durante a missão podemos encontrar os oito títulos da franquia na qual Kojima esteve diretamente envolvido e, após encontrar e apagar todos utilizando uma lanterna especial, Kazuhira Miller o parabeniza dizendo que os nomes podem se apagar, mas as memórias não, prevendo o ocorrido com The Phantom Pain.

Após as mensagens escondidas em Ground Zeroes, P.T. e toda a comoção relacionada à The Phantom Pain, veio à tona a separação entre a Konami e Hideo. Em 16 de dezembro de 2015, Andrew House, na época presidente e CEO da Sony (e amigo de Kojima), anunciou a parceria entre ambos e que a nova Kojima Productions já estava produzindo um título exclusivo para o PlayStation 4.

Kojima literalmente usou a Arma dos Patriotas na Konami e sua diretoria. Played them like a Damm Fiddle!

Durante a sua entrevista no DICE Summit após deixar a Konami pra trás, onde dividiu o palco com o cineasta e amigo Guillermo Del Toro, Kojima anunciou estar montando uma nova equipe e estúdio. Muitos estavam ansiosos para saber se o projeto seria algo relacionado a terror, e ali tivemos uma resposta um tanto quanto inusitada. Aqui entra toda a maquinação de Kojima e seus colegas, tanto para ter uma ótima carta na manga quanto para poder sair das garras da Konami – um verdadeiro golpe de estado na produtora que acreditava estar puxando as cordas do show de marionetes.

Muitos estranharam a velocidade de transição entre empresas que Hideo Kojima demonstrou. Ele se separou da Konami no fim de outubro e em menos de dois meses a parceria com a Sony foi anunciada. Porém, a primeira pista concreta foi dada em 19 de janeiro do mesmo ano, em um tweet onde ele dizia ter acordado e não conseguia mais dormir. Na foto, podemos claramente ver a capa de celular da Kojima Productions já com o logo atual, ao lado de um sketchbook de Guillermo Del Toro.

Voltando ao DICE Summit, Kojima divulgou nas redes sociais fotos com Guillermo Del Toro e Norman Reedus (ator que protagonizaria Silent Hills), o que acendeu o hype da comunidade. Durante o evento, Guillermo, Kojima e Geoff Keighley (organizador do The Game Awards) evitaram ao máximo tocarem no assunto sobre algum projeto novo. Mas, após afirmar que em algum momento pretendia acompanhar Kojima em seus projetos, Del Toro deixou escapar uma pequena informação ao citar o nome do maior mangaká de terror no mercado mundial: Junji Ito.

Após dar uma pequena pesquisada, descobri que ele também é o diretor artístico de nada mais, nada menos que P.T. – o que pode indicar que Death Stranding estará sobre a mão de um dos maiores nomes do “terror em preto e branco” do mundo. Em 2012, Hideo já havia expressado interesse em rebootar a série Silent Hill e poder expressar essa cartada em forma de uma demo, apresentada para uma mesa de diretores que estavam pouco se importando com os fãs – os mesmos que desmantelaram todo o “Time Silent” original pelo fato de Silent Hills 4: The Room ter sido muito experimental – foi o golpe de misericórdia de Hideo.

Agora vamos partir para a dissecação da demo de Sillent Hills Playable Teaser.

Hora de abrir os cadeados dos segredos de P.T.

O único eu sou eu

Como já dito, Kojima tinha de provar que o reboot de Silent Hill seria um sucesso e por isso criou P.T., sendo a demo mais baixada na história do PlayStation 4 até hoje. Na época, ele ainda estava com as mãos ocupadas com MGS V, então resolveu seguir a mesma estratégia do anúncio de Phantom Pain, delegando o projeto para a Moby Dick Studios.

Como Ground Zeroes, P.T. começa a nos dar as primeiras pistas em seu estúdio: chamado de 7780s Studios, uma desenvolvedora totalmente desconhecida, com um nome peculiar e apenas P.T. em todo o seu portfólio. Disfarçando o projeto P.T. como uma missão easter egg de The Phantom Pain, as reais intenções dessa demo passou facilmente despercebidas pela mesa de diretores. Afinal de contas, o gameplay de P.T. não possui semelhanças com Silent Hill e a ressonância magnética na tela de pausa retratava o cérebro de Big Boss após os eventos de Ground Zeroes. A única relação direta à Silent Hills é o pequeno trailer mostrado após completar a demo.

A função de Moby Dick em P.T e Metal Gear Solid V, foi distrair a atenção e criar uma ligação entre os dois.

Os próprios desenvolvedores de P.T. tiveram de dançar conforme a música, assim como já havia acontecido em Metal Gear Solid 3: Snake Eater. Ao salvar o jogo, quando Naked Snake é preso e torturado por Volgin, Snake tem um pesadelo chamado de Guy Savage, um hack and slash que não possui ligação alguma com Metal Gear Solid.

Big Boss estar em um coma no início de The Phantom Pain foi a desculpa perfeita para P.T., um sonho de Big Boss durante o estado de coma. Também devemos lembrar que, na época, Kojima era vice-presidente da Konami e, utilizando sua influência e amizade com Andrew House, ele facilmente conseguiu colocar P.T. no catalogo da PSN.

Hideo Kojima apenas assistiu de camarote enquanto as marionetes dançavam.

Caso Kojima decidisse ficar na Konami, isso seria claramente visto de maneira negativa. Ele já estava com as malas na porta, assim como os abusos por parte da Konami com os empregados também estavam começando a vir à tona. Foi utilizado uma metáfora visual em P.T. onde o pai responsável pela morte da família seria a Konami; Lisa, o espirito da esposa que foi brutalmente assassinada, seriam os empregados; o feto prematuro é Metal Gear Solid V e o filho que nos guia através do rádio e telefone é o próprio Kojima.

Muitos podem virar os olhos e afirmar que tudo não passa de especulação da minha parte, mas vale lembrar que durante essa época Kojima era fortemente vigiado pela empresa. Estava trabalhando em um quarto totalmente isolado e, após o lançamento de Metal Gear Solid V, foi proibido pelos advogados da Konami de aceitar os prêmios que The Phantom Pain faturou durante o The Game Awards 2015, de Melhor Trilha Sonora e Melhor Jogo de Ação/Aventura.

O terror de Junji ito se funde perfeitamente à constante repetição de Hideo Kojima, como em Uzumaki.

A demo de P.T revela muito para o olho atento. A começar pelo trabalho de Junji Ito na direção artística: a forma como Lisa se manifesta e tudo ocorre é bem característico do mesmo, com cenas impactantes e rápidas. Como disse antes, o “pai” dessa família é a representação artística da Konami. Após ver que havia perdido sua posição, a mesma começou a evitar arriscar e se manteve em uma estagnação criativa.

Lisa, a esposa torturada e morta, representa a equipe de funcionários explorados pela empresa. Em busca de redenção e fuga, o projeto da mesma acaba “chegando” prematuramente, fazendo com que a Konami, em um ato de loucura, “mate” o time responsável. O feto representa The Phantom Pain e, ao olhar da empresa/pai, aquele seria seu trunfo e sua saída dessa estagnação. Ao ver que seu sonho jamais se realizaria, o mesmo acaba com Lisa, o feto e o filho mais velho.

Totalmente preparado para a batalha.

Agora, por que Hideo Kojima não se encaixa junto da equipe? Podemos ver que, de acordo com a transmissão de rádio no início da demo, o filho do casal se rebela e é morto pelo pai. Ele já sabia que colocar esse arriscado plano em andamento seria o mesmo que apontar uma arma para a própria cabeça. Porém, ele também sabia que no final seu plano iria ocorrer exatamente como esperava. Mesmo que acabasse por não deixar a Konami, ainda existiria a oportunidade de poder trabalhar no reboot de Silent Hill.

É claro que Hideo levou isso em consideração, tendo tempo para finalizar Metal Gear Solid V, deixar a Konami para trás como um mártir e ter o suporte da comunidade – tudo isso já com seu novo estúdio pronto para iniciar Death Stranding. Um longo plano que tomou forma durante anos e foi executado de maneira perfeita, e tudo isso pode ser notado na ultima frase de P.T. – na demo, ele mesmo nos diz pelo telefone que fomos escolhidos para esta revelação.

É fácil de relacionar as criaturas criadas para os mangás de Junji Ito com Lisa de P.T.

Resumindo, em P.T. Kojima fala de sua insatisfação com a repetição de títulos da Konami, sobre a maneira como a mesma tratava seus empregados e sobre como desejava ter parado a série Metal Gear Solid há tempos. Tudo se encaixa perfeitamente no trailer de Death Stranding: a música “I’ll Keep Coming”, da banda Low Roar, canta sobre os eventos de algo que está voltando, mas sem nunca ter nos deixado.

Ele havia aceitado que a série Metal Gear já estava começando a cansar os jogadores e que a repetição incansável do título roubaria toda a parte artística do mesmo. Hideo Kojima, além de produtor de games é um artista e, acima de tudo, é humano e sabia que estava na hora de acabar com tudo isso.

É cômico ver como todo esses eventos se desenvolveram como a vida de seu maior personagem, Big Boss. Ganhando espaço na empresa após ser visto como um ninguém, Kojima se tornou o segundo em comando da Konami e uma lenda entre gamers e produtores. E um peão para a empresa que o forçou a tomar um caminho diferente do que desejava. No final, teve de planejar como “desapareceria”, um verdadeiro FOXDIE em sua carreira na Konami. Agora nos resta esperar para ver o que Death Stranding irá nos apresentar.

[miptheme_quote author=”Big Boss” style=”text-center”]The world woul be better off without Snakes.[/miptheme_quote]