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Este é um artigo mais pessoal do que informativo. Dessa vez estou me dando a liberdade de falar mais com base na minha experiência como gamer do que como “profissional”. É fato que a trilha sonora que compõe um jogo é tão importante quanto qualquer outra característica do mesmo, seja gráficos, enredo, jogabilidade e todo o resto. Hoje em dia os desenvolvedores apostam alto na imersão, trazendo mundos gigantescos, enredos mirabolantes e todo um conjunto de coisas que nos fazem tirar o chapéu para seus jogos, mas cada vez mais venho sentindo falta de uma trilha sonora de peso, algo que realmente marque a sua vida e nunca mais saia da sua cabeça. Aquele tipo de música que sempre faz a gente procurar a trilha sonora do game e ouvir eventualmente. Não que esses jogos mais novos não tenham soundtracks de peso, longe disso, mas sempre que me bate aquela vontade de ouvir música de videogame há uma franquia em específico que nunca fica de fora da minha playlist.

A série Final Fantasy, que já completou 30 anos de existência e hoje possui incontáveis jogos para todas as plataformas imagináveis, é um exemplo de como a trilha sonora é algo importantíssimo em um jogo. Eu diria que no caso desse clássico da Square Enix, as músicas tem um peso igual ou até maior que todo o resto do conjunto, desde a história e o universo do game até os gráficos, que sempre foram de altíssima qualidade e tiveram muito destaque em sua época de lançamento. Não digo isso apenas por grande parte da trilha sonora da franquia ter sido composta pela lenda viva Nobuo Uematsu, na época em que o mesmo trabalhava para a Square Enix, mas sim pelo fato de cada faixa representar com perfeição toda a carga sentimental que os personagens estão transmitindo no momento em questão, fazendo com que nós, os jogadores, alcancemos um nível de entrosamento indescritível com cada personagem fictício ali e suas motivações individuais. Final Fantasy não é uma das maiores franquias de JRPG hoje apenas por ser um clássico, mas principalmente porque os produtores conseguem a façanha de fazer você se sentir parte da história.

Nobuo Uematsu, celebrando os 30 anos de Final Fantasy – The Distant Worlds Tour 2017 (Crédito: The Star, Singapure).

Vejamos como primeiro exemplo uma faixa do primeiro título da franquia. O primeiro Final Fantasy é um jogo amado pelos fãs da série mas muito desprezado por todo o resto por ser um jogo bem antigo, difícil e “feio” aos olhos da nova geração. Mas já com Nobuo a cargo da trilha sonora, apenas entenda como Final Fantasy sempre foi referência de imersão nos jogos. Logo no início, os quatro Guerreiros da Luz precisam ir até o Chaos Shrine enfrentar o grande vilão Garland, que sequestrou a princesa do reino de Cornelia. Nessa época os jogos eram escassos de informações e profundidade, então com o pouco que sabemos marchamos até o Chaos Shrine e nos deparamos com essa música que representa totalmente esse sentimento: uma composição mística, que deixa claro que o que nos aguarda é o desconhecido, o mistério. Não conhecemos o mapa do templo, podemos ser surpreendidos a qualquer momento por uma batalha aleatória (onde não sabemos quais monstros aparecerão) e não sabemos o que esperar do vilão que procuramos. Chaos Shrine de Final Fantasy não falha em passar com perfeição todo esse sentimento, e se você ainda tem dúvida, apenas veja um gameplay do trecho em questão no mudo para ver como a música faz toda a diferença. Se ainda não foi o bastante, escute essa versão da música feita para Dissidia Duodecim, e veja como conseguiram jogar toda a essência da música no lixo aplicando-a totalmente fora do contexto e com um ritmo desnecessariamente agitado.

É inevitável falar das músicas de Final Fantasy e não citar One Winged Angel, o tema do vilão Sephiroth de Final Fantasy VII que muitos consideram ser a obra-prima de Nobuo Uematsu. Reconheço a importância desse tema, afinal ele não é só espetacularmente composto instrumentalmente, mas também é cantado, descrevendo em latim tudo que torna Sephiroth um dos vilões mais marcantes da saga. Tocada na batalha final, One Winged Angel traz todo o ódio e imponência do vilão para o campo de batalha, e aquele arrepio e frio na barriga que você sente sempre que escuta isso é apenas mais uma prova de que o objetivo da música foi alcançado, você está temendo o todo poderoso Sephiroth. A música foi tão consagrada que deu as caras novamente no longa em CGI Final Fantasy VII: Advent Children (porém foram adicionados alguns riffs de guitarra) e também na saga Kingdom Hearts, nas batalhas secretas contra Sephiroth.

Ainda assim, na minha opinião, Nobuo se superou quando compôs Liberi Fatali, a música tema de Final Fantasy VIII, essa que considero a verdadeira obra-prima do compositor. Tocada na CG inicial do jogo, se é a sua primeira vez jogando FFVIII, é quase impossível não deixar a empolgação daquela música te levar, mesmo não conhecendo os personagens mostrados ali ou suas motivações. Ela não só é incrível na sua composição e no coral em latim, mas também na sincronia da cena onde os golpes das espadas de Squall e Seifer se encaixam perfeitamente com o ritmo da música. Liberi Fatali é um som de batalha, uma chamada para a guerra, e pra completar, uma música que combina totalmente com a trama e com os personagens, depois que os conhecemos melhor.

https://www.youtube.com/watch?v=Zfd9krEsr-k

No salto de geração a franquia tomou um ar totalmente mais melancólico, onde Final Fantasy X estreou isso com To Zanarkand, o tema do jogo que traz consigo toda a tristeza, sofrimento e falta de esperança que os personagens estão sentindo nesse determinado momento da história, mas também no enredo como um todo, pois é exatamente sobre tudo isso que gira a história de FFX. Esse momento também é a intro do jogo, onde conforme jogamos, vamos descobrindo o que levou todos a chegarem naquele estado da sarjeta. To Zanarkand consegue passar ao jogador perfeitamente toda essa coletânea de sentimentos negativos, e quando chegamos no ponto da campanha em que ocorre essa cena, a música passa a ter um efeito muito maior, pois o contexto por trás da música diz muito também. Não menos importante, para quem jogou, é quase certo que você ouvirá a voz de Tidus falando “Listen to my story” em um certo momento da música.

https://www.youtube.com/watch?v=h-0G_FI61a8

Infelizmente, esse foi o último Final Fantasy da saga principal em que Nobuo Uematsu trabalhou na trilha sonora. Ele chegou a participar da produção da trilha de Final Fantasy XI, o primeiro MMORPG da saga, mas após isso ele saiu da Square Enix para trabalhar em seu próprio estúdio musical. Ainda assim, vez ou outra ele torna a contribuir com a saga, como foi no caso do outro MMO da série, Final Fantasy XIV (porém agora ele trabalha apenas como freelance e não como funcionário da Square Enix).

Isso não tirou o brilho das músicas dos jogos recorrentes, onde em Final Fantasy XII, o meu preferido da franquia, fomos surpreendidos com músicas impecáveis que se encaixam perfeitamente em todo aspecto possível, seja no ambiente em questão, no momento da história ou simplesmente pelo simples encaixe do personagem com a melodia. A inspiração em Star Wars nesse título é inegável, não só nas músicas mas também em cada linha de roteiro do enredo e também dos personagens, vide a abertura do jogo, que tem muito da famosa franquia de George Lucas. A faixa que separei aqui foi a que me conquistou, uma música que me imergiu por completo no universo desse título. Dalmasca Estersand, tocada na região de mesmo nome, te coloca dentro daquele deserto, te passa toda a sensação de estar em uma aventura, ou em outras palavras, em uma missão impossível, pois controlamos um grupo de seis pessoas contra todo um império maligno. A música, agitada e empolgante, carrega consigo a imensidão daquele mundo, todos os lugares que ainda temos que explorar, criaturas diferentes a serem descobertas, e o quão vasto aquele jogo é. Sem sombra de dúvida, uma das minhas preferidas de toda a saga.

https://www.youtube.com/watch?v=RgvaZ1F7Ox8

Final Fantasy XIII pode não ter cativado todos os fãs da franquia, principalmente pelo seu sistema de combate quase automático e personagens com pouco carisma (os mesmos fatores que fizeram muitos entortarem o nariz pro XII também), mas sem sombra de dúvida não podemos botar defeito em sua trilha sonora. A música tema, chamada The Promise, carrega tantos sentimentos que é até difícil descrever aqui. Honrando seu nome, é realmente como se uma promessa fosse transcrita em uma melodia, você consegue sentir toda a esperança daqueles personagens envolvidos nessa promessa, toda a melancolia da espera por algo que eles nem sequer sabem se irá acontecer, de fato. The Promise é triste e ao mesmo tempo belíssima, fazendo o jogador sentir na pele toda a fé depositada em uma promessa de algo que não está ao nosso alcance.

https://www.youtube.com/watch?v=3H-RWW2ed3M

Poderíamos ficar o dia todo falando aqui de dezenas de músicas da franquia, mas creio que as citadas neste artigo são o suficiente para transmitir a ideia que queria passar. Final Fantasy é uma franquia completamente versátil, que já provou seu valor sempre se renovando com o passar dos anos e conseguindo manter sua fanbase quase intacta. Não importa a equipe de profissionais envolvida nos projetos, podemos ter certeza que sempre sairá algo de extrema qualidade, que pode pecar em alguns aspectos, mas nunca deixará a desejar por completo. Que as músicas de Final Fantasy passem a fazer parte de sua vida assim como fazem da minha.