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A guerra é uma temática frequente no mundo dos jogos, seja colocando o jogador diretamente dentro de um conflito ou utilizando a mesma como plano de fundo para uma história. Utilizando o primeiro caso, títulos que usam essa abordagem estão entre os mais conhecidos e renomados do mundo, contando com nomes como Counter Strike e Call of Duty entre os mais notórios. Contudo, jogos que se encaixam no último caso possuem, por vezes, conceitos totalmente diferentes do esperado, oferecendo experiências valiosas e lições de vida para quem está no controle.

Por mais que a ação nos conflitos esteja no lado dos soldados, toda guerra influencia e deixa marcas nos cidadãos comuns que, por conta de algum desentendimento político, têm as suas vidas transformadas profundamente. Seguindo essa premissa, alguns jogos tentam, por sua vez, retratar o lado mais desfavorecido quando alguns países resolvem recorrer ao poderio bélico: o lado dos civis.

A guerra da Bósnia por This War of Mine

A região dos Bálcãs sempre foi palco de conflitos entre os povos que a habitam. Após a morte do ditador iugoslavo Josep Tito, responsável por manter a ordem dentro do país governando o mesmo com mãos de ferro, a nação se viu em um período de instabilidade que culminou na independência dos diversos países contidos dentro da Iugoslávia, incluindo a Bósnia. Contudo, o processo de independência dessa nação foi marcado por divergências de interesse entre os diferentes grupos ali presentes, se transformando em um dos maiores conflitos armados do século XX.

Os habitantes de Sarajevo sofreram durante 1425 dias.

Se de um lado os habitantes muçulmanos queriam a independência, os sérvios que moravam na região queriam permanecer dentro da Iugoslávia. Depois de ataques por parte dos dois grupos e tentativas de resolução por vias diplomáticas, um grande cerco se estabeleceu na cidade de Sarajevo, capital da Bósnia, por parte do exército sérvio, durando aproximadamente 4 anos até que a situação fosse normalizada.

Tratando-se do maior cerco da história das guerras modernas, as vidas dos habitantes civis de Sarajevo foram mudadas completamente, tornando a sobrevivência um desafio diário e testando os limites da palavra resiliência. Em meio aos horrores da guerra, This War of Mine é um jogo que, mesmo não citando diretamente a guerra da Bósnia, é claramente inspirado por esse conflito que marcou a vida de milhões de inocentes.

Onde achar forças quando se está no meio do inferno?

A vida não é fácil na guerra e, apesar de soar contraditório, é pior ainda para quem não está diretamente envolvido no conflito. No meio do cerco e sem acesso aos itens básicos, os cidadãos devem arriscar suas vidas diariamente para conseguir juntar recursos e sobreviver até o final desse período. This War of Mine é extremamente cruel ao retratar essa condição, deixando claro que todo cuidado é pouco nessa guerra diária e paralela ao conflito principal.

Suprimentos escassos e um isolamento constante também possuem um peso enorme na saúde mental dos envolvidos. Manter o psicológico forte durante uma guerra é uma tarefa que, infelizmente, não é para todos, o que acarreta em mais vidas transformadas ou, no pior dos casos, terminadas devido à pressão constante. A guerra é um inferno e This War of Mine serve para lembrar que isso não se aplica somente aos envolvidos diretamente no campo de batalha.

O autoritarismo e a luta pela sobrevivência em Papers, Please

Nem sempre é necessário estar em guerra para sentir os efeitos colaterais de um conflito. Quando acordos são feitos e toda animosidade termina, as marcas ainda ficam presentes através de divisões invisíveis e medidas autoritárias. Contudo, quando o mundo inteiro está se transformando, uma pergunta é necessária: afinal de contas, é melhor proteger quem se ama ou lutar pelo que se julga certo? Ou será que as duas coisas estão interligadas?

Papers, Please coloca o jogador na figura de um inspetor de imigração em um país que saiu recentemente de um conflito com o seu vizinho. A realidade pós-guerra pode ser tão dura quanto a do conflito, já que as suas consequências sociais e econômicas aparecem e modificam brutalmente a vida das pessoas comuns. Nessa realidade, ter um emprego estável dentro do governo é uma benção, mas vem com decisões morais enormes.

Ser responsável por quem entra em um país é uma tarefa que impacta direta e indiretamente as vidas de várias pessoas.

Entre um país desolado pela guerra e a sua família, caberá ao jogador decidir se tomará parte do movimento empenhado em acabar com o governo atual ou focar no caminho mais seguro e ser leal aos seus líderes. As decisões são difíceis e você, na condição de inspetor de imigração, possui um enorme poder em suas mãos, algo que é cobiçado por todos os lados dessa trama.

A linha entre a estabilidade e o poder de transformar a vida de milhões de pessoas possui várias nuances divididas em 20 finais. Papers, Please mostra que nem tudo é preto no branco e que fazer o que se julga certo é muito difícil quando as pessoas que você ama dependem diretamente do seu emprego. Além disso, há uma questão bem importante em suas escolhas: se o governo for derrubado, quem garante que quem vai assumir o poder não será alguém pior?

Wasteland e a natureza do ser humano

Partindo pra um lado mais tradicional dos jogos, Wasteland parece não oferecer uma visão alternativa ao estilo padrão dos jogos. Contudo, para entender a natureza desse jogo, é necessário compreender toda a ambientação e todos os eventos que moldaram esse universo e os personagens contidos no mesmo.

Em um mundo desolado por bombas nucleares, cabe aos Rangers, um grupo de descendentes engenheiros militares, garantir a segurança dos sobreviventes dessa tragédia. Além de toda a história referente a esse grupo, diferentes organizações surgiram com o intuito de fortalecer seus membros e proteger seus interesses que, por muitas vezes, são conflitantes com os Rangers.

Pensando em um mundo que já foi destruído por causa da guerra, a lição que fica é que os seres humanos podem ir longe demais quando defendem seus ideais. Entretanto, grupos diferentes estão sempre dispostos a entrar em conflito pelo que acreditam, mostrando que toda a guerra que resultou em um bombardeio nuclear só serviu para intensificar tensões. Como já abordado brilhantemente na franquia Fallout, a guerra nunca muda, e nem mesmo a destruição parcial do mundo é capaz de modificar a natureza humana.

Mesmo com a destruição provocada pelas bombas nucleares, existem facções que utilizam da mesma tecnologia para espalhar o medo.

Apesar de ser o grupo protagonista e responsável pela paz, a fama dos Rangers na Wasteland não é das melhores devido a alguns episódios de abuso de autoridade, o que leva os civis a procurarem segurança em grupos alternativos e, muitas vezes, de caráter duvidoso. Tema recorrente em diversas mídias, o que fazer quando os que deveriam zelar pela ordem cometem excessos? (Quis custodiet ipsos custodes?). Os civis, sem condições de se defenderem por conta própria, são sempre o lado mais fraco desse conflito de interesses.

Representando jogos de gêneros distintos, todos os exemplos citados possuem uma semelhança: o ponto de vista civil em meio a um conflito em grande escala. Seja contando o que ocorre durante a guerra ou após seu termino, eles retratam como vidas inocentes são transformadas devido a condições que estão fora de seu controle. Bombas caem, tiros são disparados e vidas são ceifadas em busca de um ideal, mas não há vencedores quando todos são prejudicados em algum nível.