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Radiohead é uma das minhas bandas favoritas, basta me conhecer minimamente para deduzir isso. A verdade é que, seja na maneira de fazer música ou em seu marketing, a banda britânica sempre foi muito inovadora, característica que os torna tão aclamados no meio musical.

O ano de 2007 é um perfeito exemplo dessa característica de inovação, pois foi quando In Rainbows, o sétimo álbum do Radiohead, foi lançado. Mas, além da sonoridade e da misturas de gêneros contidas no disco, o que há de tão inovador aqui? Bom, a banda estava sem contrato de gravadora e, devido à iminência do lançamento do seu primeiro álbum após um hiato de 4 anos, os músicos decidiram disponibilizar o disco inteiro em seu site, permitindo ao ouvinte pagar o que quiser pelo material – mesmo que a quantia desejada seja nada.

Teria a banda ficado louca? Afinal de contas, disponibilizar um trabalho que levou meses parar ser desenvolvido gratuitamente parece loucura, certo? Enfim, coisa de doido ou não, o fato é que In Rainbows fez mais dinheiro antes de ter uma cópia em mídia física disponibilizada do que o álbum anterior da banda, o Hail to the Thief. Os relatos sobre esse experimento podem ser encontrados pela internet, portanto não entrarei em mais detalhes sobre essa ousada estratégia. Porém, gostaria de destacar a frase dita por Will Page, gerente do Radiohead e economista-chefe do Spotify.

Os álbuns e as músicas mais vendidas do mundo também são os mais pirateados, não importando a quantidade de táticas “anti-pirataria” empregadas pela indústria da música. Resumindo: o que é popular continuará sendo popular de qualquer modo.

Muitas coisas aconteceram de 2007 até 2020. Os serviços de streaming de música se tornaram mais populares, diminuindo a demanda por música pirateada. Mas será que esse exemplo poderia ser aplicado ao mundo dos jogos? E, mais além, será que há algo de errado em piratear qualquer tipo de conteúdo? Se a cópia deliberada de produtos protegidos pelas leis de propriedade intelectual for liberada, quem garantirá que os criadores sejam recompensados? Para alguns, o modelo atual que protege os criadores de conteúdo é satisfatório e correto. Contudo, esse é um tema mais complicado do que parece e que ainda é fruto de muitos debates sobre a ética envolvida nesses processos.

Um outro olhar sobre os direitos de propriedade

Ser contra qualquer tipo de propriedade intelectual pode ser uma opinião controversa atualmente, mas acredito que esse tipo de visão é completamente compreensível. Os libertários acreditam que, seguindo o princípio da escassez, os diretos de propriedade só podem existir sobre bens tangíveis. A propriedade existe por um motivo: evitar conflitos por bens escassos por parte de múltiplos agentes humanos. Obviamente que, para o seu funcionamento, as regras referentes a isso precisam ser claras, tornando esses direitos visíveis e não ambíguos.

Ideias, invenções e marcas não se encaixam nesse princípio, logo não são passíveis às regras de propriedade. Como se não bastasse as implicações quanto aos bens tangíveis, quando uma regra de direito autoral ou de patente é utilizada, o indivíduo portador desse direito possui o controle parcial sobre a propriedade privada de terceiros. Mas como isso é possível? Pense que um desenvolvedor X poderá impedir uma pessoa Y que deseja reproduzir o código do seu jogo, mesmo que seja com seu próprio computador, o seu próprio teclado e seus próprios recursos.

As mídias digitais estão substituindo cada vez mais as mídias físicas devido à redução nos custos operacionais.

As mídias digitais não entram no princípio da escassez, pois podem ser facilmente copiadas em um processo onde o portador original não perde as suas informações. Um jogo disponibilizado digitalmente pode ser baixado inúmeras vezes sem que o seu conteúdo original seja violado, mas uma cópia em mídia física do mesmo jogo seria escassa nesse ponto de vista, sendo considerada uma propriedade do comprador. Deve-se frisar que, seguindo nesse modelo, os contratos entre o autor e o comprador são válidos, então uma cláusula entre as duas partes estabelecendo que os compradores não podem copiar o conteúdo dessa mídia pode ser criada, mas ela não impede terceiros que não estão envolvidos nesse contrato de fazê-lo.

Nesse caso, argumentos utilitários, como falar que os criadores não receberiam incentivos financeiros suficientes, são totalmente descartáveis, mesmo que tal afirmação seja pertinente. Mas, desprezando o utilitarismo, será que não há algum método de se lucrar com uma ideia sem utilizar as leis de propriedade intelectual? Bem, existem maneiras de lidar com esse “problema”, dependendo da criatividade do autor para capitalizar com a sua obra.

Recompensando o trabalho sem a propriedade intelectual

Existem jeitos mais criativos de se olhar para esse problema sem apelar para a propriedade intelectual. Do mesmo jeito que a comodidade proporcionada pelo Spotify reduziu drasticamente a pirataria no meio musical, muitas pessoas preferirão comprar seus jogos em plataformas conhecidas, como o Steam e a Epic Store, por conta dos serviços proporcionados e pela sua segurança. Utilizando o ponto de vista libertário, seria totalmente válido uma plataforma colocar em sua cláusula medidas buscam prevenir que os seus usuários copiem os jogos – mesmo que eu não consiga pensar em alguma medida efetiva.

A livre competição entre empresas incentiva a criação de serviços cada vez melhores e mais acessíveis. O grande exemplo disso está nas plataformas de filmes e séries, onde as pessoas optam pela praticidade de assinar o seu serviço favorito ao invés de ter o trabalho de procurar por um conteúdo gratuito. A competição entre as empresas desse ramo, sendo a Netflix e a Amazon Prime as mais conhecidas, gera uma corrida pela satisfação dos seus clientes, onde a redução de preço e o aumento das funcionalidades se tornam práticas comuns.

Criador de Minecraft, Notch possui opiniões mais brandas em relação à pirataria.

Como citado no início dessa coluna, o caso do Radiohead pode ser considerado um sucesso tanto em termos econômicos quanto em marketing. Mesmo sem possuir um contrato para distribuir fisicamente o seu novo álbum, o disco arrecadou mais do que o anterior sem a obrigatoriedade de se pagar pelo conteúdo digital. Poderia a indústria dos jogos seguir esse exemplo? O pioneirismo dos músicos nesse caso foi admirável, mas é totalmente compreensível que os desenvolvedores tenham medo de utilizar uma estratégia tão arriscada.

Danger Gazers é um jogo que está disponível no Steam por R$20,69. Recentemente, o seu desenvolvedor disponibilizou um torrent contendo a versão completa do jogo totalmente gratuita. Shota Bobokhidze, o grande responsável por esse ato, garantiu que não há nenhuma pegadinha nesse ato, e que os interessados poderão jogar a versão completa sem pagar nada. O fato é que essa tática deu certo, e Danger Gazers teve um aumento de 400% em suas vendas no Steam. Como é possível notar nos reviews de sua página no Steam, o jogo conta com o apoio de jogadores que não se interessam pelo gênero. O sucesso foi tão grande que o seu desenvolvedor criou um patreon para que os usuários possam ajudar a empresa de uma forma mais direta.

Por fim, todo processo que disponibilize uma mídia de forma acessível inevitavelmente tornará a mesma mais popular. Para os libertários, bens intangíveis não deveriam ser considerados propriedades, já que não caem no princípio da escassez. Os questionamentos sobre como o criador de um jogo, livro ou qualquer tipo de ideia irá capitalizar com isso são válidos. Contudo, o grande problema para quem desenvolve algo não é alguém usar o seu trabalho de graça, mas sim buscar maneiras de se financiar através do projeto.