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No meu último texto, eu tinha falado que escreveria sobre a imprensa gamística. Bem, mudei de idéia. Agora meu objetivo é provar como o Sonic é um péssimo personagem. Já se ouvem ao fundo os gritos: Heresia! Blasfêmia! Queimem o infiel! Então terei que provar minha tese ponto por ponto.

Para começar, vamos fazer um exercício. Vamos pegar dois personagens “plataformeiros” clássicos para fazer um contraste com o mascote da Sega: o primeiro (e a escolha óbvia) é o seu “rival” Mario, e o segundo é o Blue Bomber em pessoa, Mega Man.

Estão me seguindo? OK. Então agora resumam esses personagens em uma palavra. Em outras palavras: peguem esses três personagens, façam um pouco de ginástica mental e tentem defini-los usando apenas um substantivo, uma ação.

Pronto? Muito bem, eu aposto um Chicabom que as definições que vocês construíram em suas mentes são parecidas com estas:

Mario: salto, pulo
Mega Man: tiro, disparo
Sonic: corrida, velocidade

Agora que temos os personagens reduzidos à sua expressão mais básica, vamos ver como eles encaixam em seus jogos.

O Mario é um personagem que salta. Com saltos precisos, ele pode fazer praticamente tudo em seus jogos: matar inimigos, ultrapassar obstáculos, quebrar paredes. Sim, ele tem power-ups, e existem jogos do Mario onde só pular não basta (os 3D, Super Mario 2), mas o Mario “icônico”, desde Donkey Kong, é o bigodudo que pula.

O Mega Man é um personagem que atira. Seus obstáculos são seus inimigos, e ele usa sua(s) arma(s) para eliminá-los. Sim, ele precisa pular. Mas vamos ser francos, o pulo é uma condição sine qua non dos jogos de plataformas. Sem contar que muitas vezes o pulo é apenas uma ação para posicionar o disparo. Mega Man pula sim, mas antes de tudo atira.

O Sonic é um personagem que corre. Sua velocidade permite que ele faça loopings insanos, ganhe impulso em rampas que o lançam aos céus, seja apenas um borrão aos olhos de seus inimigos… Até passar a Green Hill Zone.

Todas as vezes em que alguém mostra a velocidade, a rapidez do porco-espinho, mostram os loopings e rampas da Green Hill Zone, a primeira fase de Sonic 1. E isso não é gratuito, porque (e essa é uma regra que os bons designers de jogos sempre têm em mente) a primeira impressão é a que fica. Você precisa ganhar o jogador nos primeiros cinco minutos. E os primeiros cinco minutos de Sonic 1 foram tão fantásticos que ganharam milhões de jogadores para sempre.

(E não é por outro motivo que todo mundo fala que “Sonic Adventure 1 seria legal se só tivesse o Sonic”, porque todo mundo se lembra da parte da baleia logo no começo, um visual impactante – e sobre o qual o jogador não tem o menor controle, mas isso é outra história…)

E esses cinco minutos foram tão fantásticos que fez todo mundo deixar de perceber que, nas fases seguintes, o Sonic precisava parar. Parar para esperar que uma plataforma se movesse para que ele pudesse pular. Parar para esperar que uma bolha de ar se formasse para ele poder respirar. Parar para conseguir quebrar os blocos da fase especial, para ter acesso à Chaos Emerald. Em outras palavras, a sua tão propalada velocidade, a sua qualidade definitória… ficava em segundo plano.

Isso fez de Sonic 1, 2 e 3 jogos ruins? Claro que não, são plataformas de muito respeito e qualidade. Só que você podia botar uns cogumelos aqui e ali e o Mario poderia encaixar sem muitos problemas.

(Aliás, o Mario se sairia melhor que o Sonic em algumas fases, especialmente nas fases aquáticas, porque Sonic, o velocista, vai mais lento na água do que um gorducho vestido com um macacão – e isso que não colocamos a roupa de sapo no Mario, porque aí seria até covardia…)

Em outras palavras: os jogos são bons, mas são plataformas “genéricos”, não foram desenhados de acordo com o personagem. Temos um personagem que corre muito rápido, e ainda assim não temos um limite de tempo, não temos nenhuma pressão por ir rápido – muito pelo contrário, o jogo nos força a parar e a esperar. Não por acaso, o melhor (e talvez menos jogado) de todos os jogos do Sonic, Sonic CD para o Mega CD, tem um vilão que pode correr tão rápido como ele, o Metal Sonic – e a fantástica fase em que Sonic tem que ganhar a corrida contra Metal Sonic para conseguir salvar a Amy.

(Sim, eu sei, isso não funcionou com o Shadow, mas aí a culpa é da incompetência de quem fez o jogo, não do meu argumento.)

E aí vem a pergunta do milhão: como aproveitar-se da velocidade do Sonic para construir um game sem ser um jogo de corrida? Jogo de plataforma não serve, como disse antes, por definição precisamos nesse tipo de jogo parar e esperar. Jogos de ação? Pode ser, afinal Sonic Unleashed foi um SU-CE-SSO, certo? Aí, descartando as idiotices (RPG, FPS, RTS), sobra o quê pro coitado do Sonic? Ser secundário em Super Smash Bros.? Virar bolinha em jogo de pinball?

A verdade é que a única coisa que fez o Sonic ter uma melhor sorte do que outros personagens genéricos, como Gex ou Crash Bandicoot, foi a capacidade do Yuji Naka de construir um jogo com carisma. E isso ele conseguiu; além de deixar o Sonic com uma personalidade única naquele tempo (com as expressões faciais e tudo mais), ele fez o melhor cartão de visitas possível. O problema é que, sem repetir a fórmula, não havia como tirar mais do personagem.

Por isso, quando alguém perguntar “por que não fazem mais jogos do Sonic como os de antigamente?”, talvez a melhor resposta seja “porque o Sonic seja tão limitado que não serve para outros jogos que não sejam os de antigamente”.