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Muitas vezes, séries de televisão que estão sendo emitidas há muitos anos acabam entrando em uma espécie de rotina e deixam de ser interessante. Quando isso acontece, os produtores tentam chacoalhar um pouco as coisas fazendo uma mudança significativa, para tirar o pó e deixar a série interessante outra vez.

No entanto, muitas vezes, essa mudança é mal feita e acaba causando uma queda de qualidade. Ou não, mas como fã é um bicho chato pra caralho, eles entendem essa mudança como uma queda de qualidade, porque se a série não é igual ao que eles gostam, não é boa. Isso faz com que a série entre em uma espiral descendente, perdendo audiência e qualidade de maneira inexorável, até seu inevitável cancelamento.

Nos EUA, quando acontece isso com uma série, se costuma falar que a série “pulou sobre o tubarão” (“jump the shark”). Essa expressão vem da série “Happy Days” (não sei se foi exibida no Brasil, acho que não), em que esse momento aconteceu no início da quinta temporada, quando o personagem Fonzie, vestido com sua tradicional jaqueta de couro, está praticando esqui aquático e pula por cima de um tubarão. A partir daí, a série mudou progressivamente de enfoque, passando de ser uma série sobre experiências familiares a ser uma série sobre Fonzie (que era um personagem quase secundário até então). A série aguentou mais sete anos, com uma queda constante de qualidade e plots cada vez mais bizarros (chegou a ter um episódio sobre alienígenas), até ser finalmente cancelada.

Seria fácil dizer que a E3 saltou sobre seu particular tubarão este ano, com a venda de entradas para o público em geral. Mas, na verdade, o tubarão já passou faz quatro anos.

Tranquilo por fora, insanamente movimentado por dentro

Para quem não lembra, em 2013 foi a primeira vez que a Nintendo renunciou a fazer uma conferência de imprensa, preferindo simplesmente soltar um vídeo na internet (o já famoso Nintendo Direct, um formato que a Nintendo vinha usando fazia mais de um ano na época). A Nintendo seguiu por esse caminho, com pequenos ajustes na estratégia – o mais visível, a adição do Nintendo Treehouse, um streaming constante com entrevistas a seus desenvolvedores, gameplay e competições.

Na época, muita gente disse que a decisão da Nintendo era uma “péssima notícia”, uma “catástrofe”, coisas similares. Demorou um pouco, mas este ano o que a gente viu? A conferência de imprensa da Ubisoft foi basicamente uma sequência de vídeos comentados por alguns desenvolvedores, que teve como pontos altos o Miyamoto e o Guillemot fazendo papel de palhaço, e o Ancel chorando por mostrar um vídeo pré-renderizado. A da Sony foi ainda pior, já que o fulano-lá-da-Sony-que-não-tô-a-fim-de-buscar-o-nome-no-Google fez duas intervenções de um minuto cada que podemos resumir como duas auto-felações, e de resto tivemos quase uma hora de vídeos – e ainda conseguiram não mostrar as únicas novidades que tinham. Francamente, se eu tivesse ido na E3, já teria pedido indenização à Sony pelo tempo que perdi.

Nos seus tempos áureos, a E3 tinha sentido; era uma congregação de jornalistas de todo o mundo, facilitando o ato de vender o seu peixe para seus consumidores. Isso justificava o dinheiro gasto nas coisas visíveis (stand, conferência) e nas invisíveis, que eram as caras de verdade; por exemplo, ter que coordenar o trabalho de dezenas de estúdios ao redor do mundo para produzir demos ou vídeos para as mesmas datas.

Quase 70 mil pessoas passaram pela E3 este ano, o maior público desde 2005

Qual a utilidade de fazer isso hoje? Gastando um centésimo do dinheiro investido em uma E3, dá pra fazer vídeos e streamings que qualquer moleque sentado no ônibus com um celular pode ver. Podendo controlar o que todo mundo vai ver. Sem ter que me planificar para nenhuma data específica, podendo soltar meu vídeo quando eu quiser, fugindo de um super-lançamento que vai ofuscar meu joguinho indie. E podendo controlar o que eu mostro, sem ficar com medo de que o console falhe na hora H ou o controle fique sem pilhas.

E os jornalistas vão me dar a mesma atenção, e muito mais felizes. Porque, sejamos sinceros, a E3 só é um “sonho” para quem nunca foi. E3, pra jornalista, é um inferno; meses antes da E3, correria pra conseguir convite, credenciais, reserva de vôo, hotel e carro; nos dias antes da abertura, ir de uma conferência a outra, cada uma em uma ponta de Los Angeles (e LA é uma das piores cidades do mundo para se locomover); durante a feira, todo o dia andando de um lado pro outro, tentando conseguir testar jogos, fazendo entrevistas com hora marcada, tirando fotos. E, quando fecha a feira, ficar trabalhando no hotel escrevendo textos ou fazendo vídeos. É muito mais descansado para um jornalista receber um demo, jogá-lo, fazer uma entrevista por telefone e produzir o seu conteúdo, tudo isso sem tirar a bunda da cadeira da sua casa.

É até chato ficar aqui falando sobre o óbvio, mas o tempo da E3 já passou, e as grandes estão começando a perceber isso. Não vai demorar muito, uns cinco anos talvez, mas teremos todo mundo fazendo vídeos para mostrar as suas novidades.

Mas nunca, ninguém, fará isso tão bem e de maneira tão simpática quanto a Nintendo.