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A primeira coluna que assinei lááááááá na primeira encarnação do Gamerview (quando falo assim, parece que falo sobre algo que aconteceu há 400 anos atrás, mas faz pouco menos de 4 anos) tinha o título de “Manifesto Gamer” (leia aqui). Era uma coluna sobre o jornalismo gamer no Brasil, um tema sobre o qual eu falei umas quantas vezes mais depois disso.

Para minha primeira coluna do ano, resolvi retomar o título, mas para escrever sobre outro tema: a maneira como os videogames costumam ser sempre os culpados de todo o mal da humanidade.

Obviamente, falo isso por causa do massacre da escola primária em Newtown, EUA. Depois que aconteceu o massacre, era mais que óbvio que várias pessoas iriam buscar o conveniente bode expiatório que são os videogames, indicando burradas como o fato de que “o videogame favorito [do assassino] seria um absurdamente violento e fantasioso jogo de guerra chamado Dynasty Warriors”, como saiu no Daily Express britânico; ou que os filofascistas do NRA diriam que “existe neste país uma monstruosa, corrupta e corruptora indústria, que trabalha nas sombras para vender e semear violência contra o próximo através de videogames violentos e perversos como Bulletstorm, Grand Theft Auto, Mortal Kombat e Splatterhouse”. Na verdade, era tão óbvio que chegava a ser entediante, então nem me animei a escrever nada.

No entanto, na semana passada, enquanto dava uma zapeada na web, encontrei uma coluna no excelente site espanhol AnaitGames. O autor conta uma coisa que aconteceu na semana do massacre: a rede de televisão espanhola Telecinco enviou um repórter para Newtown para fazer a cobertura localmente. No programa matinal da rede, houve uma conexão ao vivo com esse correspondente, e Ana Rosa Quintana (para fazer uma comparação, seria uma Ana Maria Braga menos brega) fez a seguinte pergunta ao repórter (e traduzo literalmente):

“Já se sabe se Adam Lanza tinha alguma doença mental ou se jogava videogames?”

Eu fiquei absolutamente sem reação ao ler isso. A mulher, literalmente, igualava o fato de se jogar videogames a uma doença mental! Mas claro, é a mesma filosofia do bode expiatório: encontrar algo que não entendemos e que seja fácil de culpar. E aí que eu me toquei: a chave está no “fácil de culpar”.

É normal que as pessoas não gostem do que não entendem. Eu mesmo, do alto de meus 38 anos de idade, tenho certeza absoluta de que vou odiar com todas as minhas forças o tipo de música que o meu filho ouvirá quando tiver 15 anos. E isso é da natureza humana, e não vai mudar, por mais que o Miyamoto lance um Wii Sports por ano.

Mas, no outro campo, a culpa é nossa por não fazermos a nossa parte. Sim, os massacres costumam acontecer nos EUA, mas as pessoas não lembram de que proibiram rapidamente Duke Nukem 3D porque um cara que ouvia vozes na sua cabeça matou não sei quantas pessoas em um cinema de um shopping center de SP? E alguém duvida de que, se acontecesse algo similar hoje no Brasil, as sumidades da nossa política não fariam exatamente a mesma coisa?

Continuamos gastando a nossa força com discussões inúteis em fóruns sobre qual é o melhor console, enquanto continuamos votando pelas mesmas pessoas com as mesmas idéias antiquadas. Não somos mais crianças, podemos e devemos influir no futuro do país. Devemos ajudar a escolher pessoas que saibam que o videogame pode ter um impacto cultural. Devemos pressionar os nossos congressistas para que não saiam com leis cretinas de controle de conteúdo, e sim para que melhorem o sistema de classificação etária para os videogames.

(Aqui cabe um parêntese: o sistema do Ministério de Justiça é um bom começo, mas se comparamos com o ESRB é de dar pena. Peguei como exemplo Borderlands: nos EUA foi classificado como “mature” – ou seja, não recomendado para menores de 17 anos – e o texto que explica essa classificação tem mais de 200 palavras. A classificação brasileira diz “não recomendado para menores de 18 anos”, o que é bastante aceitável; mas, quando tentamos ler os motivos para essa classificação, o texto diz simplesmente “mutilação”…)

Resumindo: devemos fazer com que se ouça nossa voz. Com que as elites vejam que os videogames são um meio cultural válido, e principalmente: que os jogadores de videogame também votam. Só assim deixaremos de ser mostrados como perturbados sempre que apareça no noticiário um perturbado de verdade matando crianças.