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ATENÇÃO: Esta coluna é de opinião exclusiva do colunista Alexandre Taú.
O Gamerview não compartilha nem apóia necessariamente esta opinião.

Na notícia que escrevi sobre a quebra do bloqueio anti-pirataria do PS3, começou uma pequena discussão nos comentários sobre a “moralidade” dessa prática. Como defensor da modificação de consoles, acho que uma nova coluna explicando com mais detalhes minha posição (e trazendo a discussão para cá) seria apropriada.

Ao reler o título da notícia, eu na verdade cometi um erro ao falar de “bloqueio anti-pirataria”. Sim, um dos principais motivos para o bloqueio de código não permitido no PS3 é eliminar a pirataria, mas a Sony (e as outras duas grandes) também tem por objetivo controlar o que se pode ou não executar em seus consoles. As máquinas fabricadas pelas Três Grandes são peças de hardware bastante potentes. Um PS3 e um Xbox 360 podem facilmente superar em “potência bruta” um computador pessoal de gama média, e um Wii tem um desempenho que o aproxima dos computadores de gama média-baixa. Mesmo os portáteis têm um poder de processamento bastante considerável para seu tamanho.

Desenhar, projetar e construir um hardware tão potente não é barato. E todo mundo sabe o modelo de negócio das companhias: vender o console a um custo subsidiado (ou com um lucro pequeno) para compensar com os jogos. Ora, se o objetivo delas é ganhar dinheiro com o software, o que elas ganhariam se permitissem que os clientes usassem seus consoles como um PC – por exemplo, criando seus próprios programas? Que poderiam ou não ser distribuídos de graça? E sem que o fabricante do hardware tirasse um tostão furado em cima deles?

Esse é o modelo dos computadores pessoais. Como os fabricantes não sabem, não querem saber – e, por lei, não podem saber – o que seus clientes fazem com os computadores que eles vendem, eles têm que tirar todo o lucro na venda. Mas, como os fabricantes de consoles não podem fazer isso, eles fazem de tudo para impedir que os usuários façam o que bem entenderem com seus consoles.

Aparentemente, nada de errado, certo?

CLARO que isso está errado. Não me interessa que a companhia é “boazinha” e vende o console com prejuízo apenas para aumentar a base instalada (tipo um traficante, quando… bem, deixa pra lá). Eu paguei pelo console e tenho o direito de fazer o que quiser com ele. Se outras pessoas, ou eu mesmo, criam programas homebrew que geram funções que o fabricante não pode ou não quer me dar, quem eles pensam que são para me impedir? Claro, eu comprei aquilo de aquela maneira, eu sabia o poço em que estava me metendo. Mas eles tampouco podem me “impedir” legalmente de fazer o que eu quiser com o hardware depois que eu passar pelo caixa.

Então, já que não podem fazer isso, eles tomam outras medidas – que continuam sendo legalmente questionáveis:

– Se você modifica um console, você perde a garantia. Se a modificação é de hardware (ou seja, implica abrir e modificar o console), tudo bem, é difícil de justificar. Agora, digamos que eu faça uma modificação no software de meu Wii, sem abrir o console para nada, e depois o drive de DVD quebra. Eles cobram pelo conserto, alegando quebra da garantia. Por quê, se minha modificação não afeta em nada o hardware defeituoso?

– Ao conectar o console modificado à rede online do fabricante, você é bloqueado. Já discuti isso em uma matéria aqui mesmo no Gamerview quando aconteceu a última onda de ban na xbox Live, então não vou me repetir – mas isso também é altamente discutível em termos legais.

Nesse caso, todo mundo pode falar “ah, mas o contrato dizia claramente que você não podia fazer isso”. Sim, mas por lei as cláusulas consideradas abusivas em um contrato devem ser invalidadas. E várias dessas cláusulas poderiam ter sua legalidade discutida com uma razoável chance de sucesso.

Aí, depois da entrada, chegamos no prato principal: a, digamos, “moralidade” de uma modificação que permita a pirataria safada. Bem, eu já escrevi outra coluna também aqui no Gamerview sobre como eu achava que certas empresas merecem que seus jogos sejam pirateados, por sem-vergonhas que são. Além disso, nessa mesma coluna, demonstro logo no início que a pirataria sem ânimo de lucro não está tipificada por lei no Brasil (e tampouco em muitos outros países). E um dos princípios básicos do Direito é que não existe crime ou contravenção sem lei que os tipifique, por mais que isso vá contra os princípios da moral de certas pessoas – exatamente porque a “moral” é algo muito volúvel; o que é certo pra mim não necessariamente é certo para meu vizinho.

E uma modificação de console para poder jogar backups de jogos – mesmo o desbloqueio do Xbox 360, que só permite fazer isso, não dá possibilidade de executar homebrew – tem um uso prático. Suponhamos que o usuário tem uma grande coleção. Por que não permitir que ele jogue com um backup de seu jogo para evitar o risco de danificar o jogo (lembrando que o backup de software está permitido por praticamente todas as legislações mundiais)?

Isso é hipocrisia, ingenuidade? Pode ser. É mais do que óbvio que quase todo mundo que tem o console modificado é um pirateiro safado sem-vergonha. Mas, francamente, neste caso eu olho para meu próprio umbigo – e para minha coleção de jogos.

Só entre PS3, Wii e Xbox 360, tenho aproximadamente 50 jogos (sem contar DS, PSP, PS2, Xbox, Gamecube, Dreamcast, N-Gage…). Meus jogos do PS3 e do Xbox 360 estão todos em um tubo de CDs, porque não tenho espaço na sala para caixas e mais caixas, que estão todas num armário no quarto de bagunça. Se quero jogar algo no PS3 e no Xbox 360, tenho que pegar o tubo de CDs, perder tempo procurando qual o jogo que quero no meio daquele monte de discos, corro risco de danificar um ou muitos jogos se não tomar cuidado tirando e colocando os jogos no tubo… E ainda tenho que aguentar os tempos de loading.

Agora, os jogos do Wii estão todos guardadinhos, protegidinhos em suas caixas no mesmo armário das caixas de PS3 e Xbox 360 – porque tenho um backup de todos em meu HD e jogo através do ULoader, em meu Wii com Homebrew Launcher. Uso um menu muito prático com as fotos das caixas, posso escolher com três cliques no menu o idioma com que vou jogar (em vez de usar como default o idioma do Wii), posso usar cheats se eu quiser. E, para completar, os jogos carregam muito mais rápido, não danifico o leitor e não corro riscos de danificar os jogos por acidente.

Se eu sou um usuário pagante (e sou, ah como sou!), por que não me dar facilidades? No Wii tenho essas facilidades (ainda que a contragosto da Nintendo), por que não posso ter essas mesmas facilidades nos outros consoles? Um programa que transformasse o PS3 em um media center, nos moldes do genial Xbox Media Center do velho Xbox, seria a melhor coisa inventada desde o guaraná caçulinha – se tivesse Blu-Ray e DVD multizona e carregasse os backups dos jogos a partir do HD, seria o videogame perfeito.

Claro, a pirataria tem seu lado ruim – e seu lado MUITO ruim, especialmente em um país onde as companhias estão entrando com muito receio, como é o caso do Brasil. Mas isso não significa que a modificação de consoles tenha que ser proibida simplesmente porque existe um uso “amoral” para ela. Dá pra matar com uma furadeira, com um martelo, com uma faca de cozinha – mas ninguém quer proibir essas coisas, porque elas têm um uso prático. O que se necessita para acabar com a pirataria é conscientização, não uma proibição – mesmo porque dá na mesma, ainda que seja proibido as pessoas vão conseguir ter acesso. Querer proibir a modificação dos consoles simplesmente porque outras pessoas vão usar isso para algo que eu não concordo, na boa, é achar que as pessoas precisam de babás. E eu não preciso, não quero e mando pros quintos dos infernos quem me disser o contrário.