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Deu pra perceber que virou modinha essa história de Kickstarter. Criadores que precisam conseguir fundos pra fazer um game, um disco, um algo, abrem uma conta no Kickstarter e publicam seu projeto; se A INTERNET gostar do projeto, dá dinheiro pra eles. Se o projeto conseguir o financiamento desejado, eles levam o dinheiro; se não conseguir, não levam nada.

Nada contra. Quero dizer, tem muita gente com uma idéia interessante mas sem experiência ou currículo, e que por isso não consegue um sponsor (publisher, gravadora ou o que for); mas, como o pessoal na internet vai avaliar apenas a idéia, se for do agrado de muita gente eles podem conseguir o dinheiro para esse sonho.

Agora claro, notem que eu falei “gente sem experiência ou currículo”. Porque, como sempre acontece com as idéias boas, humildes e simples, tem gente querendo se aproveitar.

Porque você vê gente como Peter Molyneux, um cara que já criou seu próprio estúdio, que foi diretor de criação da MS Game Studios, e você pensa que as opções que ele tem para publicar um jogo são praticamente infinitas. O cara tem nome no mercado; se ele quiser soltar o jogo por uma publisher, ele pode quase que escolher a publisher com que quer trabalhar, e se quiser ser independente com certeza é fácil para ele conseguir o financiamento no banco.

Mas claro, é muito mais fácil pedir que os trouxas da internet financiem o seu projeto. E o pior é que sim financiaram… 526.000 libras.

Aí a gente pensa, “ah, mas é que o Molyneux é o maior cara-de-pau da indústria, só tem que ver como ele SEMPRE promete Deus e o mundo nos seus jogos e NUNCA cumpre”. O problema é que ele não é o único:

– David Braben é o criador de Elite, talvez o jogo espacial mais influente de todos os tempos (é mais conhecido na Europa, por ter sido lançado originalmente para o BBC Micro, mas teve ports para praticamente toda plataforma de jogos disponível nos anos 80 – eu me lembro de ter jogado no MSX e gostado muito). Estava com a terceira continuação vegetando desde 1998, aí resolveu abrir um Kickstarter de 1,25 milhão de libras(!) pra financiar o projeto. E conseguiu mais de um milhão e meio de libras(!!!).

– A Obsidian, estúdio que desenvolveu Star Wars KOTOR 2, Neverwinter Nights, Fallout New Vegas e está lançando o jogo novo de South Park, pediu 1,1 milhão de dólares para desenvolver Project Eternity. Conseguiu quase 4 milhões.

– A Double Fine – leia-se Tim Schafer (Brutal Legend, The Cave, Costume Quest, Middle Manager of Justice) – pediu 400.000 dólares para “Double Fine Adventure”, prometendo um point-and-click adventure “para a era moderna”. Conseguiu o valor pedido em menos de nove horas, e terminou o período de arrecadação com mais de 3 milhões de dólares.

– Richard Garriott, o lendário Lord British, criador da mítica série Ultima, abriu um Kickstarter de um milhão de dólares para desenvolver Shroud of the Avatar, prometendo um jogo similar aos seus primeiros trabalhos, um “RPG de fantasia que vai focar mais nas escolhas e descobertas do jogador que em grinding”. No momento em que escrevo essas linhas, dois dias depois de abrir o Kickstarter, Garriott já conseguiu mais de 500.000 dólares, o que faz crer que conseguirá facilmente seu objetivo.

O caso de Garriott é bem mais ultrajante, porque Garriott é podre de rico. Só temos que ver o prêmio para quem doar mais de 10.000 dólares; além de uma cópia da edição original de Akalabeth, o primeiro game de Garriott, a pessoa “ganhará” um tour por Britannia Manor, a mansão de Garriott – uma delas, na verdade; Garriott possui DUAS Britannia Manors. Apesar de que, considerando o preço que uma edição original de Akalabeth consegue no eBay, talvez seja possível considerar isso um investimento…

Casos como esses são uma cusparada na cara do pessoal que não tem acesso a meios de financiamento tradicionais e realmente precisa brigar pra conseguir um mísero lugarzinho ao sol. Se eles ainda fossem depois dar os jogos de graça, até seria possível entender. Mas vão cobrar por esses jogos, e bem cobrados. Merda pra eles – e merda pros otários que dão dinheiro pra eles.