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Não existem mais dúvidas: o Nintendo Switch é um sucesso. Com mais de 15 milhões de consoles vendidos e uma estimativa de vender mais 20 milhões de unidades até o final do ano fiscal de 2018, o novo console híbrido da Nintendo provou para os analistas céticos de plantão que sim, ainda é possível inovar nessa indústria e abraçar vários tipos de público ao mesmo tempo. E não feliz com o já consolidado sucesso do Switch, a Big N pretende dar um duplo twist carpado de inovação e rebolado tecnológico com o seu mais novo lançamento, o Nintendo Labo, que mesmo não sendo para o nosso bico, fatalmente fará tanto sucesso quanto o Switch quando chegar às lojas gringas ainda este mês. Como eu tenho tanta certeza disso? Ora bolas… Porque a loja de móveis sueca IKEA já provou que esse modelo dá certo!

Eu monto, logo amo.

Efeito IKEA é uma teoria cognitiva que sugere que os consumidores colocam um valor absurdamente alto em produtos que eles ajudam a criar. Este fenômeno foi identificado e batizado por três pesquisadores das universidades de Harvard, Yale e Duke após extensa pesquisa com o modelo de negócio da marca IKEA, que permite que seus consumidores montem os móveis comprados na loja com suas próprias mãos. Embora o princípio desta teoria já tivesse sido detectado e explorado por designers há anos, a publicação dos resultados da pesquisa pela Harvard Business School sobre o Efeito IKEA provou de forma mais científica que quanto mais esforço colocamos em alguma coisa, mais nós damos valor a essa mesma coisa.

Nintendo Labo e a cozinha
Talvez só a Patricinha de Berverly Hills não ligue muito para esse “passo extra”.

Um exemplo clássico dessa máxima é o caso dos bolos instantâneos da década de 50 nos EUA. Na época, muitos consumidores criaram resistência pelo produto já que essas fórmulas prontas transformavam o ato de fazer bolo muito fácil e trivial, fazendo com que o trabalho, habilidades e tempo dos cozinheiros na tarefa fossem desvalorizados. Para resolver o problema as marcas fizeram uma simples alteração na fórmula: os cozinheiros agora precisariam incluir um ovo na receita. Ao incluir esse passo extra no processo, os consumidores agora tinham a sensação de estarem cozinhando algo com as próprias mãos, o que resultou em um aumento significativo nas vendas do produto.

OK, mas o que isso tem a ver com o Nintendo Labo? Muita coisa! E para fazer esta ponte entre a Nintendo e o Efeito IKEA, vamos analisar a aplicação deste efeito pela Nintendo em três níveis de dificuldade. Bora lá?

Easy Mode: Monta e Desmonta – Nintendo Switch

O nível mais básico no qual a Nintendo apresenta essa relação entre trabalho e valor atribuído fica por conta da própria natureza híbrida do Nintendo Switch, o produto que serve de base para o funcionamento do Nintendo Labo. Embora nós usuários não construímos de fato nenhuma parte fundamental do Nintendo Switch, existe nele um processo de manipulação e customização da experiência que diferencia a relação e interação entre humano e máquina se o compararmos com os demais produtos do mercado nesta mesma categoria. Ao manipular fisicamente o hardware, transformando um console de mesa em um portátil através das diferentes formas de organizar seus periféricos, como em um quebra-cabeça, a relação física com o produto acaba sendo muito mais próxima, pessoal e impactante.

O Switch é a nova vaca leiteira da Nintendo.
O Switch é a nova vaca leiteira da Nintendo.

Para ficar mais óbvio esse ponto de vista, vamos comparar a proposta de valor do Nintendo Switch com aquela do Play Anywhere da Microsoft. As duas iniciativas, em sua base, tem a intenção de dar mais autonomia e liberdade de escolha para os seus consumidores ao não centralizar o uso dos produtos em um único cenário ou premissa, como a de que videogame é só na TV da sala pois é lá que o console está instalado. No entanto, a diferença fundamental é que no caso da Nintendo o console é parte fundamental e está no centro deste processo, enquanto que no caso da Microsoft, o produto físico é secundário durante toda a experiência já que o que faz a mágica acontecer é um software (Windows 10) e não o hardware (Xbox).

O grande apelo do Nintendo Switch não está apenas em possibilitar a nós usuários uma maior liberdade e autonomia na forma de jogar, mas também é reforçado pelo fato de que nós participamos fisicamente deste processo. Os jogadores de Nintendo Switch literalmente montam a forma de jogar com as próprias mãos, mesmo que de maneira rápida e simples, culminando em uma relação muito satisfatória com o produto. E é essa camada extra de interação com o produto, que faz com que o Switch seja uma brincadeira antes, durante e depois do ato de jogar.

Normal Mode: Suor e Trabalho – Nintendo Labo

Com o potencial disruptivo do Nintendo Switch testado e aprovado pelo mercado, é chegada a hora da empresa dar uma bica na porta e entrar com tudo no mercado “faça você mesmo” com o lançamento do Nintendo Labo. Aqui não há meio termo, a Nintendo literalmente está entrando no conceito da IKEA e vai fazer com que nós mesmos tenhamos que montar o nosso brinquedo antes de brincar.

Olha que lindo esse Nintendo Labo. Eu que fiz!
“Olha que lindo esse Nintendo Labo. Eu que fiz!”

De um ponto de vista puramente prático, parece meio sem sentido vender um produto “inacabado” de papelão no qual os usuários precisam gastar um bom tempo montando antes de poder brincar de fato. Qual a graça em perder esse tempo inicial sendo que a brincadeira no final nem parece tão legal assim? De fato, existem jogos para o próprio Switch que são mais interativos, complexos e interessantes que os apresentados no kit. Então, qual o grande apelo?

A grande sacada do Labo é que o próprio produto de papelão é um jogo, antes mesmo de ser montado. Oras, o que faz de um jogo um jogo? Os jogadores precisam aprender as regras, em seguida eles precisam dominar essas regras, depois devem vencer os desafios propostos e receber a recompensa no final. Essa é basicamente a fórmula de qualquer jogo, e essa é também a base do Nintendo Labo. Primeiro precisamos aprender como montar, depois montar e em seguida colher a recompensa, que é o ato de jogar o game em realidade aumentada que nós mesmos construímos.

O jogo do pianinho ou da pesca feito de papelão e grudado no Nintendo Switch é só a parte final da experiência que o produto oferece. E, como no caso dos móveis comprados na IKEA, o valor atribuído ao produto final é muito maior do que se a Nintendo oferecesse os kits do Labo já montados. Além disso, a Nintendo é tão esperta que já nos vídeos de lançamento ela dá indícios do nível de apego que as pessoas podem ter com o produto, ao oferecer também kits de personalização estética para cada brinquedo, com adesivos coloridos e temas específicos. Não me surpreenderia se a Nintendo vendesse em paralelo ao kit principal, mini kits de “skins” com temas de propriedades famosas da empresa, como Pokémon e Mario. E por falar em customização…

Hard Mode: Criando e Inventando – Toy-Con Garage

No momento em que eu vi o primeiro vídeo do Nintendo Labo eu pensei “Nossa, esse troço já é muito legal, mas imagina se a Nintendo desse a liberdade pra gente criar nossos próprios modelos e joguinhos!?”. Podem me chamar de Mãe Dináh, mas alguns meses depois do anúncio do Labo, a empresa lançou alguns vídeos (que parecem ser parte de uma série de vídeos) mostrando o potencial de criação do Nintendo Labo através de uma ferramenta chamada Toy-Con Garage, encontrada já nos kits básicos do produto.

Com o Toy-Con Garage, os jogadores conseguem customizar e até mesmo alterar algumas mecânicas dos jogos disponíveis no kit, aumentando assim significativamente a vida útil de cada um dos brinquedos de papelão da Nintendo. Agora imaginem vocês o que pessoas criativas e hackers de plantão não irão inventar com essa ferramenta? Eu já estou aqui aguardando o meu cachorro robô de papelão que abre latas de cerveja, no mínimo!

Essa iniciativa da Nintendo consegue então ir além dos efeitos observados pelos pesquisadores de Harvard durante a publicação do Efeito IKEA, pois além de ofertar aos seus usuários a experiência de construir o produto com as próprias mãos, a empresa ainda oferece a possibilidade de que este mesmo produto seja modificado e reinventado inúmeras vezes, multiplicando o valor atribuído ao produto.

Faça, brinque e descubra.

Work Nintendo!

Se a Nintendo já estava sendo a diferentona do baile com o Switch, agora com o Nintendo Labo e seu slogan “Make. Play. Discover.” a empresa finca os dois pés nas tendências do movimento maker e da realidade aumentada, conseguindo se distanciar ainda mais da concorrência ao oferecer uma proposta de valor que dificilmente poderá ser emulada pelas gigantes Sony e Microsoft.

Nós designers geralmente dizemos que errar é parte fundamental do processo de criação de um bom produto. Se considerarmos então o Wii U como o grande erro da Nintendo na geração passada, faz sentido então o Nintendo Switch + Labo serem esse imenso acerto 😉