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Quem lê essa coluna com regularidade sabe que eu sempre falo sobre como o jornalismo de games brasileiro precisa sair do modelo “clipping de notícias” e ter mais opinião. Bem, nessa semana tivemos um estudo de caso de como isso pode ser perigoso, principalmente quando você dá a chave da opinião nas mãos de idiotas bem-intencionados.

Esta semana, a distribuidora Deep Silver anunciou uma edição especial para os mercados PAL (Europa e Austrália) de seu novo jogo, Dead Island Riptide. Essa edição especial, titulada Zombie Bait Edition, inclui as porcarias de sempre (DLC, livro) e uma estátua… um busto de uma mulher, usando um biquini com a bandeira britânica e com cicatrizes de ataques de zumbi.

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Montes de sites já começaram a gritar, dizendo que era escandaloso, nojento, sexista e tal. O escândalo foi tão grande que, poucas horas depois, a distribuidora soltou em sua conta de Twitter um pedido de desculpas e disse que fariam “todo o possível para que isso não voltasse a acontecer”.

Minha única reação a isso foi um facepalm. Os mesmos sites que tiram sarro dos alemães por proibir jogos violentos, e dos australianos por não ter uma classificação “maiores de 18” para seus jogos, gritaram que era um escândalo que um jogo viesse com um busto de uma mulher em biquini com cicatrizes. E o pior: os sites europeus deram ao assunto toda a importância que ele merece, ou seja, nada. Só os sites americanos montaram esse barraco, e para uma edição que nem mesmo vai sair nos EUA.

Uma coluna sobre o tema que saiu na Espanha lembrou de um fato interessante: quando, nos anos 50, o Congresso norte-americano fez uma investigação sobre a violência nos quadrinhos, chamaram o editor da EC Comics (famosa por seus quadrinhos de terror e guerra), William Gaines. Ao ser perguntado se ele achava que uma capa de uma de suas revistas (Crime SuspenStories 22, em que um assassino está segurando com uma mão a cabeça decepada de uma mulher, e com a outra um machado, e se vêem as pernas do corpo da mulher no chão) era de bom gosto, ele disse: “Sim senhor, é uma capa de muito bom gosto… para uma revista de terror.

Em outras palavras, se é uma história de terror se espera que haja sangue, violência… e cicatrizes em corpos seminus. O fato da estátua ser feia pra burro ainda não constitui crime. Além disso, se houver um apocalipse zumbi, não acho que o vírus, gás venenoso ou o que quer que seja que crie os não-mortos vá poupar as mulheres, os negros, os homossexuais, os judeus ou [insira sua minoria favorita aqui].

No entanto, hoje em dia parece que é mais importante parecer ser politicamente correto do que parecer ser inteligente. Quando o produtor do novo Tomb Raider disse que a Lara seria vítima de um estupro, e isso faria os jogadores gostarem dela e quererem protegê-la, os lupanares do jornalismo gamer não reclamaram da parte realmente idiota e sexista do comentário (a insinuação de que a Lara seria uma coitadinha que precisa de nossa “proteção”), e sim do fato do estupro ter sido insinuado no trailer. Algo que realmente poderia servir para marcar o caráter da personagem, fazê-la mais forte. Mas preferimos tapar o sol com a peneira, como se não ver uma cena de estupro de um personagem feito de bits fizesse com que todos os estupros do mundo real deixassem de existir.

(Apesar de que eu vi o famoso trailer do estupro agora, para ter material para a coluna, e o que me deixou realmente encafifado foi ver que os caras que sequestram a Lara devem ter penteado a moça com umas três latas de laquê, porque ela está pendurada de cabeça para baixo e o cabelo dela continua dos lados da cabeça, não é afetado pela gravidade. Sem contar que ela deixou de ser inglesa. Mas estou divagando.)

Só que claro, quando a organização da PAX East proibiu a Jessica Nigri de ficar seminua na convenção pra promover o Lollipop Chainsaw, ninguém ficou do lado da organização, todo mundo ficou “ah coitadinha, só está fazendo o seu trabalho”. Ninguém parou pra pensar que o que ela faz é tremendamente sexista e denigrante pra imagem das mulheres, com certeza muito mais do que uma estátua feia. Mas claro, é muito mais fácil ficar do lado de uma moça bonita que mostra as carnes pra se aproveitar dos hormônios em polvorosa de um bando de nerds dedos de salsicha do que de uns caras sem rosto que pelo menos estão fazendo algo pra evitar que as mulheres sejam tratadas como objeto, ou de outros que estão vendendo um jogo de horror com memorabilia de jogo de horror.

Sinceramente, se for pro jornalismo de games nacional se espelhar no americano, quase prefiro que fique como está. Pelo menos não fazemos papel de idiotas perante os leitores.