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No final de janeiro, os organizadores da Game Developers Conference anunciaram os ganhadores dos prêmios entregues pela organização no próximo GDC, em março. Rami Ismail, fundador do estúdio holandês Vlambeer (Ridiculous Fishing), receberá o Ambassador Award, pelo seu trabalho auxiliando desenvolvedores iniciantes em comunidades ao redor do mundo. Tim Schaefer, fundador do estúdio Double Fine, receberá o Lifetime Achievement Award, como prêmio pela sua carreira. E Nolan Bushnell, co-fundador da Atari, receberia o Pioneer Award, por ser um dos pioneiros da indústria.

Notem a diferença nos tempos verbais. É porque, assim que o prêmio foi anunciado, começou um pequeno movimento em Twitter (#notnolan), relembrando casos de comportamento sexista e inapropriado de Bushnell e exigindo uma retratação do GDC. E por pequeno, entendam que é mesmo “pequeno”. Havia pouco mais de 20 tweets em dois dias, hasta que o site The Verge publicou uma matéria sobre o tema, amplificando o alcance.

E a retratação que veio no dia seguinte, com o GDC anunciando em sua conta de Twitter que decidiram não entregar o Pioneer Award este ano, e afirmando que “[acreditam que suas] escolhas [para os prêmios do GDC] devem refletir os valores da indústria de videogames na atualidade, e [que dedicarão] o prêmio deste ano aos pioneiros invisíveis do passado”.

Bushnell, duas horas depois, também soltou um comunicado em sua conta de Twitter, dizendo que entende a decisão do GDC e que pede desculpas por suas ações do passado. E com isso, se consumou mais uma vitória da intolerância sobre a inteligência.

O alvo: Nolan Bushnell, o cara da camisa com bolinhas.

Bushnell não é exatamente alguém que eu admire. Ele sempre foi mais um executivo que um técnico, e como sempre tive uma visão mais técnica. Admiro mais outros pioneiros, como Ralph Baer e Al Alcorn. Mas não podemos negar que a visão de Bushnell foi o que realmente criou essa indústria. Além disso, quando a gente pára um pouco para pensar sobre o que as “líderes” desse movimento estavam afirmando sobre Nolan, a gente começa a ficar com a pulga atrás da orelha.

Brianna Wu (desenvolvedora que foi um dos alvos principais do Gamergate, juntamente com Anita Sarkeesian e Zoë Quinn) começou o “movimento” contra o prêmio de Nolan com uma série de tweets. E surpreendentemente (ou não), não prestou muita atenção ao que estava escrevendo… Já começou dizendo: “aqui temos alguns fatos sobre o assédio sexual cometido pelo senhor Bushnell na Atari nos anos 80”. O que é estranho, já que Bushnell vendeu a Atari para a Warner Communications em 1976 e foi demitido (por conflitos com a direção da Warner) em 1978. Ou seja, nos anos 80 Bushnell estava bem longe da Atari.

Mas tudo bem, pode ter sido uma desatenção. Vamos ver o seu próximo tweet: “Eles faziam reuniões em uma banheira. Os diretores convidavam as trabalhadoras da Atari que participavam nessas reuniões para subir com eles à suíte, e as pressionava para ficarem nuas com os homens. O próprio senhor Bushnell admitiu isso no livro “Ultimate History of Videogames”.

O que é uma mentira. Havia uma banheira na Atari, mas ela era utilizada por todos os empregados (homens e mulheres), não apenas pela diretoria. Wu fez como Nelson Rubens, e aumentou o que foi contado por Al Alcorn sobre uma reunião na banheira da casa de Bushnell, em que eles pediram que uma secretária levasse papéis para eles e, quando ela chegou, Bushnell a convidou a se juntar à eles dentro da banheira. Ela não quis e fim da história.

Recepção da Atari, em 1975. Segundo ex-funcionários, um ambiente amigável e saudável.

Depois, Wu terminou com o seguinte tweet: “A Atari tinha uma cultura de dar aos projetos internos nomes das mulheres mais atrativas que trabalhavam ali. Então, se o senhor Bushnell queria dormir com, digamos, ‘Cathy’, o projeto teria o codinome ‘Cathy’.”

Outra vez, Wu não deixou que a verdade atrapalhasse a história que ela queria contar. Sim, os projetos internos da Atari tinham nome de mulher. Home Pong tinha o nome interno de “Darlene”; o VCS/Atari 2600 se chamava “Stella”; as duas versões do computador Atari 400 se chamavam internamente “Candy” e “Colleen”; o Atari 5200 se chamava “Pam”.

No entanto, é interessante como o fato de pegar o nome da secretária boazuda para o projeto imediatamente significava que Bushnell queria dormir com ela. Porque não existe nenhuma prova disso.

Além disso, como disse acima, Bushnell saiu da Atari em 1978… E o projeto do Atari 400 e do Atari 5200 (baseado no Atari 400) foram iniciados em 1979. Os únicos dois projetos da Atari com codinome antes da saída de Bushnell foram o Home Pong e o VCS/Atari 2600 – e Stella não era uma empregada da Atari, mas sim a marca da bicicleta de um dos engenheiros. Por que era Bushnell quem queria comer a Candy e a Colleen, e não o Ray Kassar, que era o presidente naquela época?

Sem contar outros exageros, como Elizabeth Sampat (designer que trabalhou em Plants vs Zombies 2, entre outros), dizendo o seguinte em seu twitter: “Não deem o Pioneer Award para ninguém este ano. Ou melhor, deem o prêmio simbolicamente à todas as mulheres que construíram a indústria e que hoje não estão aqui, em grande parte graças à homens como (Bushnell).”

Vamos ver… Sim, existia e existe uma desigualdade absurda na indústria de videogames. Sim, existiram várias pioneiras que tiveram que trabalhar mais duro que qualquer homem por culpa dessa desigualdade: Carol Shaw (River Raid), Dona Bailey (Centipede), Roberta Williams (Sierra Games), Danielle Bunten Berry (M.U.L.E.). E sim, existem hoje várias grandes mulheres com posições de prestígio na indústria, que também tiveram que trabalhar duríssimo e vencer muitas dificuldades para chegar onde estão: Jane Raymond (Assassin’s Creed), Kim Swift (Portal), Aya Kyogoku (Animal Crossing New Leaf), Siobhan Reddy (diretora do estúdio Media Molecule), Amy Hennig (Uncharted).

Mas um tweet que afirma que essas mulheres “construíram a indústria” não vai mudar a história. Não vai fazer com que essas mulheres (que, insisto, devem ser aplaudidas de pé por tudo que conseguiram) tenham 5% da importância para a história dos videogames como Bushnell tem.

Sim, aquele caso da banheira que citamos acima é tremendamente inapropriado. Mas não estávamos ali para saber se existia intimidade entre a secretária e Bushnell. E várias ex-empregadas da Atari saíram para defender Bushnell; Loni Reeder (que trabalhou dois anos na Atari e depois foi sócia de Bushnell na uWink) escreveu um longuíssimo post no Facebook acusando Wu de estar atacando Bushnell por motivos políticos (Wu é candidata ao congresso americano); e uma matéria publicada no Kotaku tem depoimentos de várias ex-trabalhadoras da Atari elogiando Bushnell e o ambiente de trabalho na Atari.

Ilustração de Angelica Alzona, usada na matéria do Kotaku.

De acordo com essas mulheres, o ambiente não era sexista, era juvenil. Sim, havia brincadeiras, por parte de Bushnell e de todos, mas elas também faziam brincadeiras: Curt Vendel, também ex-empregado da Atari, dizia que havia visto muitas mulheres vestindo camisetas com a figura de duas mãos sobre seus seios e com as palavras “pegue nos meus trackballs”. E elas negam várias histórias que Wu e outras usaram como base: por exemplo, Reeder diretamente diz que é mentira a famosa história de Ray Kassar de como Bushnell usava uma camiseta escrita “I love to fuck” quando se conheceram.

E tudo isso não serviu para que as envolvidas se retratassem; na verdade, foi o contrário. Jennifer Scheurle (lead game designer no estúdio australiano Opaque Space) teve uma discussão por Twitter com Reeder em que disse que “estava desapontada” com Reeder porque isso estava “sendo usado contra nós”, e disse que “só porque você não se sentia desconfortável não significa que ninguém se sentia”.

Quando Reeder pediu nomes e provas, para que ela pudesse entrar em contato com essas mulheres, Schurle lhe disse que “[Reeder] perdeu a confiança dessas pessoas que sofreram nas mãos de Nolan”. E principalmente, num tweet que resume toda essa história, disse: “Você não entendeu. Eu não tenho que provar nada pra você, e nem elas [as mulheres que Scheurle afirma que sofreram nas mãos de Nolan]. Você que tem que ter empatia por uma experiência que pode ser diferente da sua.”

Obviamente, pessoas diferentes reagem de diferentes maneiras. Na própria matéria do Kotaku, há uma menção da entrevista de Dona Bailey à uma emissora da NBC de San Francisco, em que ela diz: “Era difícil às vezes. Era uma cultura em que não acho que eles pensavam ‘há uma mulher aqui, nós deveríamos mudar nosso comportamento por ela’… Foi difícil me acostumar.”

Por outro lado, Carol Shaw (River Raid) não fala de nenhuma experiência negativa com seus companheiros de trabalho em uma entrevista para Vintage Computing and Gaming. Menciona Ray Kassar dizendo de maneira sexista que, como agora eles tinham uma designer mulher, eles poderiam ter “jogos sobre decoração de interiores e combinar cores de cosméticos” – mas seus companheiros imediatamente disseram para ela não se preocupar com Kassar e fazer o que quisesse. Na verdade, é bem capaz que o problema seja Kassar, e Bushnell esteja simplesmente pagando o pato…

Mas, assim como não estávamos na pele de Dona Bailey, não estávamos na pele de Carol Shaw nem de Loni Reeder. E devemos lembrar que eram outros tempos, e os comportamentos que não são socialmente tolerados hoje eram socialmente tolerados há 40 anos. Todos esses que não pensaram que deveriam mudar seu comportamento porque havia uma mulher, era porque não sabiam que deveriam fazê-lo.

A sociedade mudou. Hoje em dia, sabemos que esse tipo de comportamento não é aceitável, e é importante sim lutar contra a cultura do assédio. Mas lutando juntos, como iguais. Não à maneira de feminazis como Wu, Sampat e Scheurle. Não é mentindo e colocando em um homem a pecha de “assediador sexual”. Ainda mais em uma empresa que tinha um porcentagem de empregados mulheres (36%, de acordo com Loni Reeder) superior à media da indústria HOJE (22%).