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geoff

Esse caso já tem quase um mês, mas aproveitando a volta do Gamerview desde as cinzas eu simplesmente TINHA que escrever sobre este caso.

A foto ao lado é um frame de uma entrevista dada ao site Shifted2u por Geoff Keighley. Keighley é um jornalista de games veterano, que já trabalhou para Kotaku, EGM, Entertainment Weekly e outros, e agora trabalha para o quase finado canal G4 e é produtor executivo do comercial de três horas disfarçado de entrega de prêmios Video Game Awards.

Como diz o clichê, essa foto é todo um poema. Começando pela cara de bunda de Keighley, até a maneira como os sacos de Doritos e as garrafas de Mountain Dew (uma marca de refrigerante americana) estão estrategicamente posicionados para fazer contraste com o display da promoção de Halo 4 do outro. Claro, apenas isso já daria para fazer com que corressem rios e mais rios de tinta – ou, nesta época digital, centenas e centenas de megabytes de texto – sobre a relação promíscua entre jornalistas de games dispostos a se vender e uma indústria de games com vontade de comprá-los.

Eu até poderia escrever essa coluna, mas infelizmente Rab Florence chegou primeiro. Em uma coluna no Eurogamer, ele usou essa foto como um ponto de partida, e usou outros exemplos. O melhor deles está citado aqui abaixo, traduzido (mantive apenas os hashtags sem traduzir):


Uma jornalista de games, Lauren Wainwright, tuitou: “Hum… Trion estava dando PS3’s para jornalistas nos GMAs [n.t.: Games Media Awards, uma premiação para a mídia de games no Reino Unido; os jornalistas tinham que enviar um twitter com um hashtag específico para concorrer ao PS3]. Não sei por que isso é algo ruim?”

E, alguns tweets antes, ela escreveu isso: “Cabeçalho de Lara, duas imagens de TR na galeria e um papel de parede muito sutil de TR [n.t.: ela está listando as mudanças que ela fez em sua página no Twitter, que acabou dedicada a Tomb Raider]. #obcecada @tombraider pic.twitter.com/VOWDSavZ

E instantaneamente começo a suspeitar. Começo a suspeitar da maneira como essa jornalista aparentemente ama Tomb Raider. Eu me pergunto se ela não está no bolso da equipe de relações públicas de Tomb Raider. Tenho certeza de que não, mas a dúvida está lá. Afinal de contas, ela não vê nada errado com jornalistas promovendo um game para ganhar um PS3, certo?

Outro jornalista, um dos ganhadores da promoção dos PS3, tuitou isso para o colunista do RPS [n.t.: Rock Paper Shotgun] John Walker: “Era um hashtag, não um anúncio. Desça do pedestal”. Esse jornalista era Dave Cook, um cara que eu conheço. Um cara legal, até onde eu sei. Mas não posso acreditar nem por um segundo que Dave não entende que, nesta época louca de mídia social, um hashtag é tão poderoso quando um anúncio pago. Ou ele está na defensiva ou ele ainda não entendeu o que é realmente ser um jornalista.

Eu fiz questão de traduzir os parágrafos aqui porque eles não estão mais na coluna publicada no Eurogamer. Eles foram cortados depois que Wainwright, com a ajuda de seu atual empregador (o site MCV), supostamente pediu a sua retirada. Após a edição da coluna, Florence anunciou que deixaria de escrever para a Eurogamer por não havê-lo apoiado, mas disse que não culpava a Eurogamer porque sabia quem eram “os malvados na história”; em um twitter, disse com todas as letras que Wainwright e a MCV ameaçaram a Eurogamer de processo por “libel” – o que é uma ameaça muito grave na Inglaterra; pelas leis inglesas, em um caso de “libel” é o acusado que tem que provar que não houve dolo.

A MCV negou que houvesse ameaçado a Eurogamer de processo, mas Wainwright soltou um twitter pouco depois da coluna ter sido editada dizendo que “finalmente aqueles anos de faculdade de direito valeram a pena”. Obviamente, isso trouxe a ira da internet sobre ela… Descobriram uma página onde ela listava a Square Enix (lembremos, a publisher de Tomb Raider) como um de seus empregadores. Wainwright disse que ela jamais havia feito reviews ou matérias sobre jogos da publisher japonesa durante seu período como consultora para a empresa; em poucos minutos apareceram links para matérias sobre Tomb Raider e um scan do jornal The Sun com um review de Deus Ex: Human Revolution, todos escritos por ela e todos, por coincidência, fortemente elogiosos.

Jornalistas com ligações diretas ou indiretas com ela começaram a publicar notas dizendo que o NeoGAF e o 4Chan haviam “se unido” para derrubar a sua reputação – o que, claro, só serviu para trazer mais sujeira à tona. Ao final, Wainwright removeu todas as menções à Square Enix de seu currículo online, apagou todos os twitters relativos ao caso e bloqueou sua conta de Twitter.

O caso teve alguma menção, com alguns artigos (Penny Arcade, GameFront, Destructoid, Forbes) – mas, curiosamente, nenhuma menção nos sites “grandes”. Stephen Totilo, editor do Kotaku, estranhamente disse em uma resposta a um comentário no seu site: “não acho que seja uma história importante” – sim, o mesmo site que gasta posts e mais posts com unboxing de jogos.

No Brasil, eu procurei e só achei duas menções: uma coluna no Retina Desgastada e um podcast do Kotaku. Mas isso já era esperado; afinal de contas, parece que o jornalismo de games mudou bem pouco desde aquela minha coluna (e já faz quase três anos…).

Aliás, já que eu mencionei a velha coluna, podemos usar os comentários daquela coluna como uma base para a discussão. Especialmente um comentário que diz textualmente:

“(…)acho que muita gente acaba esquecendo que, antes de jornalistas, somos gamers! Estamos lidando com uma mídia extremamente maleável, livre das amarras do formalismo (…). Acho que a mídia de jogos precisa de paixão sobre o que escreve (…).”

E isso resume completamente o que quero dizer. Não somos jornalistas, somos gamers! A nossa mídia é extremamente maleável e livre das amarras do formalismo! A mídia de jogos precisa de paixão sobre o que escreve!

Não. Não podemos ser “gamers” antes de ser “jornalistas”. Não podemos ter paixão. Esse foi o erro de Lauren Wainwright: ela foi gamer antes de ser jornalista, deixou sua paixão platônica por Lara Croft afetar seu raciocínio – e isso fez com que ela perdesse completamente sua reputação. Gamer é fã, e fã deixa a paixão vir antes da razão. Fã tem o sonho de trabalhar na área e gosta de ser amigo de outros fãs – então acaba por virar amigo dos relações públicas das companhias.

E, por ser fã antes de profissional, deixa essa amizade interferir em seu trabalho. E não por desonestidade, mas por ingenuidade. E, por essa ingenuidade, se deixa manipular.

E então a gente passa para o outro lado do balcão e vê que a maioria do público também é fã. E vê que, apesar do jornalismo de games vender apenas paixão, o público-alvo quer exatamente isso. E depois a gente tem que se perguntar se só existe um público gamer decente na Inglaterra – afinal de contas, é o único país onde a Edge e a Retrogamer continuam sendo publicadas…