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Quando Middle-earth: Shadow of War (Terra-média: Sombras da Guerra, aqui no Brasil) foi anunciado, o primeiro sentimento foi o de lembrar das boas horas por esse universo mágico em um jogo que, após anos de títulos medianos (deixando o trocadilho de lado), conseguiu agradar pelo mix de ideias e mecânicas. O problema é a dúvida que pairava desde o anúncio e só aumentava a cada detalhe sobre o que a Monolith estava preparando de conteúdo novo para nós e o que a Warner precisava como proposta de negócio. Em 2017 vemos, nos games, o mesmo movimento que aconteceu no cinema: Peter Jackson obteve sucesso com a trilogia de O Senhor dos Anéis para colher críticas duras e inesperadas em O Hobbit. A novidade de Shadow of Mordor acabou trazendo críticas positivas em 2014, porém faz com que o excesso de liberdade que os desenvolvedores tiveram de liberdade dentro do universo criado por J. R. R. Tolkien e a necessidade em desenvolver um jogo ainda maior podem se tornar os vilões da vez.

Sem rasgar o Silmarillion

Para começar, vamos lembrar das palavras ditas por Galadriel no começo de A Sociedade do Anel: “A história virou lenda, a lenda virou mito e coisas que não deveriam ser esquecidas foram perdidas”. Ou seja, se você não for dos fãs tolkinianos mais fervorosos, pense nessa história como uma lenda que foi perdida e pode ser contada por perspectivas diferentes. Afinal, se até mesmo Tolkien ajeitou as coisas na segunda edição de Hobbit, após criar Senhor dos Anéis e tentar explicar que o anel do Gollum era o mesmo que Frodo precisaria carregar em sua missão, que mal existe em usarmos as liberdades criativas existentes e nunca antes exploradas?

As Ubisoft Towers agora contam com Palantir e o Olho de Sauron

Acredito que, entre relevar detalhes, criações e mudanças, o maior pecado em qualquer obra que adapte o trabalho de Tolkien é sempre tentar representar Sauron em sua forma corporal; pior ainda quando ele entra em ação em qualquer combate. Com certeza eu, mesmo sendo um fã, acabo torcendo o nariz para esse tipo de solução para “representar o mal”. E por quê falar sobre esses dois pontos que os jogos da franquia insistem em recorrer? Porque quando apresentaram Shelob, a aranha também conhecida como Laracna (que atacou Frodo e Sam em As Duas Torres) e a possível vilã do jogo, muitos torceram o nariz. O engraçado é perceber que a construção narrativa desse jogo, dividido em três atos (além de um quarto ato e um final alternativo), mostram o esforço da Warner em amarrar o universo dos filmes com os jogos.

A história foi construída à partir de diversas licenças poéticas do mundo criado por Tolkien, expandindo o que existe no Silmarillion. Não critique essa adaptação por saber que uma aranha preta e gigantesca foi representada como uma mulher sexy, afinal ela é descendente de Ungoliant, uma Maiar, que decidiu por vontade própria ter a forma desse inseto peçonhento ameaçador e mortal. Dessa maneira, podemos entender que Laracna tem a liberdade do seu antepassado e consegue assumir a forma que desejar. Não concorda? Claro que este não é um primor de respeito ao lore existente, mas ele tenta respeitar o que não é conhecido pela maioria do público que vai ter contato com essa obra. Afinal, se contarmos todos os que leram todas as histórias por trás do sucesso dessa franquia, com certeza teremos uma porcentagem muito menor aos que estão jogando Shadow of War por sua competência com o sistema Nemesis e sua semelhança com as séries Batman Arkham e Assassin’s Creed.

Shelob: vilã ou mocinha?

O interessante é perceber que os roteiristas escolheram Shelob como um grande e interessante recurso narrativo, levando muitos a pensarem nela como a vilã! Isso mesmo, o marketing até o lançamento criou esse falso entendimento, pois além dela sempre teremos Sauron, dessa vez representado durante o desenrolar dos conflitos pelo Rei-Bruxo de Angmar, também conhecido como um dos Nazgûl. Independente de quais personagens aparecerem, lembrem-se sempre: Mairon, Morgoth ou Annatar; todos esses são nomes do real inimigo quando pensarmos na Terra-média. Já que temos um personagem das trevas, nada melhor do que um aliado do bem: Galadriel, a Senhora de Lothlórien, terá uma representante dos elfos e a Luz de Galadriel como aliada de Talion nessa guerra. A partir desse mix de personalidades das três eras é que o plot principal foi construído e desenvolvido.

Tudo começa em Minas Ithil, que sofre o ataque das forças de Sauron em busca do Palantir, a esfera negra e vidente, que pode elevar o poder do inimigo e sua influência maligna sob homens e seres mágicos. Após o final de Shadow of Mordor, Talion e Celebrimbor criam um novo anel, o Um Anel do Poder, para tentar barrar o poder do Senhor da Escuridão, no entanto a sede pelo poder leva Laracna a tomar o anel para si. A partir de visões da aranha, os heróis possuem a missão de salvar a cidadela de Gondor do seu destino cruel. Detalhe importante: isso é apenas o primeiro ato! Sem spoilers para não estragar as surpresas, posso dizer com muita convicção que a melhor parte desse game foi resgatar detalhes do “universo expandido” de Tolkien para explicar o surgimento de Minas Morgul, um pouco mais sobre os anéis, a influência dos Valar (seres como Gandalf, Radagast e Galadriel) na Terra-média, como surgiram os os Nazgûl e a Torre Negra de Barad-dûr, aquela famosa torre com o olho de fogo que busca pelo anel que Frodo carrega durante a trilogia.

Rei Bruxo de Angmar: aquele que não pode ser vencido por nenhum homem

Entre todas as construções, apenas a criação de Cárnan, como uma força da natureza, serve apenas para, na minha opinião, justificar o aparecimento de uma outra criatura (sem spoilers), mas que não acrescenta em nada na sua busca incessante por exército. Alguns fãs comentaram sobre ela ser uma representação da esposa do Barbárvore, o Ent, que estava perdida e nunca foi encontrada. Contrapondo esse leve ponto negativo, acredito que o uso do passado de Isildur e o verdadeiro final do jogo, presente no quarto ato, com certeza são os pontos fortes e que compensam jogá-lo. Infelizmente qualquer detalhe sobre a história ou personagens, a partir do segundo ato, podem acabar estragando as poucas surpresas que aparecem durante a nossa jornada.

Avanço com esforço ou dinheiro?

E já que estamos falando em verdadeiro final, é nessa questão que mora o principal ponto negativo, mas qe pode ser ignorado por você. A Warner decidiu que os jogadores teriam à sua disposição o sistema de loot, para que qualquer combate possa trazer recompensas randômicas, porém isso deu margem para existirem as loot boxes para serem compradas e, consequentemente, facilitar o seu progresso. E como você pode fazer isso? Ao invés de subjugar os capitães e generais para montar o seu próprio exército, você pode comprar orcs e uruks para apenas ocupar o lugar dos inimigos que você matou ao invés de convertê-los.

Para chegar nesse nível de exército você vai precisar de muitas horas (ou muito dinheiro)

Além disso, os seus aliados nunca terão um nível maior que o seu, ou seja, nada melhor do que adquirir, com dinheiro real, melhorias para aumentar a quantidade de XP ganha no decorrer do jogo. Isso tudo pode ser deixado de lado se você estiver disposto a subir o nível de Talion, buscar por itens mais fortes, rankeados ao melhor estilo Destiny, com cores para suas raridades e poder, converter os inimigos, formar seu exército e atacar para libertar as outras regiões da Terra-média.

E o melhor final, que foi brilhante em conseguir unir esse jogo ao que vimos nos cinemas, só pode ser alcançado após 20 cercos. Nesse momento é que você precisará de dedicação para alcançar a melhor cutscene, mas se você não estiver disposto a gastar dinheiro ou tempo para isso, que ambos podem ser um grande investimento, o YouTube está aí para matar a sua curiosidade. O problema é perceber que o final do terceiro ato não chega aos pés da qualidade e impacto do segundo final. É vergonhoso perceber que, mesmo sem a obrigatoriedade das microtransações, as empresas estão deixando de investir apenas em boxes com itens customizáveis para comercializar elementos importantes ao progresso do jogador.

A satisfação do combate e de eliminar ou subjugar um capitão ainda é um dos pontos altos do jogo

Isso tudo pode ser resultado da busca por um jogo ainda maior e mais completo. No primeiro tínhamos apenas duas áreas, agora temos cinco territórios gigantescos; nada de espaço em branco com apenas terreno para ser percorrido, mas sim vários pontos para serem visitados em busca de atividades. Agora temos a coleta de itens históricos, missões que constróem o passado de Celebrimbor, fragmentos de memória da Laracna (ao melhor estilo Assassin’s Creed: Brotherhood), além das atividades relacionadas ao seu exército: treinar seus recrutas, missões de sobrevivência que você precisará interferir e arena de batalha.

Talion terá à sua disposição missões que precisa cumprir para melhorar seu equipamento e um pequeno glossário de atividades que precisa cumprir por simplesmente existir como desafios disponíveis para você. Isso sem contar a novidade em podermos domar e subir em um Dracon, além dos já conhecidos Caragors e Graugs, adicionando uma nova mecânica com combate pelo ar, sendo devastador para o inimigo; vá com calma, pois essa tarefa não será fácil de conseguir!

Será que Tolkien aprovaria isso? Um humano/elfo controlando um Nazgûl?

É realmente muita coisa, isso sem nem lembrar que ainda insistem em manter as já antiquadas “Ubisoft Towers”, em que você precisa escalar para ser seu checkpoint e ponto para descoberta em novos mapas. Aqui customizadas por diversos Palantir que precisam ser subjugados pelo poder élfico de Celebrimbor. Com certeza serão diversas horas para jamais reclamarem sobre falta do que fazer ou do jogo ser curto, afinal se você seguir cegamente apenas para os combates, como fiz de início no primeiro ato, você pode “investir” muito tempo de bobeira sem avançar na história. Sem a devida atenção, como aconteceu comigo, o início de Shadow of War parece até uma extensão de Sombras de Mordor, pois somente no Ato 2 é que conseguimos seguir com a proposta desse novo jogo: criar seu próprio exército de orcs.

Diversão Gondoriana

Depois de mais de 30 horas jogadas, talvez com uma história que se passa em apenas sete a dez horas, Shadow of War é um jogo divertido e pode agradar até mesmo os fãs tolkinianos mais fervorosos. Com certeza ele tem um apelo muito mais amplo para os gamers que já conhecem a fórmula que existe desde a geração passada em jogos de mundo aberto. Talvez o sistema Nemesis tenha perdido um pouco da sua imponência, pois agora não existe mais aquela dificuldade na escalada de patentes, inimigos subindo de níveis e Talion tendo muito trabalho para conquistar seu espaço. A Monolith se perdeu em colocar muito mais inimigos e vários deles com patentes a cada arbusto, para você enfrentar; é triste, pois depois de certo ponto, eu deixei de buscar orcs para interrogar a fim de descobrir pistas sobre os mais fortes. Com pouco esforço, você apenas precisa dançar conforme a música de X e Triângulos durante os combates, para sobreviver às hordas enviadas por Sauron. O medo de perder e tornar o jogo mais difícil infelizmente não existe mais!

Nada como o bom e velho Gollum para nos “ajudar” nessa aventura

Independente das facilidades, a Warner se manteve fiel ao seu trabalho com a franquia. A Terra-média ainda tem aquele visual medieval que nos conquistou e a trilha de Howard Shore é lembrada em vários momentos, com resgate dos acordes que marcaram as aventuras da Sociedade do Anel. Se juntarmos o pacote todo, Shadow of War é mais um dos lançamentos que estão marcando 2017 como um dos melhores anos para os games. Reserve um bom tempo para ele, pois vale a pena ver o desfecho da história de Talion, ainda que possa não ser o último da franquia. O que fica no ar é: será que um dia teremos outro jogo tão bom e competente como esses dois conseguiram ser para nós, fãs da mitologia de Tolkien?

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