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Houve uma época em que eu nutria uma profunda aversão a Minecraft, fruto do mais absoluto preconceito. Olhava para aqueles gráficos literalmente quadrados e não conseguia visualizar a graça que aquilo poderia despertar em alguém. Imaginava ser algum tipo de meme, algo tão tosco que acabava ganhando popularidade. Até que um camarada me deu uma licença de Minecraft e minha perspectiva mudou completamente.

Notch e sua Mojang haviam criado o jogo definitivo, uma imensa caixa de areia onde tudo era possível, limitado apenas pela imaginação do jogador, onde cada “átomo” do mundo poderia ser manipulado ao bel-prazer. Jogando Minecraft, entendi Minecraft e nunca mais larguei.

Por que começar a falar de Staxel passando primeiro por Minecraft? Porque está no seu DNA e isso não é necessariamente uma afirmação negativa. Meu primeiro contato com Staxel inclusive se deu através de um tweet de ninguém menos que o próprio Notch, que aconselhava os jogadores a ficarem de olho naquele projeto em desenvolvimento. Se o pai da criança dava sua bênção, quem somos nós para lançar acusações de clonagem ao vento?

Imagem do jogo Staxel
Pacato vilarejo onde nada acontece…

Por que também limitar Staxel ao papel de “cópia de Minecraft” seria algo cruel e preguiçoso de se dizer. O título em acesso antecipado da Plukit tem seus próprios méritos, assim como suas próprias deficiências.

Fazenda feliz

Em Staxel, tudo é fofo. Aliás, fofíssimo. Visual e conceitualmente o jogo transborda açúcar por todos os cantos. Temos aqui um universo composto de blocos coloridos, onde você cria seu personagem e tenta levar a vida mais fofa possível em uma vila desprovida de perigos e desafios mas lotada de habitantes simpáticos e harmonia. Passear pelo cenário não é muito diferente de cair em uma piscina de bolas em um parque infantil ou esparramar M&Ms pela mesa. Há cores por todo lado: flores, borboletas, casas, animais adoráveis, vizinhos sorridentes.

Imagem do jogo Staxel
(◕‿◕✿)

Staxel é tão exageradamente fofo que na primeira hora eu desconfiei fortemente que o jogo escondia algum lado obscuro, uma Vila dos Condenados, Noivas de Stepford ou algo tirado de Além da Imaginação. Isso apenas prova que consumi ficção-científica e terror demais em meus tempos de juventude, porque não há nada remotamente errado ou fora do lugar nesse lugarejo. Somente a busca pela tranquilidade.

O jogo coloca missões na sua frente para ensinar suas mecânicas, te pegando pela mão de uma forma que Minecraft nunca fez (pelo menos não em sua versão clássica no PC). Se você espera um título de sobrevivência, é melhor passar longe: não há pontos de vida ou fome ou sede. Nem inimigos. Apenas a liberdade de ir e vir e ser feliz. Você pode plantar vegetais, criar animais, construir casas para si ou para os outros, coletar insetos para vender, negociar no mercado e decorar sua residência. Assim como na verdadeira felicidade (ou Minecraft), não há um caminho ou um objetivo claro.

Há algo errado no Paraíso

Se a atmosfera de Staxel é de frescor e fantasia, o mesmo não pode ser dito de seus sistemas. Plantar e colher exigem dedicação e paciência. Construção mais ainda: para ter em mãos blocos de madeira é necessário derrubar uma árvore, catar seus pedaços manualmente, processar cada pedaço em uma máquina que fica na cidade (ou pagar uma fortuna para tê-la em casa) para virar lenha, processar cada lenha em um outro formato em outro equipamento, comprar pregos, juntar tudo em uma terceira bancada e enfim conseguir o que se queria. Nesse ponto, a obra de Notch era mais prática e direta. Há etapas demais para estruturas básicas em um jogo que apenas aparenta ser casual.

Imagem do jogo Staxel
“… trabalhava feito um burro nos campos, só via carne se roubava um frango”.

Para tudo o jogador precisa encontrar as fórmulas de construção ou conquistá-las. É mais rápido comprar o material ou objeto já pronto, mas isso implicaria um custo de capital bastante elevado. Ao trazer um protótipo de fazenda feliz, Staxel acaba oferecendo um retrato da vida: ou se trabalha duro ou se paga caro. Alguns jogadores descobriram que é mais vantajoso coletar insetos e revendê-los, o que eu acredito que não seja exatamente a proposta dos desenvolvedores. Da minha parte, encontrei um caminho ainda mais questionável: o furto.

Confrontado com a perspectiva de passar pelo enfadonho processo de fabricação de ripas de madeira para fazer um telhado para meu celeiro, empunhei meu martelo e desmontei o teto e as paredes de um vizinho. Acabou faltando material, mas o jogo considerou meu celeiro concluído mesmo assim e outro habitante da aldeia me recompensou com duas vacas. Era o início de uma vida de crimes. Ao invés de labutar para decorar minha casa, roubei tudo que queria: um computador, uma TV de tela plana, luminárias (roubadas da Prefeitura, na cara do Prefeito), móveis. Dê um sandbox para um homem e é apenas uma questão de horas para ele virar um GTA.

Roubei dinheiro das caixas registradoras também e, embora o jogo avise que isso terá consequências, até o momento, sigo impune. Infelizmente, há pouca grana para tirar daí, ainda é mais vantajoso roubar os itens diretamente. Um dos aldeões foi embora da vila e gosto de imaginar que ele partiu porque a vizinhança ficou perigosa, mas não tenho como saber se é resultado de minhas estripulias.

Imagem do jogo Staxel
Que mesa bonita que você tem na cozinha… seria uma pena se ela sumisse assim de repente, né?

Dar comida pro cachorro todos os dias? Esperar que a plantação cresça para tirar um dinheiro suado do solo? Staxel cria uma bolha ilusória de vida bucólica, mas pede empenho e oferece pouco em troca. Mas Minecraft também era assim em seus anos iniciais e foi evoluindo. Quem sabe o futuro que aguarda Staxel? Notch viu ali uma promessa. Dois anos depois, o jogo chegou ao Steam, talvez ainda antes do tempo certo para colheita. Mas eu vou continuar de olho nele.