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Eu tenho absoluta certeza que esse jogo nasceu de um trocadilho. A expressão inglesa “bite the bullet” (“morder a bala”) é intraduzível para o português, mas equivlae ao nosso “aceita que dói menos”. É a necessidade de se encarar um obstáculo de frente porque é inevitável.

Os malucos da Mega Cat Studios puxaram o sentido literal da frase para apresentar um jogo que tem cheiro de Contra, jeito retrô, mas uma mecânica inesperada: você come balas. Em Bite the Bullet, você se cura devorando seus inimigos nocauteados, se protege consumindo projéteis e, ao mesmo tempo, tem que tomar conta da dieta. Será que essa mistura funciona ou dá indigestão?

Os vivos serão devorados!

Se a desenvolvedora não sente qualquer vergonha de me sair com um trocadilho desses, quem sou eu para me segurar ao longo da análise? Então, para encarar esse jogo, é preciso estômago forte: você irá passar a jornada inteira comendo inimigos, incluindo zumbis, ratos mutantes e até robôs. Nada escapa do seu apetite e é assim que você recuperar sua vida. Ao final de cada nível, você regurgita os nutrientes e ganha pontos de experiência que serão investidos em melhorias de personagem que o tornam um devorador mais eficiente.

Bite the Bullet
Hora do churras!

É preciso dar um desconto para a premissa absurda, porque ela está muito bem inserida no tom do jogo. Bite the Bullet não se leva a sério em momento algum, está mais para um grande filme Z pós-apocalíptico, o filho bastardo de Troma com Broforce, um Brotroma, para começarmos a inventar palavras também. Admito que nem prestei atenção na trama.

Então, seu protagonista (entre várias opções que vão sendo liberadas) é geneticamente fabricado para ser um devorador. No seu caminho, passarão as figuras mais absurdas possíveis, incluindo vacas falantes, abutres gigantes, cerejas vivas que imploram para não serem comidas e outros quitutes (por que, vamos combinar, deve ser essa a visão do personagem principal). Tudo isso embalado pra viagem com apuro estético.

Bite the Bullet
Aqui não tem body shaming!

Cardápio exagerado

Infelizmente, a piada infame do título cansa depois da milésima vez que você assiste a animação de devorar, que é alguns milissegundos mais longa do que deveria. Enquanto você está ali batendo o rango, o mundo não para para te ver comendo, o que pode ser perigoso em determinadas circunstâncias. Essa situação leva a decisões táticas rápidas: devorar aquele robô desabilitado e recuperar energia, correndo o risco de perder mais do que vou ganhar, ou neutralizar todos os inimigos ao redor, com o risco do robô acordar e eu perder meu lanche?

Dependendo do que você consumir, você pode ficar com sobrepeso ou desnutrido. Um metabolismo obeso é mais lento, mas oferece melhor defesa. Um metabolismo esfaimado é mais veloz, mas queima suas reservas de calorias rápido demais. Novamente, temos decisões complexas que podem mudar o rumo do tiroteio.

Bite the Bullet
Guaraná!

No papel, essa profundidade tática parece suculenta. Na prática, a Mega Cat Studios oferece um rodízio de opções rápido demais. Perceba que Bite the Bullet é quase um curso intensivo de Vigilantes do Peso e você precisa controlar o consumo exato de gorduras, carboidratos, proteína etc enquanto toma tiro por todos os lados. Dependendo da quantidade de cada nutriente ingerido, há resultados diferentes e uma dieta balanceada é fundamental. Agora, avalie tudo isso tendo que ler quadros de calorias em tempo real com uma fonte minúscula. Vale a pena comer o zumbi ou ele irá sobrecarregar minha taxa atual de proteínas?

Cadê o sal de frutas?

Alguns inimigos são tóxicos, então, se você consumi-los, o jogo te oferece duas opções. A primeira delas é usar suas reservas de nutrientes para tentar diferentes evoluções de suas armas atuais. A segunda opção, se não tiver ou não quiser gastar os recursos, é tão somente chamar o Raul. Então, você está lutando pela sua vida, atento ao cenário, lendo letras miúdas e ainda precisa prestar atenção para ver se seu lanchinho está “estragado” ou não para não ser apresentando a uma tela desagradável.

Bite the Bullet
Saiu da jaula o monstro!

Na melhor das hipóteses, você terá uma pequena evolução do armamento. Na pior das hipóteses, uma sequência de tela para confirmar que não está interessado. Em ambos os casos, o vômito vem. Eu já falei que é quase indistinguível saber se um inimigo está “com a validade vencida” ou não?

Quando chega o momento de se comer balas literalmente, temos mais um detalhe que exige nosso foco. Você teria que ser um glutão para se dedicar a essa abundância de elementos na tela ao mesmo tempo e, no frigir dos ovos, o jogador médio irá atravessar Bite the Bullet confiando mais em seus instintos mesmo e torcendo pelo melhor.

Na hora de evoluir suas perícias, quem tiver tempo e paciência para simplesmente não comer e metralhar tudo pela frente, pode optar por construir personagens focados em dieta carnívora, vegana, robótica ou onívora, com suas respectivas vantagens e desvantagens. A rede de perícias não é nada intuitiva e se estende por quilômetros, mas é o que tem no menu. Felizmente, suas evoluções permanecem com seu personagem mesmo depois da tela de game over.

Bite the Bullet
O olho que tudo vê!

Fast-food

Os objetivos de cada mapa são variados e vão além de chegar no final do nível, o que acrescenta mais um tempero a um título que já estava apimentado demais. A impressão que se tem é que Bite the Bullet atira para todos os lados e fica com o que sobrou no chão.

Ainda assim, é um jogo divertido de se atravessar. Sua dificuldade não brota de inimigos que agem como esponjas de danos. Para ser sincero, os adversários pelo caminho são bem tranquilos (com exceção, é claro, dos chefes) e a maioria de minhas mortes aconteceu por ameaças ambientais, como cair em poços de ácido, abismos ou qualquer outra superfície hostil a minhas funções biológicas.

Visualmente, o jogador pode escolher entre um estilo synthwave moderninho que lembra demais a onda vaporwave que crassa por aí ou o tradicional retrô-nostalgia, o que também alterna a trilha sonora. Synthwave é mais criativo e o batidão realmente me turbinava a adrenalina, mas o desfoque e as cores exóticas só tornam ainda mais difícil ler o valor calórico e as constantes instruções nos níveis iniciais.

Bite the Bullet
Não, seu monitor não quebrou!

Gororoba do refeitório

O que realmente prejudica Bite the Bullet é seu excesso. Excesso de mecânicas, excesso de detalhes, excesso de bizarrices por metro quadrado, fixação na mesma piada. É o puro suco de intensidade, um estimulante eletrônico que acaba se interpondo na fluidez do que poderia ser um arcade interessantíssimo.

Os bugs são outro fator de irritação e valem uma nota de rodapé. Por exemplo, nem pense em jogar em Português: o tutorial simplesmente não avança em nosso idioma. Mudando para inglês, o tutorial destravou. Para meu espanto, a tradução não é ruim: o texto em inglês no original é confuso mesmo. No meio da partida, você pode clicar no canto errado da tela e o jogo entra em modo janela, o que irrita. A troca de armas nem sempre funciona como deveria.

Para quem não tem medo do bizarro, do arriscado, é ligado em 220v, Bite the Bullet tem potencial para divertir por várias horas, como aquele prato de self-service que você monta com acarajé, lasanha, feijoada e saladinha de pepino.

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