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O que é um homem? Uma pilha miserável de segredos? Não! É uma pilha miserável de saudosismo. Essa palavra define muito bem o jogo que falaremos aqui hoje e, se a norma culta permitisse, eu estaria repetindo ela compulsivamente em cada sentença desta análise.

Tudo começou em 2014 quando um homem chamado Koji Igarashi deixou a Konami para fazer jogos no seu próprio estúdio. Vale lembrar que essa época estava sendo bem turbulenta para a Konami, que estava deixando seus fãs, seus funcionários e até o Hideo Kojima bem insatisfeitos. Igarashi (Iga, para os íntimos) trouxe consigo um legado de metroidvanias de qualidade, afinal ele esteve envolvido na produção dos mais aclamados títulos da série Castlevania, incluindo Symphony of the Night.

Atendendo ao apelo de seus fãs, ele resolveu criar um novo metroidvania que serviria como um sucessor espiritual de Castlevania. Assim, o projeto surgiu no Kickstarter com uma singela proposta de arrecadação: 500 mil dólares. Mal ele sabia que iria arrecadar 5 milhões a mais que sua meta original e seu jogo se tornaria um dos projetos mais colaborados e bem-sucedidos da história do site.

É isso que é Bloodstained. É Castlevania, mas não é. É um jogo de orçamento milionário que mal tinha saído do papel e que foi totalmente financiado pelos fãs. Porém, uma coisa que Keiji Inafune nos ensinou é que arrecadar muita grana não garante um bom resultado final. Será que o Iga conseguiu mudar essa concepção?

Herdeira da noite

Em Bloodstained não temos uma linhagem de guerreiros que sai por aí massacrando monstros e mandando o Dracula de volta para o seu caixão, mas temos uma história igualmente sombria. A humanidade sofre com a presença de criaturas diabólicas que vagam pelo nosso mundo, uma consequência dos atos impensados de alquimistas que fundiram pessoas de carne e osso com cristais do inferno. Isso abriu portais para que os monstros invadissem o nosso mundo e criou pessoas chamadas de Fragmentários, as vítimas de suas experiências horríveis.

Descansando como uma diva enquanto salvamos o jogo.

Apenas dois Fragmentários restaram: Miriam e Gebel. Muitos anos após a grande calamidade cair sobre suas terras – quando os dois já estão adultos e sabendo lidar melhor com os poderes que os cristais lhe concedem -, Gebel acaba cedendo para as artes das trevas e planeja trazer ruína com as criaturas que o obedecem e lutam ao seu lado. Miriam é a única capaz de impedi-lo e é aqui que entramos na história.

Bloodstained possui várias particularidades que dão mais identidade ao título, então não é uma comparação eterna com o bom e velho Castlevania. Ainda assim, eu estaria mentindo se dissesse que quem jogou Castlevania: Symphony of the Night não teria domínio imediato das mecânicas do jogo. A partir do momento que se toma controle da personagem, você já saberá exatamente o que fazer.

É tudo simples, intuitivo e fácil de entender. Você apenas enfrenta inimigos e explora um mapa dividido em cenários – que com toda certeza reserva várias áreas secretas que só podem ser acessadas posteriormente, ao ganharmos certas habilidades. Até o sistema de save é nostálgico, onde só podemos salvar em determinadas salas – o caixão de Alucard foi substituído pelo sofá da Miriam, mas dá na mesma já que o intuito é o descanso -, então marque bem essas salas e salve sempre que puder, pois morrer e deixar todo o seu progresso para trás é doloroso.

Miriam conta com um arsenal vasto que vai aumentando conforme você encontra baús ou compra novos itens. Cada arma possui suas características e limitações, então você pode escolher entre armas rápidas (que causam menos dano), armas maiores que causam dano pesado (porém mais lentas de manusear) ou armas de fogo, que garantem um combate à distância. Opções não lhe faltarão e, assim como em Castlevania, conforme lutamos vamos subindo de nível e aumentando os atributos de Miriam, então quem não foge dos inimigos sempre será bem recompensado.

Miriam pode absorver cristais e ganhar novos poderes, mas tudo tem um preço…

Uma das grandes características de Bloodstained são os cristais. É possível absorver o poder de cada monstro que enfrentamos e usá-lo a nosso favor, seja em combate ou auxiliando na exploração. O drop desses cristais são aleatórios e a variedade é grande! Existem muitos poderes diferentes e todos são muito legais de se usar, facilitando bastante os combates em troca do MP da personagem. A parte ruim é que tudo que é apelão demais tem o seu preço, então você não pode carregar muitos cristais consigo para não corromper Miriam com o poder do mal.

A heroína do povo

O jogo tenta ir um pouco além da rotina de matar monstros, upar de level, explorar o mapa e procurar tesouros. Existem sidequests que lhe oferecem um desafio extra para se preocupar enquanto faz tudo isso, mas não é nada muito elaborado. Geralmente elas se resumem em matar alguns monstros específicos, encontrar algum item e coisas do tipo, mas as recompensas são sempre bem-vindas.

Miriam pode ser completamente equipada com itens cosméticos que também dão atributos. Conforme jogamos encontramos muitos acessórios e peças de roupa, o que pode dar um visual totalmente badass para sua personagem ou algo completamente cafona – mas o importante é sempre estar forte, não é?

Os outros itens que você encontra também têm a sua utilidade. Johannes, o alquimista, pode usá-los para aprimorar seus cristais e criar outros itens úteis, como poções, equipamentos e até pratos culinários. Lembrando um pouco Final Fantasy XV, aqui você dropa ingredientes que podem ser usados para fazer comidas gostosas e deixar Miriam mais forte.

Essa galera pagou pelo menos 1.500 dólares para estar nesses quadros… é sério!

Algumas estantes também escondem livros que te ensinam sequências de botões que causam ataques devastadores, quando estamos equipados com certas armas ou cristais. Dá pra ver que eles realmente capricharam bastante no gameplay e fizeram de tudo para não deixar o jogo monótono ou repetitivo. Essa já era uma característica notável de Castlevania e, mesmo que aqui não possamos nos transformar em um lobo ou em uma nuvem de veneno, a variedade de armas e poderes torna o combate difícil de botar defeito.

Mas nem tudo são rosas e Bloodstained tem alguns defeitos que são difíceis de ignorar. O pior é que quase todos estão voltados ao capricho (ou falta dele) visual do jogo, uma coisa que achei que não se repetiria após aquele show de relaxo que vimos em Mighty No. 9 e os seus 4 milhões de dólares.

O jogo de 5 milhões de dólares

 

O jogo todo é em 2.5D, mas toda aqueles personagens, monstros e backgrounds em 3D ficaram bem longe de estar em um nível aceitável. A verdade é que, tirando a protagonista e outros personagens importantes para o enredo, a impressão que fica é que todo modelo 3D ali foi feito às pressas e deixaram inacabado de algum modo. É um jogo que faturou mais de 5 milhões de dólares, então não tem desculpa para não terem caprichado MUITO mais do que poderiam nos gráficos do jogo.

Esse visual pouco atrativo tira até a graça das cutscenes. Todas elas acontecem in-game e felizmente o jogo está totalmente em português, então todos podem acompanhar a história numa boa. O problema é que eles resolveram colocar esses bonecões tridimensionais conversando durante as cenas, o que só confirma o quão feio e artificial eles ficaram, apenas abrindo e fechando a boca ao falar e olhando para um ponto fixo no espaço. Não convence em nenhum momento e torna as cutscenes chatas e esquecíveis. Poderiam muito bem só ter colocado um desenho fixo e irado para cada um, iluminando o personagem sempre que ele estivesse falando – assim não teria um resultado tão tosco como este.

Só a textura daquela pedra já prova que não estou exagerando…

Se não bastasse o visual precário, a movimentação de tudo aqui também é bem travada e estranha. Monstros, NPCs, chefes e até a própria Miriam fazem movimentos bem limitados e pouco suaves. Provavelmente só é mais uma consequência da escolha de usar modelos 3D para tudo, mas é o que há.

A trilha sonora é muito boa e remete bastante às músicas de vários Castlevanias. Temos músicas instrumentais, guitarras elétricas e até aquele órgão sinistro que sempre vai te lembrar do Dracula. Já com respeito ao nível de desafio, o jogo atende jogadores casuais até os mais hardcore, com três níveis de dificuldade que podem lhe oferecer um combate balanceado ou totalmente desvantajoso. A possibilidade de escolher a dificuldade é ótima e não afasta quem não curte passar raiva.

Bloodstained cumpre o que promete – não tão bonito e visualmente incrível como poderia ser, mas ainda está dentro do esperado. É um dos melhores metroidvanias lançados nos últimos anos e um prato cheio pra quem sente falta de um Castlevania à moda antiga e quer matar a saudade. Uma fórmula clássica que foi incrivelmente adaptada e atualizada para continuar sendo divertida, desafiadora e muito nostálgica.

Review – Unicorn Overlord

Renato Moura Jr.Renato Moura Jr.16/03/2024