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Brinquei com o Celeste desde que era apenas um jogo bem polido de Pico 8 (um console especial que roda no browser; jogue de graça aqui!). Acolhi com grande entusiasmo a notícia de que Matt e Noel tinham começado a trabalhar numa versão maior, convidando a dupla Pedro e Amora (da MiniBoss), o que completava o time do premiado Towerfall. Acompanhei cada update, entrevistei o Pedro e a Amora pro Covil e hoje finalmente terminei de escalar a montanha que eles criaram com muito, muito carinho.

Quer dizer… Agora só falta uma penca de morango, “Lado B”s e vários outros segredinhos escondidos sobre a neve.

Bastante conteúdo

Qualquer plataforma de ação criado depois de Super Meat Boy se sente quase na obrigação de entregar bastante conteúdo. E conteúdo difícil. Segundo uma conversa que tive com a Amora, Celeste foi crescendo e está sendo lançado com mais de 600 telas de sofrência. Passei pela campanha principal e alguns Lado B (mais impossíveis) e senti que o conteúdo consegue de fato gerar bastante desafio diferente, sem muita reciclagem. Celeste também se diferencia de outros jogos do gênero e apresenta sua própria dose de criatividade. Pra terminar as comparações, o jogo é difícil porém mais acessível que SMB, além de oferecer um modo assistido. Mas vamos logo falar do incomparável…

Imagem do jogo Celeste
Cara, olha essas animações!

A metáfora da montanha

A proposição narrativa de Celeste é pouco usual, ainda mais em jogos deste gênero. Desde o início, com a possibilidade da personalização do nome da protagonista (nos mesmos moldes de Link), o jogo procura nos aproximar dela, criando uma ponte entre as nossas dificuldades durante o jogo e as dificuldades de Madeleine (insira seu nome aqui) em escalar a montanha. Ao longo da história, percebemos que escalar a montanha Celeste é uma forma da protagonista enfrentar seus problemas pessoais, e portanto acabamos ambos (jogador e protagonista) recebendo alguns conselhos de NPCs – manter a calma, respirar fundo, fazer pausas – lições que servem tanto para as dificuldades do jogo quanto da vida.

“Escalar uma montanha” é uma metáfora óbvia para as dificuldades da vida; também é óbvio usar este gênero (cujo tema é pular em plataformas), pra contar essa história. Evoca também pontos da Jornada do Herói que usam essas metáforas de forma explícita… Mas aqui temos um caso em que o encontro desses “óbvios” (nunca antes agrupados) contribui para um efeito potente, que não encontrei em nenhum outro jogo. Muitas vezes me emocionei durante a jogatina, e acredito que de fato ele possa ter um potencial curativo pra muitas pessoas – sem trocadilhos com o nome da namorada do Meat Boy (Bandage Girl). 😛

Imagem do jogo Celeste
“Achei lindo! As cores são elegantes, é bem espaçoso. Imagino que deva ter dado bastante trabalho”.

Jogabilidade Pixel Perfect

Celeste tem um controle bastante afiado, e uma das vantagens do uso da pixel-arte 2D é justamente a facilidade de desenvolver colisões com “precisão do pixel”. O level design é muito bom, especialmente nas fases Lado B (hardcores). É um pouco difícil pegar o jeitão do dash, porque ele tem um deslocamento fixo que não depende do tempo que você segura o botão (diferente do pulo). Além disso, o dash também tem uma direção cravada nos 8 pontos cardeais (sem “meiúcas” entre leste e noroeste, por exemplo). Quando você aperta o botão, ele vai calcular o ponto mais próximo do seu dedão no analógico e mandar bala. Ter 8 pontos de dash já é uma vantagem em relação a Guacamelee, por exemplo, que tem só 4. Mesmo assim, isso ainda detona raivas súbitas, em especial nos momentos mais delicados que seriam facilitados por mais ângulos. De qualquer forma, tudo faz parte do design. Essa dicotomia entre o controle total sobre o pulo e o deslocamento fixo do dash te faz sentir um certo descontrole sobre a personagem. Mas acostuma. É nesse momento que o direcional digital (sem cruzinha) do Switch traz muita vantagem.

Depois eu pego aquele moranguinho…

Detalhes pra afinar

Uma outra coisa um pouco difícil de pegar o jeito é momentum. Às vezes você vai precisar saltar de objetos em movimento pra aproveitar o impulso, e é um pouco difícil de prever a hora exata porque a aceleração de cada objeto varia bastante. É fácil errar o momento do pulo – e às vezes tenho a sensação de que a impulsão ainda funciona alguns frames depois da parada do objeto. Um bug? Uma falta de afinação? Talvez valeria uma indicação visual do “momento do momentum!”, nos moldes de todas as outras excelentes indicações visuais que o jogo proporciona: cor do cabelo pra indicar que já gastou um dash, personagem piscando em vermelho pra indicar o cansaço de agarrar a parede etc. Gosto bastante dessas indicações presentes também no rumble dos controles, apesar de achar que às vezes eles tremem em excesso (a ponto de fazer as baterias dos joycons do meu Switch chiarem). Acontece só em algumas fases, um pequeno bug a ser corrigido.

Também acho que a história poderia ter menos diálogos. Isso é só um pequeno detalhe, uma vez que o jogo oferece a opção de “skip” nas cutscenes. De qualquer forma, com um proposta narrativa tão interessante você vai ter a ânsia de querer ler tudo; e sinto que nem todos os diálogos são relevantes, apesar de bem construídos.

Outra escolha que questiono é o fato de perdermos o nosso progresso na fase se quisermos sair para o mapa geral. Se você sair do jogo, ele volta no mesmo ponto de onde parou; mas ele não permite que você enfrente outros desafios enquanto não termina a fase que começou. Seria interessante poder re-entrar em fases anteriores (ou tentar atacar os Lado B) em qualquer momento, sem perder o progresso.

Imagem do jogo Celeste
Adivinha o que é esse contadorzinho aí… vai encomendando as lápides.

O que não dá pra ser melhor

Arte, trilha sonora, efeitos de som… conseguem delinear os diferentes climas da história em todo momento, ao mesmo tempo em que obedecem ao tema do intimismo e da reflexão pessoal. A trilha (maravilhosa) é muito climática, não tem medo de deixar vazar o som da manipulação dos instrumentos (o pedal do piano, a mão riscando as cordas entre acordes de guitarra etc.) imprimindo sua parte de ” humano” na experiência; a arte contribui com isso através dos lindos desenhos feitos à mão (na stylus), que pontuam cutscenes e telas de final de fase. Também não dá pra não destacar os efeitos de áudio que cuidam com muito detalhe (e amor) de cada movimentação ou toque diferenciado da personagem nos diversos objetos de cenário. Coisa fina.

Ainda sobre a arte, acho muito interessante como o jogo conseguiu misturar 3 estilos diferentes de forma harmoniosa (pixel arte, 3D na escolha de fase, desenho à mão). E mais um adendo: impossível não destacar a animação de pixel arte, que atinge aqui mais um nível no alto grau de excelência do Sr. Pedro Medeiros. Altíssimo detalhamento, sem economia de sprites e passagens perfeitas entre os diversos estados das personagens/objetos. Não dá pra não ser fã do trabalho dele: se ainda não conhece, dá uma olhada nesses gifs que solta semanalmente.

Imagem do jogo Celeste
Segredinho!

Um novo 2D-Plataforma-de-Ação-Hardcore-Predileto

Repleto de amor e atenção a detalhes, Celeste está sendo lançado para múltiplas plataformas, mas é um privilégio tê-lo aqui no meu Switch. Sentia falta desse gênero no console e acabei não gostando muito da demo de Slime San. Agora, ao lado do próprio Super Meat Boy (que também acabou de chegar), Celeste tem tudo para se transformar num dos plataformer-action-hard-mother-fucker prediletos da galera. Está totalmente preparado para competições e speedrunners, oferecendo um cronômetro impresso na tela, e anotando o tempo de compleição de cada fase de forma tão organizada como um caderno de menina. (Opa, de fato o score fica anotado no caderno da Madeleine!).

Foi muito bonito ver o crescimento desta montanha desde que o Celeste foi criado numa Game Jam. Interessante notar que todos os conceitos do Celeste de Pico 8 estão aqui presentes: um botão de dash, outro de pulo; uma tela por vez; colecionáveis que dão pontos; um único power up (exatamente o mesmo)! Mais bonito ainda é ver como aquele “joguinho da menina que muda a cor do cabelo” conseguiu criar uma história valiosa, que coloca Celeste desde já como estudo de caso obrigatório no debate sobre “sentido”em jogos de videogame.

Imagem do jogo Celeste
“O primeiro passo para a cura é confrontar o problema” (o jogo tem Português, mas o português aqui jogou em inglês).
Imagem do review de Dicefolk

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Imagem do review de Contra: Operation Galulga

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