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A desenvolvedora tcheca Amanita Design tem um curioso catálogo de adventures esquisitos, mas muito simpáticos. Em Chuchel, eles realizam sua obra mais desavergonhadamente acessível, uma coleção de vinhetas animadas protagonizadas pelo personagem homônimo, um amontoado de pelos com problemas de controle de raiva.

Mas acessível aqui não significa que os estranhos desenvolvedores abriram mão de suas sandices. Pelo contrário, o universo criado para Chuchel figura facilmente entre os mais bizarros que já emergiram de suas imaginações, com situações inusitadas e personagens que desafiam qualquer lógica, a começar pelo próprio anti-herói.

Longe se vai a coesão temática de um Machinarium (onde tudo estava relacionado a robôs e artefatos mecânicos) ou de um Botanicula (que remetia ao mundo quase microscópico de plantas e insetos). Em Chuchel, a Amanita abraça a insanidade de vez.

Imagem do jogo Chuchel
É o Pato Donald?!

Cereja do bolo

Em um enredo que mistura invasões espaciais, gigantes quase divinos, pia de banheiro (?), a própria Morte e tributos à outros jogos eletrônicos, nós acompanhamos a jornada de Chuchel, um mau humorado cidadão dessa realidade sem sentido, caçando sua cereja, furtada por mãos misteriosas. No caminho, uma ratazana que disputa o mesmo prêmio e um encadeamento de situações que não estão ali para oferecer explicações, mas para arrancar gargalhadas da plateia.

Se antes o senso de humor fora da curva dos tchecos ficava em cima do muro entre o grotesco e o fofo, em Chuchel seus desenvolvedores estão usando seu pendor para a birutice a serviço de espalhar a alegria. Cada situação inusitada está ali com um único propósito: ferrar o protagonista e provocar explosões de raiva nele e de risos em nós. É uma fórmula que já vem consagrada do Pato Donald, de muitas décadas atrás: Chuchel é o adorável ranzinza que passa por dificuldades e vai se modificando aos poucos no processo.

Essa opção explícita pela comédia e a forte campanha em redes sociais do jogo, com o personagem interagindo com o mundo real e já virando objeto de merchandising antes mesmo do lançamento, demonstram claramente o objetivo da Amanita: atingir um público mais amplo e atraí-los para sua teia exótica. E conseguem, com louvor!

Imagem do jogo Chuchel
Uma tela para iluminar seu coração!

Isso significa que a Amanita “se vendeu”? Longe disso, a criatividade e o talento permanecem intocados em Chuchel e o título foi o vencedor (merecido) do prêmio de Excelência em Artes Visuais do Independent Game Festival 2018, batendo nomes como Cuphead e Night in the Woods. Esse feito combinado com a trilha sonora sempre matadora dos colaboradores de longa data da banda DVA resultam em uma experiência única. Quem conhece o trabalho da desenvolvedora não irá se decepcionar com o novo jogo, mas ele também funciona como a perfeita porta de entrada para quem nunca ouviu falar deles.

Soltando os cachorros

Entretanto, quem espera em Chuchel a complexidade dos puzzles de um Samorost ou de um Machinarium (ou mesmo de um Botanicula), irá esbarrar aqui em um nível de desafio bastante raso. O novo título da Amanita não quer ver ninguém “empacado” e não apenas traz uma jogabilidade bastante tranquila, como ainda traz uma boa quantidade de dicas (opcionais) para todos os cenários que apresenta.

Imagem do jogo Chuchel
Como chegar na cereja?

Essa ausência de dificuldade cai como uma luva no formato narrativo utilizado, mas pode frustrar quem esperava exercitar um pouco mais a massa cinzenta. A impressão em vários momentos é estar participando de uma série de vinhetas de animação com uma leve camada de interatividade. A simpatia de Chuchel disfarça o fato que não estamos efetivamente fazendo nada em diversas partes, mas o inesperado de cada cenário serve de incentivo para prosseguir.

Quando a Amanita resolver inovar na interatividade, brotam daí as partes mais lúdicas de Chuchel, que também funcionam como uma homenagem à títulos como Flappy Bird(!), Space Invaders, Pac-Man e um Tetris muito louco. Mas, na maior parte do tempo, é apenas uma questão de saber o que clicar na ordem correta para avançar para o esquete seguinte.

Imagem do jogo Chuchel
Eu entendi essa referência!

Chuchel também carece de uma história ou atmosfera mais simbólica, como as obras anteriores da Amanita. A experiência aqui está mais próxima da gratuita Osada, do mesmo estúdio, em que cenas não conectadas se sucedem sem uma ordem natural. Chuchel apenas salta de situação em situação, em busca de sua cereja. Para mim, isso basta como mote, mas outros jogadores podem sentir falta de substância.

A Amanita estende a brincadeira por cerca de duas horas e entrega um final satisfatório, apesar dos percalços e da curtíssima duração. A impressão que fica é que a desenvolvedora testa suas águas para novos títulos ou um novo público. Da minha parte, sigo no aguardo de um eventual retorno de Chuchel, talvez em um jogo mais denso, ou talvez somente para mais uma sucessão de confusões sem sentido, mas hilárias.

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