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Não sei se é algum tipo de Ilusão de Frequência ou se é porque as crianças daquela época agora estão no fronte criativo da nossa sociedade, mas parece que o tema do momento é a nostalgia pelos anos 80. Das incontáveis séries na Netflix à adaptação do It do Stephen King, aos videogames (aproveitando para recomendar o excelente Stories Untold) parece uma tarefa fútil tentar fugir das luzes neon roxas e das referencias a De Volta para o Futuro.

Crossing Souls é o mais novo membro desse clube, mas ao contrário dos seus colegas, aqui a nostalgia não é só uma camada de pintura por cima, ela é a estrutura, a razão de existir.

Introduzindo a gangue

O próprio conceito do jogo parece saído de um filme clássico do Spielberg: um grupo de crianças encontra um artefato mágico que invariavelmente as levará a uma aventura incrível. É claro, a gangue segue a formação clássica: O protagonista atlético, o nerd com as bugigangas sci-fi, o fortão negro e cheio de atitude, a garota e o alívio cômico. A ideia é emular contos clássicos, não subvertê-los, então talvez eu esteja sendo injusto aqui, mas tantos estereótipos quase ofensivos juntos só tende a ressaltar o pior lado desses contos.

Todos nós queremos, Kevin.

Independente do fato de que você já viu esses mesmos personagens em tantas outras histórias, Crossing Souls ainda faz um trabalho excelente em reestabelecer cada um deles, o que é importante em um jogo que se apoia tão fortemente em sua história. Os momentos iniciais consistem do protagonista, Chris, recrutando o resto da gangue um a um para se reunirem numa casa na árvore, a chamado do seu irmão mais novo, Kevin (o alívio cômico).

Cada ambiente estabelece bem as respectivas personalidades: o quarto do Chris e Kevin é cheio de pôsteres e brinquedos, Math (o nerd) tem um laboratório hi-tech na garagem, Big Joe (o grandão) está ajudando a mãe a mover caixas pesadas na sua mercearia e Charlie (a garota) mora em um trailer park com o pai perpetuamente bêbado.

Mas é a parte visual do jogo, que eu considero o maior ponto forte dele, que mais faz pela caracterização. O quarto do Chris e do Kevin é um dos melhores trabalhos de pixel art que eu já vi, com um nível incrível de detalhes e personalidade fluindo de cada canto. As animações de cada personagem refletem bem o papel deles tanto na história quanto no gameplay — inclusive cada um tem uma animação especial para quando você passa alguns segundos sem dar nenhum input: Big Joe brinca com uma bola de basquete, Kevin tira meleca do nariz, etc. Mais que isso, a própria escolha de usar pixel art ao invés de algo mais detalhado reforça o tema oitentista do jogo, em um visual que me lembra vagamente os de jogos como o primeiro Mother, para o NES.

É serio, olha isso!

O poder da amizade

Porém essa caracterização incrível é desperdiçada em personagens que parecem ilhas de tanto que estão desconexos uns dos outros. Se você já assistiu E.T., Conta Comigo ou Goonies (todos óbvias inspirações aqui) pode ter percebido como a amizade entre os personagens é a “cola” que mantém a história unida. É ela que oferece um núcleo emocional, é ela que dá peso ao riscos que eles correm e quando as coisas vão por água abaixo, é por causa dela que ficamos tristes.

Já em Crossing Souls, Chris demonstra amor e irritação com o seu irmão mais novo, o que é o esperado desse tipo de relacionamento. Ele também tem uma queda pela Charlie, o que parece ser o único papel dela na história, e é isso. Tirando alguns raros momentos em que é conveniente para a narrativa fazer os personagens interagirem uns com os outros, parece que eles mal se conhecem. O relacionamento entre eles é tão frígido quanto possível antes de perder o título de “amizade”, e o investimento emocional do jogador sofre muito em consequência disso.

O jogador usa um botão para alternar entre os personagens, o que deixa o jogo meio solitário.

Em partes isso é um produto de como o gameplay funciona: o jogador pode alternar entre os cinco personagens, mas só pode controlar um de cada vez, ou seja, na maioria do tempo só tem um personagem principal na tela. Assim o desenvolvimento do relacionamento entre eles sobra para os momentos de “não-gameplay”, que na maior parte se limita somente a avançar a narrativa. Claro que essa limitação poderia ter sido contornada com escolhas criativas de design, mas infelizmente isso não aconteceu aqui.

Uma aventura pra lá de… clichê?

E quanto a história em si? Ela segue os moldes do gênero, não sendo incrivelmente interessante mas também não é terrível. Fazendo um sucinto Não Li, Não Lerei, os garotos encontram um artefato egípcio que os permite ver o mundo dos mortos e interagir com eles. Mas essa peça estava na mira de uma organização paramilitar que tem todos os clichês de vilões possíveis, e resta aos garotos proteger o artefato e a própria pele numa aventura de proporções épicas.

O artefato egípcio permite que os personagens alternem para uma dimensão onde os fantasmas andam por ai.

Pessoalmente achei a história entediante e batida, mas como a ideia é intencionalmente ecoar clichês, fica ao critério do leitor decidir o quão válida é essa crítica. Mas independente disso ela funciona para levar o jogo em direções diferentes a todo momento. Uma hora você está lutando contra fantasmas em um cemitério, na outra está pulando entre plataformas numa floresta, na outra resolvendo quebra-cabeças antigos e, quando você menos espera, está em um avião na melhor imitação de um jogo estilo bullet hell.

Na hora do vamos ver

Essas mudanças de gênero e cenário são o que faz o jogo ser relativamente engajante do começo ao fim, porque nenhum dos gêneros sozinhos funciona tão bem assim. As seções de combate são as melhores, graças às animações incríveis os golpes têm impacto, em especial o chicote da Charlie. Os inimigos são diversificados, com golpes e movimentos diferentes, de forma que cada situação exige uma certa sagacidade para entender a melhor forma de encará-la. Mas os hitboxes são estranhos e os movimentos irritantemente imprecisos, em especial a esquiva, o que torna o combate um tanto frustrante.

Cada personagem possui movimentos especiais (escalar, empurrar caixas, etc.) e um estilo de combate (ranged, tank, etc.)

Os quebra-cabecas são okay, sempre um pouco fáceis demais no estilo The Legend of Zelda, mas como um complemento à aventura eles cumprem o seu papel. O que é imperdoável são as seções de plataforma, jogadas quase sempre com o Math, que consegue planar por uns segundos com o seu jetpack. A perspectiva do jogo faz com que seja ridiculamente difícil ter um senso de profundidade ou distinguir os diversos tipos de superfície. Conforme o jogo vai progredindo esses momentos vão ficando cada vez mais difíceis, e o único sentimento que cresce junto é o de frustração.

Preso no passado

Por último, vale mencionar o número absurdo de referências que o jogo faz. Esse é o tipo de obra que simplesmente não vai fazer sentido nenhum para alguém desconectado da cultura pop, já que tudo, desde o design dos personagens, passando pelas estruturas de certas fases e até os detalhes nos cenários é feito como referência a algo, seja ou não dos anos 80. Se você é do tipo de pessoa que morre de rir toda vez que ouve alguém repetindo um bordão famoso, então deve passar longe de Crossing Souls sob o risco de ter um AVC.

No slipy till Brooklin

Mas isso é a consequência lógica de um jogo cuja premissa é emular um formato clássico e serve para mostrar o comprometimento dos desenvolvedores para com essa fundação. Não há como negar que Crossing Souls tem atitude, com o seu visual incrível e trilha sonora fortemente inspirada pelas composições clássicas do John Williams.

Se apesar da saturação atual você ainda anseia por uma dose de nostalgia oitentista, não há nada mais forte por aí. É uma pena que por baixo das referências e da apresentação impecável não existe muita substância, assim o sentimento final acaba sendo o de uma oportunidade desperdiçada.

71 %


Prós:

🔺 Pixel art detalhada
🔺 Animações incríveis
🔺 Trilha sonora nostálgica

Contras:

🔻 História branda
🔻 Gameplay impreciso

Ficha Técnica:

Lançamento: 13/02/18
Desenvolvedora: Fourattic
Distribuidora: Devolver Digital
Plataformas: PC, PS4, PS Vita
Testado no: PC

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