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Em 1969, o Homem pisou pela primeira vez na superfície da Lua. Uma de minhas grandes frustrações foi ter nascido tarde demais para ver esse momento histórico. E, hoje em dia, deixamos a Lua para lá.

Cinquenta anos depois desse grande passo para a Humanidade, Deliver Us the Moon cumpre o que promete em seu título e entrega a Lua para a gente, ainda que na imaginação. O resultado é uma aventura inesquecível por um futuro de cair o queixo, conduzida por um mistério que dá gosto desvendar e uma jogabilidade que não frustra, mas tampouco nos adula.

A energia que veio do espaço

Em Deliver Us the Moon, uma crise global de energia atingiu a Terra. A Humanidade exigiu demais de seu planeta e agora está acuada em um canto. Felizmente, cientistas descobriram uma forma de extrair energia em estado puro da Lua e transmiti-la para a Terra. Para explorar essa alternativa, foi formado um esforço coletivo, uma World Space Agency para colonizar e minerar nosso satélite natural.

Deliver Us the Moon
Partiu!

Uma rede de energia conhecida como WPT pega a energia de um reator de Helio-3 instalado na Lua e repassa para a Terra. Tudo parecia resolvido, exceto que as condições ambientais na Terra continuavam deteriorando: tempestades colossais de areia, escassez dos recursos hídricos, clima imprevisível. E, então, sem aviso prévio, a Lua apagou. O sistema WPT parou de funcionar e ninguém na colônia lunar respondia aos chamados do planeta natal.

Cinco anos se passaram até que uma missão espacial foi organizada de forma improvisada para enviar uma pessoa, um único astronauta, de volta para a Lua. Sua missão: descobrir o que aconteceu com a colônia, reativar o WPT, salvar a Terra. Essa é a missão do jogador.

Deliver Us the Moon
Todos à bordo! Chu-Chu!

De imediato, já no texto de abertura, Deliver Us the Moon nos revela uma de suas poucas falhas: a premissa é extremamente questionável do ponto de vista científico. É necessário acreditar que uma única usina, na Lua, não só é capaz de suprir as necessidades energéticas de uma civilização inteira como também é capaz de enviar essa energia em estado bruto através do espaço, sem fio, continuamente. E mais: essa energia é essencial para que a Humanidade tenha alguma chance de reverter o cataclismo climático, que me parece irreversível na forma como é apresentado.

Porém, se entregando à suspensão da descrença, o que temos aqui é uma obra que mistura com maestria o clima de desespero (e exagero pouco científico) de um “Sunshine – Ameaça Solar”, com o sistema de investigação de Tacoma, puzzles que remetem a Portal e paisagens e cenas de tirar o fôlego.

Deliver Us the Moon
Contemplem o único puzzle que irrita no jogo.

Banho de Lua

O foco de Deliver Us the Moon, felizmente, não está nos meandros técnicos de seu universo. Sabemos apenas o necessário para operar dentro dele. Essa fusão entre contexto e mecânicas é brilhantemente executada em seus desafios: em nenhum momento, os puzzles quebram a lógica do jogo ou exigem uma extrapolação ousada do ambiente. Cada etapa flui de forma bastante orgânica, até mesmo em enigmas que exigem diversas etapas para serem superados.

Esse cuidado em não atrapalhar a imersão, em não exigir do jogador um raciocínio bizarro tão comum em adventures, se reflete também no layout dos mapas. O que temos aqui são ambientes que visivelmente foram feitos para uma função: abrigar colonos, administrar serviços, não labirintos forjados para um jogo. Com dicas sutis de luz e câmera, a desenvolvedora KeokeN Interactive nos mostra para onde ir, sem pegar em nossa mão ou colocar setas no mapa. É um talento que me remeteu aos bons tempos da Valve e a forma como a gente navegava nos níveis de Portal, Half-Life ou mesmo Left 4 Dead, sem se sentir perdido.

Deliver Us the Moon
Que mané, Mako, o quê!

Em nossa jornada, cuidaremos do lançamento do foguete, visitaremos uma estação espacial em órbita da lua, exploraremos cada um dos complexos lunares em solo. O passeio é linear, mas entremeado de mudanças de jogabilidade que não deixam o ritmo cair. Ora pilotamos um veículo sobre rodas, ora estamos em um monotrilho, caminhando em baixa gravidade, controlando um drone para resolver desafios, saltando plataformas, escapando de forma sorrateira de ameaças. Deliver Us the Moon foge do infeliz estigma dos walking simulator e adiciona muitas mecânicas, todas bastante satisfatórias.

O fruto desse cuidado é uma jogabilidade que não entra em conflito com a história, mas que se casa com ela e nos ajuda na imersão: não era raro me ver jogando por mais de uma hora sem ter qualquer noção do tempo que passou, sentindo a palpabilidade dessa grande jornada humana de estar na Lua.

O impacto de “estar presente” nesse futuro imaginário é facilitado por gráficos fantásticos, que trazem à vida os mais ricos sonhos de exploração lunar. A trilha sonora também dá sua contribuição, com temas eletrônicos que remetem ao cinema de ficção-científica dos anos 70 e colocariam um sorriso no rosto de Stanley Kubrick.

Deliver Us the Moon
Lua não é lugar pra criança…

Chuva de prata

Como toda boa história de ficção-científica, Deliver Us the Moon é sobre pessoas, pessoas em condições extremas tomando decisões que ninguém nunca teve que tomar antes. A KeokeN Interactive entende do riscado e utiliza recursos narrativos que remetem a Tacoma: você reconstrói os eventos que provocaram o apagão na Lua a partir de pistas nos cenários e, principalmente, registros visuais e sonoros deixados no mapa. Porém, com todo um arsenal de jogabilidade na sua manga, eles não se aprofundam nessas ferramentas em específico e não há nada errado nisso.

O enredo do que aconteceu cinco anos no passado vai angustiando o jogador e dando um ar de urgência à aventura. A partir de determinado ponto, eu já não me importava tanto com a Terra, mas sim com os habitantes da Lua, aquele punhado de pioneiros que estabeleceu um lar no pior ambiente possível e foi forçado a reagir a condições fora do normal. Uma reviravolta na trama torna a jornada do protagonista ainda mais pessoal e a trama do WPT, a falha trama do WPT, cede lugar a um forte elemento humano.

Deliver Us the Moon
O discurso que muda tudo.

Cabe aqui um parêntese: esse ápice da narrativa marcava o “final” do jogo em seu lançamento  inicial em setembro de 2018. A KeokeN Interactive cometeu um erro grave, liberando Deliver Us the Moon para a venda sem uma conclusão, com um encerramento abrupto e sem avisar seus compradores. O que era uma aventura fantástica, para muitos se tornou uma decepção. Sem financiamento para completar a história que pretendia contar, a desenvolvedora optou por terminar o enredo em um DLC posterior, se fosse possível. Um aporte da produtora Wired Productions salvou o jogo e a versão que existe hoje para venda é a versão completa, com o final que o jogo merecia.

Essa pausa involuntária de mais de um ano valeu a pena: a arrancada final de Deliver Us the Moon não apenas traz dois dos melhores puzzles do jogo inteiro como também adiciona uma sequência de ação eletrizante e uma conclusão de arrepiar. É impossível permanecer intocado pela forma como essa jornada finalmente termina.

No fundo, não era sobre a Lua, não era sobre bizarras formas de energia, não era sobre o espaço e seus desafios, mas um jogo sobre pessoas no seu limite, fazendo o que acreditam ser o certo, não importando o preço.

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