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“Não é apenas mais um Dynasty Warriors com uma carinha de Dragon Quest.” Foi a primeira coisa que pensei quando comecei a jogar esse jogo. Ao contrário de Hyrule Warriors, baseado unicamente em devastar exércitos numerosos com personagens e em cenários da série Zelda, minha primeira impressão foi que Dragon Quest Heroes II é um Dragon Quest com elementos de Dynasty Warriors. Será?

Historinha mixuruca

A Omega Force vem se especializando em fazer crossovers de sua principal franquia baseados em universos principalmente de mangás/animês (Gundam, One Piece, Hokuto no Ken, Berserk). Quando se pega uma história já consolidada e conhecida pelo público, como a de Hokuto no Ken, por exemplo, fica fácil transcrever a narrativa para o jogo, conduzindo o jogador por uma sequência de eventos e batalhas familiares e contextualizadas. No caso de Dragon Quest Heroes II, não se tomou nenhuma história anterior da série Dragon Quest como suporte para a narrativa.

Ao contrário do que eu imaginava (provavelmente por não ter jogado o primeiro Dragon Quest Heroes), o jogo também é um Musō com elementos de RPG. Não é um Dragon Quest com elementos de Dynasty Warriors, o que é algo problemático. O que se fez foi criar uma historinha bem mixuruca que é contada com algumas forçadas de barra, clichês e aparições ex machina nada surpreendentes de vários personagens de diversos jogos da série.

O filósofo Carver de DQVI sintetizou Dragon Quest Heroes II em poucas palavras

Parece ser uma nova tendência esse lance de pegar personagens de universos diferentes e fazê-los surgir em um mesmo mundo, trazidos de sua terra natal por alguma força sobrenatural que dispensa apresentações. Talvez seja influência da bendita saga Guerras Secretas (1984, nos EUA e 1986, no Brasil), quando o Beyonder juntou heróis e vilões do universo Marvel em um planetoide para ver quem levaria a melhor. Desde então, essas sagas sem pé nem cabeça se repetiram incansavelmente nos gibis, e parece estar se tornando frequente nos games também, com coisas como Jump Superstars, Neo Geo Ultimate Shooting, J-Stars Victory e mais recentemente o Dragon Quest Heroes II. Eu não me incomodo nem um pouco com um jogo que junte um bololô de personagens de universos diferentes quando há um roteiro interessante por trás – o que não é o caso aqui, infelizmente -, ou quando o gênero do jogo prescinde de roteiro, como nos jogos de pancadaria pura, navinha ou fan service puro (Project X Zone).

Tem menos grinding que Dragon Quest, mas tem

Ranzinzice à parte, é divertido sair pelo mundo de Dragon Quest Heroes II distribuindo pancada em monstrinhos inocentes que muitas vezes estão apenas deitados no chão dormindo. Para isso, cada um dos personagens tem um leque de opções de ataque baseados na arma que empunham e o seu personagem principal pode usar alguns tipos diferentes de armas de acordo com a “vocação” (guerreiro, mago, etc) que você escolher para ele (Lazarel) ou ela (Teresa). Além disso, é possível ir aprendendo ataques especiais e magias conforme o personagem vai subindo de nível e obtendo skill points, que podem ser usados para melhorar atributos ou aprender novas técnicas e magias.

Falar em subir de nível em um contexto de Dragon Quest levará os mais velhinhos àquela época em que quando o personagem atravessava uma ponte no mapa, fatalmente encontraria monstros muito mais fortes do que os anteriores em batalhas aleatórias que na maioria das vezes resultaria em morte instantânea e game over. Sim, Dragon Quest nasceu assim, lá em 1986 (Dragon Quest Heroes II comemora os 30 anos da série), e ensinava aos jovenzinhos que seria necessário fazer uma coisa que veio a se chamar posteriormente de grinding no dicionário do jogador de RPG.

Mas onde está o grinding neste game? “Ah, não existe mais isso!”, dirá o incauto jogador. A verdade é que o grinding está disfarçado de diversas maneiras nessa jornada, sob a forma de quests a serem recebidas na cidade, que o fazem ir para o mundo selvagem atrás de itens, ou para matar monstrinhos, ou mesmo para procurar crianças que foram brincar de esconde-esconde nas pirâmides de Dunisia. Cumprindo as pequenas quests, você vai ganhando experiência e juntando itens e equipamentos melhores, sem perceber que está “grindando”. Além disso, após certas batalhas, é possível retornar para os cenários a fim de lutar gratuitamente em situações livres de contexto, e os mapas sempre estão cheios de monstrinhos fofinhos pedindo para morrer em troca de XP.

Patrulhando o pasto. Uau.

Agora tem multiplayer

A principal modalidade de grinding disfarçada de feature que vejo, porém, são os novos modos multiplayer (Dragon Quest Heroes era somente single player). Agora é possível jogar com amigos ou desconhecidos online, de diversas formas. Uma delas é oferecer ajuda para quem está enfrentando batalhas que você já superou, neste caso, você seleciona somente um personagem e vai batalhar ao lado de quem pediu ajuda. Outra possibilidade é chamar três pessoas ou aceitar o chamado de alguém para enfrentarem uma pequena dungeon, que não oferece muito mais do que o prazer de se enfrentar uma pequena dungeon, a meu ver, para além de ganhar experiência. Outra possibilidade de multiplayer é pedir ajuda para enfrentar alguma batalha. Como sou besta, jamais pedi ajuda e preferi morrer a superar sozinho um desafio.

Por falar em prazer, o grande atrativo deste jogo é o fan service, trazendo personagens carismáticos dos jogos da série para que o jogador possa brincar com eles em toda a glória do traço de Akira Toriyama, o que é algo negativo. Sim, o grande atrativo de um jogo sempre deveria ser o jogar! Se o maior atrativo não é o jogar, como é jogar Dragon Quest Heroes II?

Agora ficou pequeno!

Purpurina mortal

O jogo começa bem devagar, com alguma exploraçãozinha aqui ou ali, com a tênue historinha lutando para se desenvolver. Só depois de muitas horas de jogo é que a história começa a andar e o jogador passa a sentir que o jogo tem alguma direção, tudo girando em torno de uma certa profecia e de reinos batalhando um contra o outro através das maquinações de um vidente misterioso. Para desenrolar a história, o jogo propõe bloqueios literais através de barreiras mágicas que impedem o avanço a menos que o jogador destrua o(s) monstro(s) pré-determinados. Sim, não se trata de mundo aberto a priori como visto em Breath of the Wild, o mundo vai se abrindo de acordo com certas batalhas.

Batalhar os monstros envolve abater hordas intermináveis de monstrinhos menores, alguns médios, poucos grandes e, em certos momentos, um ou outro monstrinho da estatura de um Godzilla. Para enfrentar tamanhos desafios, a estratégia acaba sendo uma só: usar personagens com ataques de longa distância para enfraquecer os inimigos e depois partir para a trocação com seu personagem predileto com ataques a curta distância, até que se encha a barra de tensão. Por quê? Porque com a barra de tensão cheia, você pode disparar um momento purpurina que deixa seu personagem invulnerável, podendo lançar mão de ataques especiais e magias sem custo de MP, para finalizar com o chamado coup-de-grace, que é um devastador ataque bem ao estilo das Guardian Forces e assemelhados da série Final Fantasy.

Acho que entrou uma purpurina no meu olho…

Chega uma hora que o jogador percebe estar eternamente fazendo isso: cacetear monstros para encher a barra, usar a barra, cacetear monstros para encher a barra de novo. É engraçado que nas batalhas eu raramente me preocupo em matar os monstrinhos menores, eles estão lá apenas para serem combados para encherem a minha tensão para eu poder atacar os monstros fortões. É uma proposta de gameplay bastante repetitiva, embora aderente.

Manter a boca fechada

O desafio principal do jogo está justamente no aspecto Dynasty Warriors. Em certos momentos, há batalhas campais acontecendo entre reinos, e a equipe de heróis deve seguir as ordens de algum rei para essencialmente duas missões: proteger algum personagem, impedindo que seja morto ou derrotar alguns inimigos específicos.

Quando não é necessário proteger ninguém, a dificuldade resume-se a descer a lenha em centenas de monstrinhos, daquela forma cíclica já comentada. Algumas vezes, aparecem os Mawkeepers, que mantêm portais trazendo monstrinhos sei lá de onde, e nesse caso é preciso matar o Mawkeeper (literalmente: o protetor da boca) para fechar o portal. O bicho pega mesmo quando é preciso proteger algum personagem e há muitos Mawkeepers no terreno. Neste caso, é preciso traçar uma estratégia de combate prevendo a ordem de suas ações para que no final seu protegido permaneça vivo, e nem sempre é trivial conceber essa estratégia, o que dá um sabor diferente e muito bem-vindo ao jogo.

Esqueci de comentar: agora também dá pra virar monstrinho!

Dragon Quest é para quem?

A grande interrogação que me resta após dezenas de horas de jogo é a seguinte: para quem é este jogo, afinal? Para os fãs de Dragon Quest? Fora a casca, tem pouco de Dragon Quest… Para os fãs de Dynasty Warriors? Há muitas opções melhores de Dynasty Warriors já lançadas… Para os fãs de ambos? Não sei, talvez o jogo seja mais decepcionante especialmente para eles, por não ser nem exatamente uma coisa e nem outra. Da minha parte, creio que o jogo tem certa variação de estilos de luta e de contextos de batalha que poderiam ser melhor exploradas se o design geral do jogo não fosse fortemente baseado na repetição, e essa repetição aponta para uma opção voluntária dos desenvolvedores por encher linguiça em um jogo mirado nos fãs ao invés de gastar energia em conteúdo de qualidade.

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