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Que jogo estranho que Fable III é. Seria fácil presumir que nessa continuação a Lionhead iria tentar consertar os problemas de Fable II, ao mesmo tempo aprimorando suas qualidades. Entretanto, as ideias e mecânicas quebradas do segundo jogo parecem estar piores, enquanto as melhorias referem-se largamente a novos pontos, com os antigos, apesar de positivos, sendo deixados intactos. O resultado é um título inconsistente, em que é fácil identificar defeitos e características que mereciam um maior polimento. Apesar disso, aquilo que a Lionhead conseguiu executar com habilidade está muito bom, em especial a questão das escolhas morais, que pela primeira vez na série deixam de ser, na maior parte do tempo, maniqueistas. Trata-se de um título que gostei imensamente, mesmo reconhecendo todos os seus tropeços.

Fable III nos coloca na pela do filho(a) do herói(na) do segundo título. Nenhuma nova ameça assolou Albion após a Spire, mas os tempos não são de paz. Seu irmão mais velho, e atualmente rei, tem pouco a pouco se transformado em um tirano, e suas ações são cada vez mais questionáveis. Eventualmente, você e algumas pessoas próximas decidem que a situação tem de mudar, e fogem do castelo para começarem a planejar uma revolução com o objetivo de destronar seu irmão.

Se você apenas observasse alguns momentos de Fable III, seria difícil distingui-lo de Fable II. O combate permanece praticamente idêntico, ainda sendo possível trocar entre armas de corpo-a-corpo, de longa distância e magia facilmente. A diferença mais notável é que ele é agora ainda menos desafiador do que era antes. Atacar repetidamente ainda é garantia de vitória, independente da arma que estiver sendo usada. As magias, por sua vez, estão ainda mais fortes, terminando qualquer combate sem que você nem tenha que se mexer.

Em todos os momentos você estará sendo acompanhado por seu cachorro que continua tendo a mesma utilidade de antes. Ele latirá quando detectar tesouros ou locais que podem ser cavados, e ajudará um pouco nas lutas. É só uma pena que dessa vez seu papel seja o de preencher uma mecânica, sem nenhuma relevância na trama ou ao personagem. Ele não tem participação nos eventos, o que fez com eu não conseguisse me importar com ele, diferente do que aconteceu com o cão de Fable II.

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Outra aspecto que remete diretamente a Fable II é a quantidade grande de pequenos defeitos que podem ser encontrados por Albion. A trilha de farelos que indica a direção dos objetivos está, se é que isso é possível, mais quebrada do que era antes. Ao invés de apenas desaparecer como já acontecia, houve momentos em que ela seguia por direções impossíveis de serem alcançadas pelo personagem, uma vez chegando ao ponto de simplesmente virar noventa graus e subir em direção ao céu. A taxa de quadros é inconstante, com quedas frequentes até mesmo fora dos momentos de jogabilidade. E, na minha experiência, bugs maiores e mais prejudiciais fizeram aparições. O pior dos casos comigo aconteceu após escolher a opção de viajar rapidamente até uma cidade. Quando o jogo terminou de carregar, meu personagem passou através do chão, caindo infinitamente. Desligar e religar não resolveu o problema, pois Fable III salva automaticamente com frequência, o que me fez pensar que teria perdido todo meu progresso. Felizmente, após alguns minutos de queda livre, eventualmente o personagem reapareceu no céu e pousou levemente no chão, dessa vez firme, e nenhum outro problema dessa magnitude aconteceu novamente.

Sei o que você deve estar pensando – eu disse que gostei de Fable III, e tudo que fiz até agora foi mencionar seus problemas e aquilo que não foi mudado em relação ao seu predecessor. Infelizmente isso é uma inevitabilidade, porque seus problemas são claros e aparentes, muito mais do que deveriam ser. Mas aqui que começo a falar sobre o que o jogo faz bem, em uma lista igualmente longa, porém de maior impacto do que a anterior.

Primeiramente, seu personagem agora tem voz. Por causa disso, ele é muito mais participativo, parecendo ser mais integral ao desenrolar dos eventos. A Lionhead conseguiu criar um equilíbrio perfeito entre fazer com que ele tenha uma base de personalidade, ao mesmo tempo em que, nos pontos que mais importam, continua sendo uma folha em branco, na qual podemos desenhar ao nosso bel prazer. Ao invés de só murmurar e resmungar como antes, a participação dele faz com que seja mais fácil de nos identificarmos com o avatar que controlamos, sem que seja retirado de nós a habilidade escolhermos nossos próprios caminhos.

Essa filosofia de misturar o melhor de dois mundos aparece em outros locais também. Por exemplo, se você assim quiser, ainda é possível ter esposas e filhos por todos os quatro cantos de Albion. Ao mesmo tempo, há pela primeira vez uma personagem relacionada à história e ao personagem que pode vir a ser seu par amoroso. Por ela ter uma personalidade e participar em certos pontos da trama, foi possível com que eu me importasse com ela, diferente do que aconteceu em Fable II, em que perder meus familiares nada representou para mim. O interessante é que essas duas opções existem em harmonia, permitindo que você jogue da maneira que preferir.

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Além desse par amoroso, todos os outros personagens únicos e integrais ao desenrolar dos eventos que o acompanham são interessantes e bem desenvolvidos. Eles são mais numerosos, o que retira a sensação de estarmos vagando por um mundo de marionetes sem almas. Algo que ajuda a trazer essas figuras à vida é o trabalho de atuação absolutamente incrível e impecável, presente do início ao fim em Fable III. Os atores (e com certeza sua direção) são fantásticos e críveis, e os textos são muito bem escritos e engraçados.

Uma característica que certamente não foi vista em outros jogos e é estranha inicialmente, é a interface que a Lionhead decidiu usar. Basicamente, não existem menus. Quando apertamos start somos levados a uma sala, e dentro desse lugar devemos caminhar até às opções desejadas. Por exemplo, se quisermos mudar de arma temos de caminhar até a sala correspondente, para então vermos nossos equipamentos dispostos em uma das paredes. O mesmo se dá com roupas, magias etc. Nem mesmo para o mapa existe um atalho; é sempre preciso caminhar até uma maquete no centro de uma das salas para então visualizarmos o local desejado.

A maior estranheza desse sisteme é que não há como vermos que itens carregamos, como poções, alimentos e presentes. Seu uso é sempre contextual. Então, se em uma luta estamos fracos, um atalho para o uso de uma poção aparecerá caso tenhamos um desses itens à disposição. Esse, na verdade, é também o único jeito de se saber se estamos fracos, já que a interface é completamente limpa, sem nos mostrar nossa barra de vida.

Isso poderia ser facilmente frustrante, mas Fable III escapa disso por ser um jogo bem fácil. Por causa disso, não enxergar uma barra de vida é quase inconsequente, já que as chances são de que você nunca morrerá – e mesmo que isso aconteça não há consequências fora perder uma conquista. A ausência de menus foi algo que me estranhou muito inicialmente, mas em pouco tempo eu havia me acostumado e não senti falta do modelo mais tradicional. Não estou dizendo que esse é preferível ao que estamos acostumados a ver, mas o fato é que em Fable III ele funciona bem e sem problemas. E certamente evita a miríade de menus, dentro de menus, dentro de menus, existentes em Fable II.

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Essas são todas mudanças e decisões de design interessantes, mas definitivamente é na questão das escolhas morais que o jogo brilha. Fable foi provavelmente minha primeira experiência com um jogo que dava tanta ênfase a decisões de cunho moral, e é certamente um dos que mais mal executou tal característica. Os caminhos eram sempre óbvios e seguir por um deles era questão de capricho. Não havia nada que o fizesse realmente pensar sobre as diferentes possibilidades, para então seguir a que parecesse mais correta (ou incorreta, dependendo da maneira que você prefere jogar). Mais do que isso, a questão entre bem e mal eram diretas e simplistas, sem explorar o meio termo cinza, dentro do qual é difícil definir com precisão o que é moralmente reprovável e aceitável. Fable II, por todas as suas qualidades, cometeu os mesmos tropeções, e a série acabou por ser muito superada nesse aspecto por outros títulos como Dragon Age: Origins e Mass Effect.

Felizmente, em sua terceira chance a Lionhead finalmente acertou. Isso não quer dizer que não há momentos de maniqueísmo; reforme um orfanato e você será bom, transforme-o em uma casa de prostituição e será mal. Essas escolhas mais simples, porém, são mais raras. Na maior parte das vezes, as questões que são colocadas em seu colo não têm resposta clara, ou uma que seja obviamente boa ou má. Em específico, após sua ascensão ao trono você deverá decidir se manterá as promessas que fez em sua jornada e, acredite, optar ou não por cumpri-las nunca é simples. Fable III mostra que às vezes você precisa ser mal para fazer coisas boas, e o fará questionar mais de uma vez se os fins justificam os meios.

É só uma pena que a tensão que vai crescendo e sendo acumulada não tem uma conclusão da mesma proporção. O final é súbito e menos impactante do que poderia ser, mas não é decepcionante o suficiente para retirar o significado daquilo que há pouco havia acontecido. Por último, existem eventos perto do fim que são inevitáveis, e acontecem de acordo com sua progressão na trama. No entanto, apesar de uma espécie de contador ser mostrado, o jogo não indica direito quando que ele irá se esgotar, e encontrar-se abruptamente sem tempo, sem ter se preparado propriamente, pode ser um tanto frustrante, especialmente levando em conta que isso afetará todo o seu final.

Eu reconheço absolutamente todos os defeitos de Fable III. Mecanicamente, existem diversas coisas que não funcionam como deveriam ou que simplesmente estão quebradas. O combate continua sendo mal explorado e simples, e algumas ideias que a Lionhead insiste em implementar deveriam simplesmente ser deixadas de fora. Entretanto, as coisas que Fable III faz direito me marcaram muito mais do que seus defeitos, ao ponto que de, ao fim, lembro-me muito mais claramente do que era positivo ao invés do negativo. A atmosfera única de Albion está de volta, melhor do que jamais foi, as escolhas morais finalmente têm peso e os outros personagens que habitam esse mundo são interessantes e bem desenvolvidos. Fable III certamente não é um jogo perfeito, mas trata-se de um pelo qual vale a pena suportar imperfeições.

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