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Flipping Death, desenvolvido e distribuído pela sueca Zoink!, de Stick It To The Man!, traz mecânicas similares ao seu antecessor, tal como a habilidade de ler as mentes de outros personagens, além de uma direção de arte reconhecível e conexões na trama. Mesclando um platformer bem simples com elementos de puzzle e exploração, o jogo traz novos desafios a cada capítulo. Progressivamente, ficam mais engenhosos e, mesmo não sendo extremamente desafiadores (especialmente no simples capítulo final), testam a memória dos jogadores. Os elementos de plataforma, entretanto, se revelam limitados. Mas, antes de detalhar tudo isso, vamos voltar a um dos elementos de destaque do jogo: a história.

Morrendo e aprendendo

A primeira tela de loading traz um narrador irônico, introduzindo com humor a protagonista Penny Doewood, cujo sobrenome é o mesmo do protagonista do trabalho prévio da desenvolvedora. Logo em seguida, vemos a personagem perdendo seu emprego em uma casa funerária, após se vestir de Ceifadora e assustar uma transeunte. Saindo com seu namorado ao fim da noite, bate o carro que está dirigindo em uma árvore, fazendo com que caminhem a pé. Ao longo do caminho, encontram um mausoléu, que Penny sugere adentrar, para a desaprovação do seu parceiro. Ao botar os pés no local, cai em um abismo, eventualmente batendo de costas em uma pedra, quebrando sua coluna e assim morrendo.

Penny, no mundo dos mortos, encontra a própria Morte. O Ceifador está cansado de seu trabalho, após praticamente uma eternidade. Confundindo Penny com seu substituto temporário (devido à sua vestimenta de ceifadora), entrega rapidamente sua foice e seu fardo para a recém-falecida, indo tirar férias na lua (como o narrador sugere depois, é um local onde ninguém morreu…ainda). Precocemente, a protagonista precisa lidar com os mortos da cidadezinha de Flatwood Peaks e seus problemas, usando sua foice para explorar o mundo dos mortos e seus poderes de possessão para investigar o mundo dos vivos.

Imagem do jogo Flipping Death
A coleta de fantasminhas é simples, porém repetitiva.

Referente ao elemento de platforming, a foice pode ser atirada em qualquer superfície sólida, podendo ser recuperada a qualquer momento ao toque do botão L2. Lembra um pouco o machado de Kratos no novo God of War, porém num plano 2D. Diferente do grego barbudo, no entanto, Penny também pode se teleportar até a foice, com o uso do R2. Isso pode ser usado para alcançar plataformas distantes, que o pulo normal com o botão X não alcança, atirando e fincando a foice em tais plataformas, e se teleportando até elas.

Outro elemento principal na jogabilidade é a possessão dos personagens no mundo dos vivos. Para realizar essa ação, Penny precisa de um número de fantasminhas. Dependendo da importância do alvo para a missão, os fantasmas são menos fáceis de coletar. Os mais simples simplesmente voam pelas fases, reaparecendo pouco tempo após serem coletados. Outros mais raros são coletados a partir de desafios baseados em tempo e platforming. Feito isso, a possessão pode ser realizada. Enquanto no lado dos mortos você consegue ver as silhuetas de todos os personagens vivos, ao possuí-los o plano 2D do cenário se inverte, trocando o ângulo de visão para o outro lado. Então, por exemplo, o que se encontra à direita no mapa do mundo dos mortos se encontrará à esquerda no mundo dos vivos.

Imagem do jogo Flipping Death
Silhuetas da vida através da morte.

Ao possuir um personagem, seus pensamentos podem ser lidos com o uso do botão L1 (com direto a diálogos entre Penny e os personagens, que geralmente interpretam suas falas como o “subconsciente”) e seus movimentos controlados. Quase todos os personagens possuem ações específicas, que podem ser utilizadas com o R2, o analógico direito e os direcionais, dependendo do caso. O elenco é diverso, com loucos que se acham super-heróis (Poke-Man com sua cutucada da justiça), uma baleia e até uma sereia. E se alguém já tiver jogado o trabalho prévio da desenvolvedora Zoink!, Stick It To The Man!, vai ficar feliz com as referências e conexões presentes em Flipping Death.

Ossos do ofício

Cada capítulo da história traz um espírito principal cujos problemas a novata ceifadora terá que resolver. Para atingir os objetivos, diversos personagens no mundo dos vivos precisam ser possuídos, usando sua funções para avançar o objetivo.

Por exemplo, no primeiro capítulo, ao chegar a um píer, um marinheiro fantasma precisa que seu barco seja restaurado no mundo dos vivos, com tinta. Você passa ao mundo dos vivos possuindo qualquer personagem, chegando ao depósito de tinta. Para abri-lo, uma alavanca distante precisa ser ativada. Alcançar a alavanca exige um personagem que use suas mão ao longo alcance. Nesse caso, usando Poke-Man e sua cutucada elástica, a alavanca é ativada. Posteriormente, com a lata de tinta exposta, ela precisa ser aberta e, como sugerido pelo dono do barco (os fantasmas podem lhe dar dicas em diálogos), se necessita de alguém com um objeto cortante. O dentista, com sua broca, acaba sendo a escolha para a tarefa. E assim em diante. Cada personagem e pessoa possuída se torna um ponto de viagem rápida no mapa, acessado com o botão círculo, facilitando a locomoção e marcando todo personagem utilizável no capítulo.

Imagem do jogo Flipping Death
Com grandes cutucadas, vêm grandes responsabilidades.

O desafio, então, vem de associar a ação especial de cada personagem, a partir da lógica, com os obstáculos apresentados. O mapa aponta pontos de interesse também, com pontos de exclamação verdes, sem segurar a mão dos jogadores. Esse é um dos pontos altos do jogo. As situações apresentadas são muito divertidas, recompensando a exploração e o senso de humor (se você acha que colocar um jogador de tênis para rebater bolas de boliche e perder o braço é engraçado). A criatividade exposta mantém o jogador extremamente interessado, se perguntando qual será o próximo absurdo a ser enfrentado. Para os jogadores que se sentirem presos nessas seções, porém, existe uma útil opção de “hints”(dicas) no menu de pause, reveladas em ótimas ilustrações.

Onde o jogo não se destaca muito é em suas seções de plataforming. A mecânica da foice é interessante, mas ao final do jogo se percebe que não foi tão bem utilizada. O uso da platforming é repetitivo e não muito preciso. Porém, essas partes são simples e fáceis, não exigindo controles perfeitos. Todos os desafios baseados em tempo, seja na coleta de fantasminhas ou no cumprimento de desafios opcionais no mundo dos vivos, trazem uma duração suficiente para fazer tais tarefas sem frustrações. Para cumprir certos passos das missões, também existem momentos onde, no mundo dos mortos, deve se fugir de um monstro até um ponto específico. Acontecendo diversas vezes, é um elemento que se torna previsível. Na versão testada, de PS4, também encontrei alguns bugs. O jogo apresentou uma crash no penúltimo capítulo e, certas vezes ao iniciar o jogo, a tela com o logo da desenvolvedora não carregava, se mantendo branca. A solução foi fechar e abrir o jogo novamente.

Imagem do jogo Flipping Death
Fugir de um monstrengo até chegar em uma mão brilhante se torna previsível.

Felizmente, o jogo é muito mais focado na solução de situações a partir da mecânica de possessão. A pouca variedade da platforming é superada pela variedade de funções para cada personagem e a relativa curta duração do jogo. Chegar ao final da história, realizando diversos desafios opcionais, não levou mais de 6 horas.

Os Fantasmas Te Divertem

A história, mesmo que não seja exatamente complexa, ainda é intrigante. O roteiro de Ryan North, escritor canadense ganhador do prêmio Eisner, é afiado no humor, criando personagens estúpidos e situações absurdas com inteligência. A atmosfera de todo o jogo lembra o clássico Beetlejuice, na temática e na comédia. E o final, mesmo que simples, ainda é satisfatório. Do primeiro ao sétimo e último capítulo, a escrita parece melhorar ainda mais, com piadas extremamente inspiradas e alguns personagens que se perdem em fluxos de consciência brilhantes. Sugiro que quem vá jogar Flipping Death pare para escutar atentamente as conversas e falas dos personagens presentes no mundo.

Alguns se mantém falando por muito tempo, gerando discursos e interações extremamente memoráveis. O humor sagaz que permeia o jogo é potencializado ainda mais pela dublagem excepcional, uma das melhores dublagens que escutei neste ano inteiro. Ou até mesmo nos últimos anos. A sensação que se tem é a de estar se assistindo um excelente desenho animado. O elenco inteiro realizou um trabalho fantástico. A trilha sonora também é muito bem executada, com especial destaque à faixa que toca toda vez que se utiliza um meio de transporte, que provavelmente se manterá na minha cabeça. O estilo visual do jogo também é lindo, não só em seus desenhos como em suas dimensões. Com uma perspectiva que mistura 2D com 3D, certos objetos, como os carros, são planos. O cenário pode ser comparado ao de uma peça de teatro, feitos de papelão. Porém, vale apontar que o jogo não possui tradução em português, tanto no áudio quanto no texto, o que pode ser um problema para alguns jogadores que não tenham experiência com o idioma.

Imagem do jogo Flipping Death
Minhas legendas não fazem jus ao roteiro do jogo.

Dito tudo isso, definitivamente recomendo Flipping Death. É uma experiência claramente feita com carinho, atenção e muito talento, desde seu roteiro até seus gráficos, dublagem e trilha sonora. Os obstáculos apresentados por cada fase realmente recompensam a atenção dos jogadores, com direito a ótimos momentos de humor que só se encontram com a exploração detalhada do mundo. É um jogo que sabe que você vai à esquerda quando o objetivo é à direita. E nesse jogo, vale a pena ir nas duas direções.

Review – Unicorn Overlord

Renato Moura Jr.Renato Moura Jr.16/03/2024