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O nome Alex Hutchinson pode não ser imediatamente familiar aos ouvidos dos jogadores, mas o jovem desenvolvedor já tem muita experiência em seu invejável currículo antes do novo game Journey to the Savage Planet. Tendo atuado como diretor criativo em projetos colossais como Assassin’s Creed 3 e Far Cry 4, pode-se dizer que Hutchinson ajudou a moldar o formato de jogo em mundo aberto que hoje é conhecido como a fórmula vigente: muitas side-missions, ambientes vastos e uma porrada de ícones no mapa do mundo, algo que tem suas vantagens e desvantagens.

Após sua saída da Ubisoft, Hutchinson co-fundou a pequena desenvolvedora Typhoon Studios e vem trabalhando desde seu início em um projeto no mínimo promissor: um game de exploração no estilo metroidvania com doses cavalares de humor e perspectiva em primeira pessoa, que agora carrega o título convidativo de Journey to the Savage Planet. Enquanto muitos devs fazem o caminho oposto até que cheguem nos projetos que utilizam sua total potência, é fascinante notar como Hutchinson entrega seu melhor jogo ao desmontar-se dos aspectos típicos dos games AAA.

Influências certas

Primeiro, devo esclarecer que Journey to the Savage Planet não é apenas um metroidvania, e sim uma das únicas iterações a homenagearem diretamente a série Metroid Prime em uma variedade de conceitos. Para aqueles que nunca tiveram a oportunidade de jogar os famigerados títulos da Nintendo ou estão sedentos pela volta de Prime, o jogo da Typhoon é uma intensa cachoeira de gratificação. O molde, no entanto, não impede Savage Planet de tocar sua própria música, e se prova adequado para que Hutchinson e seu talentoso time criem um verdadeiro triunfo de level design.

Imagem do jogo Journey to the Savage Planet
Peixes voadores? Temos.

Todos os aspectos de Metroid Prime estão aqui com uma roupagem única: os mapas segmentados e diversificados ganham um visual cartunesco que remete às animações do Adult Swim; o protagonista mudo constrói um conjunto de habilidades que o permitem explorar novos cantos destes mapas; o scanner, que pode ser usado para analisar criaturas e objetos de cenário, serve como principal linha-guia para que o jogador persiga novos objetivos conforme as necessidades de cada área; por fim, é claro, existem as situações de combate e tiro.

Não só estas características estão surpreendentemente refinadas em antecipação ao lançamento – recebemos o código para review há quase duas semanas! – como são complementadas pelo que Journey to the Savage Planet tem de realmente único diante de MP: um humor acérbico, que surge na sátira de uma humanidade decadente a la Idiocracia e em pleno processo de exploração interestelar. Desde o início, a missão do “herói” de Journey não tem nada de admirável, já que é instruído e incentivado a cometer atrocidades contra as espécies alienígenas encontradas no planeta onde pousa. E tudo isso é feito com imensa graça e leveza.

Destacam-se de vez a flora e fauna do planeta “selvagem”. Há claros ecos de Spore, jogo no qual Hutchinson ocupou a função de lead designer, na aparência variada e inventiva das criaturas, catalogadas em um Codex e – pobres coitadas – cobaias perfeitas para que o jogador teste toda sua capacidade de destruição. Isso não quer dizer, no entanto, que não exista inteligência na maneira como são inseridas no jogo: os aliens demonstram comportamentos randomizados, atacando-se entre si conforme suas posições na cadeia alimentar, alimentando-se e inclusive peidando.

Imagem do jogo Journey to the Savage Planet
Uma sacada é uma sacada.

Entre uma flatulência e outra, o jogador estará imerso em um ambiente fascinante e cheio de segredos esperando para que sejam descobertos. No design do mundo se observa um exemplo de como contar uma história de forma simples porém eficaz, estabelecendo muito bem onde estamos, em que período estamos e porque estamos ali. Os detalhes espalhados pelo planeta alienígena revelam, ao mesmo tempo, um mistério instigante e uma história familiar da qual a humanidade já não recorda em todo seu avanço tecnológico. Como em SOMA e Half-Life, a storytelling é ambiental por excelência.

O polido trabalho gráfico na Unreal Engine 4 ajuda a atiçar ainda mais nosso interesse, mas além da beleza plástica, o motor da Unreal tem seu diferencial em design e animação. Criaturas, fluidos e iluminação reagem entre si com dinamismo sem perder a estética atraente de desenho animado matinal, remetendo ao estilo igualmente sedutor do subestimado Sunset Overdrive, da Insomniac. Ou seja, os visuais não são só prazerosos aos olhos, como também funcionais dentro da proposta de jogo, guiando o jogador pelas regras de seu mundo sem que este se sinta manipulado ou encaminhado.

Vamos explorar

Journey to the Savage Planet ainda exibe seu alto grau de polimento no gameplay. Começando pelo aspecto menos bem sucedido, as seções de tiro e o uso da única arma do jogo não atraem o mesmo nível de interesse que todo o resto, mas não se trata de algo ruim. A responsividade estranha da arma é até justificável já que, como Hutchinson disse em uma entrevista recente, o jogador trabalha para a 4ª melhor companhia de exploração espacial do universo, e melhora com o tempo na medida que desbloqueamos novos upgrades e modos de tiro.

Imagem do jogo Journey to the Savage Planet
Usar esses trilhos gosmentos é um deleite.

Um problema que entra no caminho desta melhora, no entanto, é a decisão de bloquear upgrades atrás de desafios de combate chamados de Experimentos, já que as novas melhorias dependem de um avanço de patente científica em quatro níveis. Como alguns destes experimentos dependem do funcionamento da arma, às vezes pode ser frustrante perceber que se está lutando para desbloquear aquilo que, em tese, você já deveria ter para cumprir a tarefa necessária. Porém essa é uma questão de persistência, e o que de início é frustrante logo se torna possível.

De resto, Journey to the Savage Planet é uma verdadeira salada de mecânicas satisfatórias, polidas à perfeição. As habilidades diversas oferecem tanto avanços para o combate quanto para a exploração, como as frutas de corrosão, choque e explosão que podem ser usadas para abrir novos caminhos ou retirar a defesa de inimigos específicos. Admiradores de Bioshock sentirão seu coração aquecer com estes “pseudo-plasmids” encontrados ao longo do jogo, e já que estamos falando de Bioshock…

Este talvez seja o melhor exemplo de como fazer platforming em primeira pessoa, especialmente pelo útil gancho de garra que pode ser usado tanto para se impulsionar às plataformas quanto para deslizar por trilhos que remetem a Bioshock Infinite – e olha que estes são bem mais divertidos de se usar. Além do gancho, o jogador pode “plantar” pontos de grapple em cantos específicos, o que instiga a manter um estoque de sementes de “garras” como um consumível bastante útil à exploração do planeta.

Tantos segredos por aí…

Recomendo, inclusive, que o jogador desbloqueie o quanto antes os marcadores de gosmas laranjas – colecionáveis que aumentam sua vida e resistência – e ligas alienígenas – um dos recursos usados na compra de upgrades. Embora a ideia de adicionar marcadores a um Metroid Prime seja a princípio não muito sedutora, confiem em mim: se eu tivesse perseguido estes colecionáveis assim que pudesse, perceberia muito antes o primor do design de fases e inclusive encontrado certos detalhes narrativos cruciais para uma conclusão mais satisfatória.

Não há mapa para conferir, portanto estes marcadores são exibidos em uma bússola e no próprio visor do jogador, e tentar encontrar os caminhos para cada umas destas dezenas de recompensas me fez notar a inteligência com que se deve usar as habilidades desbloqueadas, muitas vezes em sequências razoavelmente complexas. Qualquer jogo que me faça calcular os passos e pulos desta mesma forma que Journey to the Savage Planet terá meu respeito imediato, mas fazê-lo em primeira pessoa é realmente raro – só consigo pensar mesmo em Mirror’s Edge.

Muito mais que o 4º melhor

Intercalada com esta exploração sedutora, a enxuta campanha de missões principais acaba ganhando dimensões muito maiores, tendo chegado à marca das 18 horas para conseguir 95% do progresso total. Outro aspecto que ajuda a conferir um recheio ao game é a necessidade de coletar recursos naturais e armazená-los para que o jogador possa efetuar os demais upgrades, podendo até mesmo coletar o carbono presente nos peidos de animais, além das veias rochosas finitas espalhadas pelos mapas. Ademais, a exploração torna-se ainda mais fluida com a ajuda do desenho sonoro, que define a presença de animais específicos e segredos na região próxima.

Coloquem o Vale dos Mil Peidos na sequência!

Nisso fica claro que Journey to the Savage Planet, em uma estilosa volta por cima de seu diretor, vai na contramão dos fatores que tornaram Assassin’s Creed e Far Cry nos mastodontes que são e por isso mesmo nos entrega algo muito mais satisfatório. A Typhoon Studios dá indicações o suficiente de onde ir e o que fazer pelo restante da aventura, até que gradualmente nos solta em seu mundo, para que os jogadores vão ao encontro do jogo em seu próprio ritmo. Desta forma, as menos de vinte horas acabam valendo mais do que cinquenta em certos títulos AAA, já que cada minuto traz um senso verdadeiro de descoberta.

Foi anunciado recentemente que a Google adquiriu o estúdio responsável por Journey to the Savage Planet, e não é difícil adivinhar o porquê. A Typhoon Studios trabalhou dentro de suas limitações e de seus conformes como um estúdio formado por cerca de vinte funcionários para que a experiência final, entregue ao jogador em um preço extremamente modesto, transmitisse um sentimento aventuresco que não raro se encontra em falta nos games blockbuster – Star Wars Jedi: Fallen Order é um exemplo muito competente, mas com falhas notáveis. Diferente da suspeita companhia de exploração do jogo, Alex Hutchinson e sua equipe merecem um planeta todo para si.

Imagem do review de Everloop

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