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Vindo de uma família classe média baixa, com mais dois irmãos, os videogames foram uma maneira “barata” que os meus pais encontraram de entreter todos os filhos de uma só vez. Dentro dessa modalidade de diversão, não demorou muito para que os três irmãos Bova percebessem que jogos de luta eram os melhores de todos, pois enquanto dois jogavam, o outro assistia brevemente para logo ter o controle em mãos também. A fila andava mais rápido em jogos de luta do que em jogos de plataforma ou RPGs, portanto, a nossa paixão por jogos de luta nasceu aí.

Contudo, foi com Marvel vs Capcom 2 que os limites do nosso finado Dreamcast foram testados. As partidas de final de semana duravam em média 5 horas seguidas. Parávamos para comer e voltávamos para mais algumas horas. Nossa mãe louca da vida tentando controlar os gritos e palavrões que saíam das nossas bocas, com vergonha de que os vizinhos notassem os filhos maloqueiros de fliperama que ela havia criado, mas como controlar as crianças quando elas podem montar um time com todos os seus personagens favoritos EVER e dar um cacete nos irmãos? Impossível. É de se imaginar a nossa comoção quando Marvel vs Capcom 3 foi lançado uma década depois de Marvel vs Capcom 2. Novamente, horas e horas a fio jogando com nossos heróis favoritos e proferindo nossos palavrões favoritos também.

Portanto, caro leitor, esta análise está sendo escrita por uma pessoa que já investiu facilmente mais de mil horas de jogatina na série Marvel vs Capcom. Essa análise não será imparcial, pois nenhuma análise é, mas também não será conivente.

Senta que lá vem a história

O hiato entre Marvel vs Capcom 3 e Marvel vs Capcom Infinite não foi grande se comparado ao de MvC2 e MvC3. A versão Ultimate para os consoles da atual geração chegou há menos de um ano e a primeira versão de Marvel vs Capcom 3 há seis anos – quase metade do tempo entre a versão 2 e 3 do jogo. Talvez por isso a Capcom estivesse ansiosa em mudar, criar algo novo, que pudesse alcançar uma nova e maior audiência.

Um dos elementos mais divulgados pelo time de marketing da Capcom e Marvel foi o modo história, inédito na série. Claramente pensado para aqueles que não têm tempo ou saco para investir muito esforço em modos competitivos ou treinar para decorar a infinidade de combos do jogo, o modo história apresenta em poucas horas – eu gastei mais ou menos 4 horas para finalizar este modo – todos os personagens e a razão para eles terem se unido em um universo híbrido entre Marvel e Capcom.

Embora nada memorável, o modo história consegue criar certo clímax e alguns diálogos divertidos, além de esclarecer de forma satisfatória o porquê de Ryu e Capitão América dividirem cena. Em linhas gerais, um evento que é explicado via flashback mais para o final da história – uma coisa meio Inception – faz com que os dois mundos se misturem trazendo um novo vilão em comum para todos os heróis, o Ultron Sigma: a mistura do vilão Ultron da Marvel com o vilão Sigma da franquia Mega Man X da Capcom.

Como disse, nada aqui é super ultra empolgante em termos de narrativa. As dublagens (em inglês com opção de legenda em português) são competentes e representam bem a personalidade que nós conhecemos de cada personagem. Além disso, o roteiro é simples, mas bem executado. O problema mesmo, infelizmente – e bota infelizmente nisso -, fica por conta da apresentação do jogo 🙁

De olhos bem fechados

Pessoalmente eu senti que a escolha literal em apresentar os cenários do jogo usando uma fusão dos mundos, como por exemplo Xgard – mistura do mundo de Mega Man X com Asgard -, um pouco infantilizada. Além disso, essa escolha acaba um pouco com o encanto de reconhecer em um único cenário os detalhes e easter eggs dos seus personagens favoritos. O Cenário de Valkanda por exemplo, que traz a fusão de Monster Hunter com Pantera Negra, ficou genérico e sem personalidade. Contudo, quisera eu que esse fosse o único problema de apresentação do jogo. Na verdade, esse é apenas um detalhe observado por um jogador chato. O real problema de Marvel vs Capcom Infinite é que o jogo é feio. E feio não no sentido de poderio gráfico – pois o jogo roda a 60 frames em ótima resolução -, mas sim em termos de direção de arte, animação e interface. Comecemos pela interface, o cartão de visita de qualquer jogo.

Olha esse aproveitamento de espaço, olha essas fontes ARIAL, olha esses gifs transparentes dos personagens, olha, olha… I can’t. I just can’t.

Desde a tela de escolha dos personagens, menus de configuração e a própria interface durante a batalha, Marvel Vs Capcom apresenta erros de escolha tipográfica para melhor leitura, tamanho de informações relevantes na tela, organização visual de elementos e feedback visual expressivo. Além disso, esteticamente falando, é tudo muito inferior a qualquer jogo atual do gênero de luta que concorrem com os jogos da Capcom, como Injustice 2. O menu de escolha de personagens é passível de risos, a interface de resultado do modo versus é horrenda e os feedbacks tipográficos durante as lutas não empolgam.

Outro problema, talvez o mais drástico de todos, está na direção de arte do jogo. Mesmo depois de várias críticas a respeito – que inclusive culminaram na remodelagem do rosto da Chun-Li -, a Capcom lançou um jogo malacabado. A escolha por uma renderização mais “realista” acabou exacerbando falhas gritantes de modelagem e expressão dos personagens, que parecem ser feitos de plástico e sem alma. Além disso, o próprio design de alguns personagens faz a gente questionar o bom gosto na direção de arte do jogo, como o visual do Gavião Arqueiro – que parece mais um Johnny Cage de arco e flecha – e a maquiagem e armadura de Gamora. As animações também ficaram estranhas neste visual mais realista. Enquanto que em Marvel vs Capcom 3 a omissão de alguns frames de animação não incomodava tanto, já que o visual era mais estilizado como uma HQ, aqui em MvCI essas escolhas acabam virando imperfeições, como por exemplo a forma como o cabelo da Capitã Marvel é animado. Aqui pedaços de panos e cabelos parecem ser feitos de lego, duros e sem reações naturais a física dos movimentos.

Na hora em que o jogo aumenta o Zoom e mostra detalhes, fica difícil escapar de expressões faciais estranhas e acabamento tosco dos modelos. Já falei da interface cagada também?

O lado bom é que em movimento, quando o “pau tá comendo”, essas imperfeições ficam menos visíveis, sendo notadas com mais clareza apenas durante hyper combos quando a câmera dá um zoom nos modelos dos personagens. O que me faz levantar uma outra questão: Por que raios a Capcom resolveu criar um modo história no qual boa parte do tempo temos plano americano e close-up dos personagens? Me peguei em vários momentos do modo história dando risada de certas animações e expressões. Para mim a mais bizarra foi quando o Homem-Aranha aparece pela primeira vez, em pé e articulando com os braços. O modelo desse personagem foi claramente criado com aquela posição de batalha em mente, então quando o Homem-Aranha está em pé agindo como um humano comum, todos os membros e músculos do seu corpo parecem esquisitos e muito longos, parecendo mais um Chupa-Cu do que qualquer outra coisa.

Tudo novo de novo

Tirando o modo História, todos os outros modos são bem comuns a jogos de luta e já estavam presentes em MvC 3. Temos aqui o modo Batalha local e online (sendo que o modo arcade está inserido aqui também), Treinamento livre, Missões (que ensinam as mecânicas básicas além de combos mais complexos para cada personagem) e um modo Coleção voltado para artes de personagens e cinematics. Contudo, o que mais importa num jogo de luta mesmo, além de suas mecânicas, é o elenco de personagens disponíveis. E aí justamente aí que a porca torce o rabo… de novo!

Marvel Vs Capcom Infinite conta com um elenco de 30 personagens, sendo eles X, Jedah, Ryu, Dante, Morrigan, Strider, Chun-Li, Firebrand, Chris Redfield, Frank West, Zero, Haggar, Nemesis, Spencer e Arthur para o lado da Capcom; e Ultron, Gamora, Thanos, Capitã Marvel, Homem de Ferro, Capitão América, Homem-Aranha, Hulk, Thor, Rocket Racoon, Doutor Estranho, Nova, Motoqueiro-Fantasma, Gavião Arqueiro e Dormammu para o lado Marvel.

Acho que tá sobrando muito espaço nesse menu aí, hein? Tá faltando uma galera aí, além de bom gosto no desenho da interface também 😛

Temos também um problema crucial aqui no “novo elenco” do jogo, pois muito do que está sendo apresentado em termos de personagens nesta primeira versão de Marvel vs Capcom Infinite já havia sido visto anteriormente em MvC3, principalmente pelo lado da Capcom. Mais ainda, as animações, combos e modelos dos personagens parecem ter sido literalmente recicladas de MvC3. Embora esse recurso de “copy and paste” já tivesse sido usado em MvC2 (reclicando personagens de jogos como X-men vs Street Fighter) e também em MvC3, o problema de MvCI é que eles falharam em balancear o novo com o velho, deixando a balança pesar muito mais para o lado do velho do que pro lado do novo.

A Capcom divulgou oficialmente quais serão os 6 novos personagens que chegarão via DLC até o final do ano no elenco do jogo. São eles o vilão Sigma, Pantera Negra, Monster Hunter, Soldado Invernal, Viúva Negra e Venom. Essas novas adições dão um gás bacana para o lado Marvel do jogo, que já ofertava o dobro de personagens novos se comparado com o lado Capcom e que pelo visto continuará mantendo essa distância. Esse fator me faz pensar no quão influente a Marvel foi no processo de criação desse jogo, pois não podemos deixar de falar na ausência completa de personagens da série X-men no jogo, um dos pilares da série Versus entre Marvel e Capcom desde sua primeira versão. Parece que a Capcom abriu muito a mão no seu lado do jogo para receber as estratégias de marketing da Marvel, que basicamente apresenta todos os personagens do seu universo cinematográfico do presente e do futuro, ignorando completamente o que definiu (em termos de elenco) a série Marvel vs Capcom durante décadas.

Entre tapas e beijos

Ok, ok. Estou sendo cruel com o jogo, mas isso tudo é porque no fundo no fundo, existe muito amor envolvido. É chegada a hora de falar das novas mecânicas e jogabilidade de Marvel vs Capcom Infinite. E aqui meu amigo e minha amiga, é pra louvar de pé!

A grande mudança na jogabilidade de Marvel vs Capcom Infinite desde a versão de MvC2 está no fato de que agora os times, antes formados por três personagens, agora são formados por apenas dois. Não há mais sistema de assistência durante a batalha, pois agora o seu par pode ser acionado a qualquer momento de um golpe ou combo, seja ele no ar ou não. Além disso, como o próprio nome do jogo sugere, os jogadores agora devem escolher entre 6 Infinity Stones (Soul, Reality, Power, Space, Time e Mind), cada uma com uma habilidade rápida que pode ser ativada a qualquer momento da Batalha, chamada de Onda do Infinito, além de uma habilidade especial que pode ser ativada assim que uma barra especial esteja completa, chamada Tempestade do infinito.

Essa nova dinâmica pode fazer com que o jogo pareça mais simples ou mais fácil, mas essa impressão fica mesmo só na superfície. As Infinity Stones funcionam praticamente como um terceiro personagem dentro do seu time, moldando completamente o seu estilo de batalha. Contudo, a mudança mais drástica na jogabilidade fica por conta da troca de personagens bem mais dinâmica durante a batalha. Em MvC2 e MvC3, o sistema de assistência permitia que nós jogadores tivéssemos um maior tempo de resposta, mesmo em meio a tanta informação, pois entre as animações de entrada e saída havia aquele tempo de respiro para o próximo movimento do seu personagem principal. Em Marvel vs Capcom Infinite, a sua resposta precisa ser imediata, pois só existem personagens em primeiro plano agora. Uma vez que você ativou o seu comparsa é preciso continuar aquele combo ou estratégia de combo, senão você vai perder a oportunidade preciosa de causar dano no inimigo.

Eu entendo que a Capcom tenha criado recursos de mapeamento dos controles para facilitar a vida de alguns jogadores menos habilidosos, como por exemplo o famoso comando de Shoryuken ter sido simplificado para dois toques para baixo + botão, ou o recurso de combo rápido com o simples apertar do soco fraco, ou ainda o hyper combo facilitado apertando apenas soco forte e chute forte. Infelizmente para os jogadores e casuais, e felizmente para os crackudos de jogos de luta como eu, Marvel Vs Capcom Infinite consegue ser mais complexo e interessante que seus antecessores em termos de criatividade e autonomia de combos e estratégias. É impressionante a variedade de combos que essa nova dinâmica de dois jogadores trouxe para a série. O que antes era um jogo que acontecia muito no ar, com combos aéreos norteando boa parte da partida, aqui em Marvel vs Capcom Infinite o jogador consegue criar combos devastadores sem tirar os pés do chão.

Marvel vs. Capcom: Infinite não se faz de rogado na hora de contar o número de hits num combo. Amo!

Embora eu ainda ame toda a loucura e apelação dos jogos anteriores, a nova versão do jogo consegue ser mais balanceada e equilibrada por conta dessas novas mecânicas e outros sistemas mais pontuais porém super bem aplicados. Agora é possível, por exemplo, refletir projéteis dos adversários caso o jogador aperte os dois socos no momento em que o projétil acerta a sua defesa. Isso parece um detalhe bobo, mas em MvC3 era muito comum times formados por personagens de combate próximo serem completamente bombardeados por um time com personagens de alta carga de projéteis. Agora, fica mais difícil de você ou seu oponente ficar no canto da tela soltando magia, um cenário muito comum nas versões anteriores. Além disso, há uma maior preocupação em equilibrar os golpes especiais de cada personagem, adicionando movimentos para alguns e retirando ou diminuindo o impacto de movimento para outros. Obviamente, Marvel vs Capcom nunca será um Street Fighter em termos de equilíbrio e balanceamento, mas MvCI consegue isso bem melhor do que os jogos anteriores.

Resumo da ópera

Sempre gostei de comparar jogos de luta com dança, pois é uma analogia que faz muito sentido na minha cabeça. Assim como na dança, a memória muscular tem grande participação na curva de aprendizado de um jogo de luta. Quanto mais jogamos, mais memorizamos os movimentos e combinações de movimentos de cada personagem, até que o controle desses personagens entre em nossos corpos, fazendo que que durante a batalha nós nos preocupemos mais com a estratégia e resposta rápida do que com o movimento ou combo em si, pois estes já estão na ponta dos nossos dedos, literalmente.

Marvel Vs Capcom nunca foi e nunca será uma série acessível a jogadores casuais de jogos de luta. Talvez até quem goste do gênero luta ou seja um jogador assíduo de jogos como Street Fighter e Mortal Kombat, por exemplo, não consiga embarcar na série MvC simplesmente porque este é um estilo de jogo de luta muito peculiar e frenético. Por mais que a Capcom esteja batendo na tecla de que esta nova versão do jogo está mais simples e fácil de jogar, a real é que o jogo continua complexo e exige uma boa curva de aprendizado para ser apreciado, o que pode afastar jogadores mais casuais que querem um jogo de luta bacana para jogar com a galera durante o churras de final de semana.

Além disso, a péssima apresentação e falta drástica de personalidade do jogo, com uma locução que não empolga em nada, feedback visual e direção de arte pobres, um modo história passável e um elenco de nicho que não empolga muito, fazem com que o jogo perca um pouco do apelo para novos jogadores. Fica então difícil indicar este jogo para a galera mais casual ou para pessoas que não gostam muito da série Marvel vs Capcom, pois embora diferente, esta nova versão continua sendo um MvC em sua essência.

A indicação deste jogo em seu lançamento, portanto, fica para jogadores como eu, que amam a série e têm disposição para perder horas treinando combos no modo de treino ou Missões; jogadores que conseguem abstrair a falta de cuidado no acabamento de jogo e focar nas mecânicas e sistemas, o centro de qualquer jogo de luta. Para os demais, vale esperar alguns meses pela versão Ultra, Ultimate ou qualquer que seja o nome do produto que virá com mais personagens e talvez um melhor acabamento, aumentando o potencial de diversão do jogo.

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