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De uns anos para cá estamos sendo abarrotados de conteúdo temático tribal na indústria de games, vindo principalmente do cenário indie. Sempre somos agraciados com algum joguinho simpático e legal que traz junto uma boa dose histórica e cultural de alguma tribo perdida pelo mundo. Dentre os mais famosos, tivemos Never Alone em 2014, que conta um pouco mais do folclore e vida dos Iñupiaq do Alasca. Este ano também tivemos Wulverblade, um game um pouco mais histórico que traz consigo todo o legado do povo celta, e agora temos Mulaka, mais um jogo seguindo a mesma onda.

Por quê Mulaka merece a sua atenção? Primeiramente porque ele aborda a fascinante cultura indígena do norte do México, e acredite, você não vai encontrar nada disso em outro jogo (se você pensou em Guacamelee, saiba que os índios mexicanos não eram lutadores de wrestling). Em segundo lugar, porque todo o time criativo responsável pelo jogo é mexicano, então eles sabem o que estão fazendo, afinal são pessoas contando uma história sobre a cultura dos seus próprios antepassados. Do resto, embarque neste review para descobrir a razão pela qual você deve jogar Mulaka.

Saudades God of War III…

Filho das estrelas

Nesse game você controla o guerreiro Mulaka, também chamado de Sukurúame, um xamã da tribo Tarahumara que carrega uma grande responsabilidade por ser um descendente direto dos Filhos das Estrelas. Esse povo acredita que essas pessoas foram os primeiros humanos a viver na Terra, criados pelo Sol e pela Lua. Hoje o mundo foi dominado pelo ódio e pela crueldade, e disso nasceu um ser maligno chamado Terégori, que seria o mal encarnado, e ele trouxe uma era de escuridão para a humanidade. Cabe ao nosso guerreiro procurar todos os deuses animais, conseguindo assim o poder necessário para cortar o mal pela raiz e salvar sua tribo.

Podemos notar que o jogo não foge nada do clichê da Jornada do Herói, mas não podia ser diferente levando em conta os títulos que serviram de inspiração para este. A influência de Zelda e Okami é nítida em basicamente tudo. O gameplay é totalmente baseado em Zelda (inclusive existe um easter egg da franquia nas conquistas do jogo, vamos ver se você consegue encontrar), onde temos um mapa aberto com vários itens e inimigos espalhados, e devemos explorar tudo para encontrar coisas que vão nos auxiliar a progredir. Todo esse lance de encontrar deuses animais e obter seus poderes vem de Okami, até mesmo o modo que os personagens se comunicam lembra Okami, incluindo aqueles grunhidos indecifráveis que os personagens fazem ao falar.

Mas não é porque ele se inspira em dois grandes jogos que significa que ele não tem uma identidade própria, como já foi dito aqui, Mulaka é único quando se trata de temática. O jogo te colocará em diversos ambientes naturais que ao seu próprio modo conseguem ser bonitos, mesmo com os gráficos minimalistas do low poly (que prioriza usar poucos polígonos, deixando tudo geométrico e pontudo). Na verdade, acho que o low poly colaborou ainda mais com a identidade do game, porque ficou tudo muito bonito, colorido e gratificante de se olhar por horas de jogatina sem enjoar.

Visitaremos vários locais, incluindo cidades.

Com cerca de 6 horas de campanha você passará de desertos a montanhas, e de montanhas a florestas, todos eles inspirados em Sierra Tarahumara, um local real do México, lar dessa tribo indígena. Como já foi dito antes, o jogo sempre segue um padrão Zelda de te soltar em um mapa aberto com vários caminhos a serem explorados, e você deve explorar tudo até encontrar três pedras especiais que abrem a porta, garantindo a luta contra o chefe da fase. Esses mapas ainda possuem segredos que só podem ser encontrados obtendo certas habilidades dos deuses, assim incentivando o jogador a continuar jogando após terminar a aventura.

Dentre esses segredos temos artefatos que contam mais da cultura indígena dos Tarahumara, além de fantasmas que podem ser vistos apenas com o “olho que tudo vê” de Mulaka, um poder especial dos Sukurúame. Falando nas habilidades especiais do guerreiro, quanto mais você joga, mais legais elas ficam, pois conforme você vai encontrando novos deuses vai ganhando uma habilidade exclusiva de cada um, e com ela a possibilidade de se transformar no animal que aquele deus representa. Essas transformações são usadas não só para acessar novas áreas do mapa mas também para auxiliar no combate, deixando tudo mais dinâmico e aumentando consideravelmente as sequências disponíveis (sem contar o fato de que não importa o jogo, sempre é muito maneiro se transformar em animais, convenhamos).

Vai me dizer que isso aqui não é Zelda?

Os mapas conseguem passar a impressão de serem vastos, mas no geral são bem pequenos e de certa forma lineares, pois todos os caminhos devem ser visitados para que possamos prosseguir na história. Tudo é óbvio demais e a obtenção das pedras se limita a um clico vicioso de batalhas e puzzles. Só existe um único tipo de puzzle no game, em que você deve organizar o trajeto de uma corrente de água, e no começo isso é legal, mas depois da terceira vez acaba ficando muito repetitivo, além de muito fácil. No geral, todas as fases podem ser concluídas rapidamente se focarmos apenas nas pedras, pois o próprio jogo acaba tornando a exploração obsoleta. Considerando que a grande maioria dos colecionáveis só poderão ser acessados depois, a exploração é limitada apenas a uma rotina de quebrar pedras e elementos do cenário para obter Kóremas (cujo meu cérebro insistia em ler Kojima todas as vezes), a essência da vida que está por toda parte e pode ser trocada por upgrades.

O jogo só disponibiliza seis upgrades para seu personagem e tais melhorias são totalmente descartáveis, pois é bem possível zerar sem fazer nenhuma delas e sem passar nenhum aperto. Fora o fato de que o modo de se fazer upgrades é totalmente sem sentido e desmotivador, onde você é obrigado a voltar para o segundo local do jogo para ter acesso ao NPC que faz as melhorias, que só aparece lá e em mais nenhum outro lugar. Assim é bem provável que o jogador opte por apenas seguir em frente ao invés de se dar ao trabalho de voltar e comprar seus upgrades, e os Kóremas acabam virando enfeite.

Se torne uma lenda

O combate do jogo também é bem inspirado no clássico da Nintendo, tendo toda uma variedade de inimigos que vão apresentando variações conforme vamos avançando nas fases, e cada um possui um jeito certo de ser derrotado. Mulaka possui uma variedade considerável de golpes a serem desferidos, indo de ataques rápidos a mais fortes, até arremessar sua própria lança e se transformar em animais (o que consome sua barra de magia) como já citado. Também temos a nossa disposição quatro tipos de poções que nos auxiliam em combate, mas isso é uma benção com maldição.

Mulaka – Prepare to Die Edition

Cada poção tem sua funcionalidade, como curar um slot de vida, aumentar a velocidade de ataque, criar um escudo em volta de si e atirar uma bomba. A vida de Mulaka é representada por almas, possuímos três, e perdendo todas é game over. Mas não precisa se preocupar porque não perdemos uma alma com um único hit, é necessário levar uma sova para perder cada uma, e não existe seleção de dificuldade no game, então esta dificuldade é uma só e fixa o jogo inteiro. Essas poções são facilmente obtidas coletando ervas que encontramos pelo cenário, cada erva representando uma poção; elas aparecem com abundância e tem até respawn instantâneo do ponto onde colhemos, então pode relaxar que não vai faltar.

O problema no uso dessas poções é que não importa o momento, sempre que você usar alguma Mulaka irá parar o que está fazendo para fazer uma dancinha tribal enquanto ativa o efeito da poção. Isso é até legal na primeira vez que usa, mas na hora de usar essas coisas durante um combate a raiva vai te consumir, porque é quase certeza que algum inimigo irá te acertar durante a animação, não vai fazer efeito nenhum e a poção não volta pro seu inventário. Por causa dessa bendita dancinha é um desafio muito grande se curar ou usar qualquer outra poção durante uma luta, e nos chefes isso consegue piorar ainda mais.

Algo me diz que vai dar ruim…

Tirando esse inconveniente, os combates são bem divertidos e simples de se pegar o jeito, pois praticamente todos os inimigos são os mesmos, a diferença são apenas algumas variações nos seus poderes. A trilha sonora que acompanha todos esses momentos também é elogiável, carregada de cultura e personalidade daquele povo; algumas músicas são mais memoráveis do que outras, mas ainda assim é uma trilha muito característica e bem composta.

Você pode notar que pouquíssimos pontos negativos foram mostrados até agora, e de uma maneira bem sincera e pessoal não tenho motivos para ficar botando defeito em Mulaka, mas existem sim uns probleminhas de performance que incomodam bastante, e isso não pode passar batido. Parece que tudo no jogo simplesmente deixa de ser sólido e se torna “transparente”, é muito comum você entrar dentro de objetos e paredes, e até mesmo dentro do chão. Além de irritante, isso atrapalha bastante em certos momentos, como nos trechos que temos que voar na forma de Pica-pau, por exemplo. Outra coisa inexplicável é que as vezes parece que seu personagem desliza sozinho, mesmo parado, e por conta disso você é obrigado a ficar movimentando ele o tempo inteiro, ainda mais se tiver em um local com risco de queda.

“Guess who?”

Mas não precisamos fazer disso um problema maior do que realmente é, pois tudo isso pode ser facilmente corrigido com um patch, e Mulaka continua sendo um grande jogo. Se você se interessou pela história dos Tarahumara, não precisa se limitar apenas a jogar este game, já que o estúdio Lienzo, responsável pelo título, lançou um documentário dividido em três partes, contando mais desse incrível povoado que os inspirou a criar o jogo, e você já pode assistir as partes um, dois e três agora mesmo. Mulaka não está saindo caro em nenhuma plataforma, então essa é sua chance de aprender mais e se divertir muito ao mesmo tempo, e tem jeito mais divertido de aprender do que esse?

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