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Criar hype com jogo é uma tática velha do marketing. Não é à toa que boa parte do orçamento de um jogo grande como Prey é destinado à publicidade. Mesmo sabendo disso é comum cairmos nessa pegadinha, criando expectativas quando não deveria. O ideal é não esperar nada para não se arrepender depois de torrar sua grana. Afinal, jogos no Brasil custam caro (até mesmo os digitais nos consoles), forçando os jogadores a serem mais seletivos.

Prey é ruim? Não. Mas a expectativa, potencializada pelos trailers, foi tão grande que eu fui facilmente fisgado. Meu pé direito já estava no trem do hype quando a Arkane Studios mencionou que o jogo seria a sequência espiritual da franquia System Shock, que eu curto demais. Mesmo sabendo que este reboot não teria relação com o game original, fui jogá-lo com sede ao pote.

O velho e o novo Prey

Há 11 anos eu testava Prey para o extinto Banana Games, um dos sites pioneiros no Brasil. Infelizmente minha análise caiu no limbo, mas nunca me esqueço da surpresa ao jogar o FPS da Human Head Studios. Primeiro, por conseguirem aplicar uma mecânica incrível de trilhos gravitacionais que permite ao jogador andar pelas paredes e teto. Segundo, por apresentar inimigos grotescos e muito criativos, com uma certa referência de Quake 4. Terceiro, pela história: um índio em busca da namorada e avô, após serem raptados por uma nave alienígena. À princípio pode parecer um clichê do gênero, mas a trama se desdobra de um jeito bastante inesperado e eficaz. Junte isso às habilidades espirituais indígenas do protagonista, Tommy, e temos um jogo realmente único.

Prey (2006) é excelente e não envelheceu mal. Jogue!

Prey fez bastante sucesso na época, tanto no PC quanto no Xbox 360, e chegou à marca de 1 milhão de unidades vendidas no mundo todo. O port horroroso pro Zeebo não conta, claro. Com o sucesso, a 3D Realms (que detinha o contrato do game) rapidamente anunciou Prey 2. Passaram então a co-desenvolver a sequência junto da Human Head Studios. Até que, em 2009, a Bethesda comprou os direitos da franquia e a produção voltou à estaca zero. Muitos rumores surgiram, pouco se sabia sobre o que seria a trama da sequência, até que do nada a Bethesda divulgou um trailer espetacular durante a E3 2012. Dois anos depois, na PAX Australia, a Bethesda enterrou a esperança dos fãs: o game fora oficialmente cancelado, resultando na saída da Human Head Studios da produção.

Desde então a Bethesda escondeu seus planos até realizar sua conferência na E3 2016, divulgando o trailer de um novo Prey agora pelas mãos da Arkane Studios (responsável pela franquia Dishonored). Porém o novo game não trata-se de uma sequência, mas sim de um reboot e desta vez sem índios na trama.

Uma estação, mil problemas

A história de Prey acontece em 2035 e gira em torno da Talos I, uma gigantesca estação espacial dedicada à pesquisas científicas, que orbita próxima da Lua. Ao descobrir uma nova forma de vida alienígena chamada Typhon, as coisas começam a sair do controle graças à curiosidade humana e cabe ao protagonista, Morgan Yu, remediar os problemas.

Todos os setores da Talos I, internos e externos, são visualmente belíssimos.

Prey oferece a opção de Morgan ser homem ou mulher, sendo apenas uma simples mudança visual que não afeta a trama. Você acorda em seu apartamento, veste seu uniforme da TranStar Corporation e encontra-se com seu irmão Alex Yu para então prosseguir para um sala de teste. É neste momento que o jogo apresenta o primeiro inimigo, o Mímico, uma criatura negra que consegue se camuflar imitando qualquer objeto. E, bem, não é spoiler eu te contar que tudo sai do controle, né?

Após a abertura morna, o game faz uma revelação interessante. Tal revelação o desperta para a curiosidade da exploração típica de um metroidvania, que funciona muito bem do começo ao fim do jogo. E é exatamente isso que você fará a maior parte do tempo: explorar cada cantinho interno e externo da Talos I. E você não estará sozinho nessa jornada: o robô operador January irá guiá-lo através de ligações frequentes.

Tudo parece promissor, inclusive pelas semelhanças com Half-Life, até você perceber que precisa ler e ouvir arquivos pra entender o que diabos está acontecendo na estação. Isso é opcional, mas eu definitivamente detesto esta solução (preguiçosa) para desenvolver a narrativa. A franquia Resident Evil, por exemplo, faz isso muito bem e de forma moderada para não cansar o jogador. Já em Prey, há uma cacetada de livros, anotações e computadores com emails pra ler. Depois de algumas horas, você já não aguenta mais ler e sai clicando em tudo às cegas apenas para ter acesso à códigos (para abrir cofres e portas) e concluir missões de investigação. Infelizmente, não dá pra fugir desse ciclo vicioso.

Desenvolvimento rápido de PICA? Só pode ser spam.

Reciclagem, construção e Neuromods

Por se tratar de um jogo na pegada de Bioshock, misturando FPS com elementos de RPG, você precisará pegar todo recurso que encontrar pelo caminho. Tais recursos são divididos em quatro tipos de materiais: mineral, orgânico, sintético e exótico (este último você extrai dos cadáveres dos Typhons). Você joga toda a tralha que encontrar na máquina Reciclador para depois usar os recursos no Construtor, outra máquina onde você cria armas, munições, bombas, kit médico, etc.

No início, a munição e suprimentos acabam bem rápido, forçando o jogador a improvisar com o que tem… Isso até aprender a dividir recursos no Reciclador. Se você tiver 12x de material mineral, por exemplo, pode dividi-lo em quantidades menores e jogar novamente no Reciclador para multiplicar estas quantidades. Na minha impaciência de ler tudo, só fui descobrir isso nas últimas horas de jogatina.

Ostentando riqueza de recursos no Construtor.

O inventário funciona em blocos de espaço, sendo necessário administrar o que você junta durante a exploração para não ficar cheio de tralha. Naturalmente, você terá que procurar um Reciclador a todo momento para liberar espaço. A interface é impecável, com atalhos fáceis, medidores pra tudo, mapas em níveis e um menu espiral para selecionar o arsenal e habilidades. Quanto ao traje, ele possui um medidor de integridade: quanto mais danificado estiver, mais dano você recebe.

Durante a exploração você encontra também outros itens importantes, como melhorias de armas, kits de reparo e chipsets para o traje, vacinas de Hipo PSI (para usar habilidades Typhon) e Neuromods, um implante ocular que lhe concede melhorias comuns e Typhon. As comuns estão divididas em três tipos: Cientista, Engenheiro e Segurança. Ou seja, hackear, levantar peso, reparar, aumentar status, etc. Já as melhorias Typhon estão divididas em outros três tipos: Energia, Transformação e Telepatia. Exemplos: regeneração, controle mental, tomar a forma de um objeto, criar explosões, etc. São muitas melhorias para escolher, mas o game o encoraja a investir os Neuromods à sua maneira, seja você um jogador furtivo ou não.

Escolha bem com quais melhorias irá gastar seus Neuromods.

Um vai e volta sem fim

A campanha oferece missões principais e muitas secundárias, do tipo salvar sobreviventes, encontrar armas douradas e descobrir um grupo de RPG. Algumas são realmente criativas e recompensadoras, enquanto outras só servem para encher linguiça. Exemplo: há uma espécie de mini game interno no qual você deve encontrar funcionários desaparecidos pela estação. Parece divertido, até você notar que há mais de 250 pra achar. Haja paciência!

Prey te dá liberdade para explorar o mundo aberto da Talos I da forma como quiser. Sua única limitação são as áreas fechadas por um código de senha que muda aleatoriamente (apenas algumas senhas são fixas). Para passar por elas, você pode descobrir a senha, encontrar um crachá ou se transformar em uma caneca para passar por uma abertura. Dá também para usar sua força física ou mesmo uma arma para entrar em áreas bloqueadas. Porém quando a missão faz parte da história principal, geralmente não há opções exceto concluir os objetivos um a um.

Como a estação é gigantesca, o jogo permite que você acesse o seu exterior navegando em gravidade zero pelo espaço. Funciona como uma viagem rápida, mas que não é tão rápida assim. Na real é chato pra cacete, principalmente pela dificuldade em identificar onde diabos fica a entrada de cada área ou mesmo saber se você está flutuando pra cima ou pra baixo da estação. Aliás, o mapa externo é praticamente inútil. Até mesmo o mapa principal falha às vezes em informar os objetivos de forma clara.

Com o tempo a exploração passa a torturar o jogador, forçando-o a percorrer longas distâncias. A única coisa que me manteve jogando até o final foi a curiosidade em visitar novas áreas e as batalhas contra os Typhons, não o desejo de concluir missões. Elas são importantes, claro, mas pouco atrativas como investigar o escritório de fulano no ponto A para percorrer um longo trajeto para ativar um gerador no ponto B. O equilíbrio entre exploração e ação não chega a ser desbalanceado, mas funciona melhor próximo do final da campanha. Pra piorar, não há chefes para criar clímax.

É melhor não abrir esta porta.

Poucas armas, muitos Typhons

Prey oferece um arsenal limitado, mas com dois destaques. O primeiro vai pro Canhão GLOO, que dispara cola quente que petrifica inimigos e pode ser usado para criar plataformas. Digamos que uma versão em primeira pessoa da Foam Gun, de Shadow Complex. O segundo destaque vai pra Carga Reciclante, uma bomba que suga tudo ao seu redor para uma espécie de vácuo e transforma em matérias. Em Typhons mais resistentes, apenas causa um bom dano. As demais armas são variações sci-fi de pistolas, espingarda, bombas, arma laser, etc. Há também uma arma de brinquedo tipo Nerf, uma besta cujo disparos criam distrações com os inimigos. É legal de usar mas pouco útil, uma vez que você pode pegar qualquer objeto do cenário e arremessar num canto para criar distrações.

Este arsenal seria o suficiente se, com as melhorias, fizessem diferença no combate. Os Typhons são sempre mais fortes, independente das melhorias que fizer. Joguei a maior parte do tempo com a espingarda e mesmo assim morri várias vezes. O jeito é abusar de outras mecânicas oferecidas pelo game, como trancar portas, atirar em canos inflamáveis e hackear torretas para defendê-lo.

Falando nos Typhons, há uma boa variação deles. O jogo começa com os Mímicos e explora sustos por umas 3 horas, já que não dá pra saber onde estão camuflados. Isso até você encontrar um visor chamado Psicoscópio, que realiza a varredura de inimigos e também desbloqueia habilidades Typhon. Depois começam a aparecer os Fantasmas, que são pessoas possuídas por Typhons, em três variações – etérico (fluído), voltaico (eletricidade) e térmico (fogo). O Mímico também possui uma variação superior, mais rápido e com espinhos.

Mas somente lá pra metade da campanha é que surgem os inimigos casca-grossa: Cistoide, Tecnopata, Poltergeist, Tecedor e Pesadelo. Cistoide são criaturas explosivas, que se dividem ou mesclam pra explodir na sua cara. Tecnopata controla máquinas à seu favor e dispara raios bastante perigosos. Poltergeist é uma criatura invisível, pentelha que só vendo. Tecedor controla a mente dos humanos, jogando-os contra você, e também cria Cistoides. Por fim, o Pesadelo faz jus ao nome: é o maior Typhon de todos, que surge de tempos em tempos para caçar Morgan dentro de um limite de tempo. É enfrentá-lo ou fugir. A presença do Pesadelo causa um verdadeiro pavor, no mesmo nível de Alien Isolation.

O primeiro encontro com um Pesadelo a gente nunca esquece.

Prey está totalmente em português, mas não se empolgue muito. A dublagem possui um elenco de vozes decentes, mas dá pra notar a falta de instrução ou material para certas linhas, como um diálogo que era pra ter emoção quando soa calmo demais. Ou falas muito rápidas, que transformam “Sr. Yu” em “Senhorio”, por exemplo. No geral, a dublagem só funciona bem com alguns personagens.

Eu queria ter gostado mais de Prey, de verdade. O jogo tem muitas qualidades como o visual, a trilha, a ambientação sonora, os Typhons, o level design incrível da Talos I… Dá pra notar que tudo foi trabalhado com muito carinho pela Arkane Studios. Pena que pecaram com o excesso da exploração, que diverte apenas por algumas horas para então se transformar numa tarefa obrigatória e cansativa. A campanha dura entre 20 a 40 horas; eu terminei com 33h, pulando um monte de missões secundárias e implorando pra acabar logo. E quando acabou, o final me decepcionou também. Ou melhor, os finais.

Minha sugestão é: espere alguns meses pra conferir Prey na calma, pagando menos. Vale sim a pena, mas não espere um jogo redondo e 100% prazeroso de jogar.

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