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Desde que foi anunciado, Rage 2 – ou RAGE 2, aos que preferem – sempre me pareceu uma incógnita. Não porque o funcionamento do jogo não estivesse claro já no primeiro gameplay revelado, sugerindo um shooter da id Software a la Doom em um mundo aberto a la Mad Max, mas o que me intrigava era justamente a escolha para retornar a essa marca, de todas as outras que a Bethesda possui em sua caixinha de surpresas.

O primeiro Rage – ou RAGE, não me batam – é o caso do game que fez promessas tão grandes, mas tão grandes, que resultou em decepção mesmo entregando uma boa experiência. Era uma ideia bacana, mas que hoje já foi vista em diversos bons títulos, ou seja, necessitaria de um bom diferencial caso a id pensasse em ressuscitá-la. E assim fizeram. Mas qual o diferencial que o destaca?

Fantasia de poder

Antes de tudo, Rage 2 é um título mais despretensioso do que inicialmente era esperado de um título distribuído pela Bethesda. Despretensioso sendo a palavra-chave. A ideia de um mundo aberto, um playground cheio de biomas diferentes para brincarmos com suas mecânicas de combate, é o que a id e a Avalanche Studios, recrutada pela flexibilidade de sua engine própria Apex, entregam de fato.

Imagem do jogo Rage 2
Estrada da raiva.

Nada indicava que Rage 2 seria uma experiência complexa, mas nada também indicava o completo contrário, portanto as expectativas acerca do game variavam de acordo com cada jogador. Tendo jogado cerca de 20 horas e terminado sua campanha principal, posso dizer que Rage 2 está muito mais para Crackdown 3 e Just Cause 4 do que um Fallout ou mesmo um Borderlands – alguém esperava algo no nível disso?

O lema aqui é “deixar as criança brincá”, colocando o jogador quase que instantaneamente num mundo aberto e repleto de atividades de rápida compleção. Você assume o papel de um policial munido de uma armadura super-poderosa e acesso a arcas com upgrades e armas devastadores, ou seja, a ideia é realmente ser uma pura fantasia de poder – como os dois games aos quais comparei acima, que se destacam pela especificidade dos poderes em mãos.

Dentro desse subgênero da “power fantasy”, é necessário atingir um equilíbrio específico. O jogador deve ser poderoso e sentir esse poder nas mãos, mas não o bastante para tornar seus desafios melzinho na chupeta. Assim como outros títulos que deixam sua estrutura aberta ao jogador, Rage 2 tem problemas em atingir esse equilíbrio, dependendo de como sua jogatina for encarada. Como uma brincadeira de crianças, as coisas ficam um tanto aleatórias.

Imagem do jogo Rage 2
Ícones, ícones e mais ícones!

O mundo de Rage 2 e seus inimigos não evoluem conforme o jogador evolui. Claro, há atividades com níveis de dificuldade diversos, mas o desafio será sempre o mesmo para cada um desses níveis. Não há uso inspirado do level design para tirar o jogador da zona de conforto assim que se atinge o topo, e só há o ajuste de dificuldade no menu de pausa para apimentar as coisas. A maior dificuldade, no caso, é tolerar os menus lentíssimos.

Para aqueles que seguirem direto para as missões de campanha, sem coletar muitos upgrades e recursos, o problema mencionado não será tão grande. Porém, quando o ponto do jogo é justamente experimentar os poderes em fases de carnificina mais elaborada, o jogador que “rushar” perderá algumas das qualidades mais prazeirosas de Rage 2. As atividades de fim de jogo não são as mais inspiradas para o uso dos poderes – as sentinelas da Autoridade sendo as mais fracas do jogo todo, consistindo em esperar e atirar.

Por outro lado, quem procurar diretamente pelas Arcas, que com a ativação do modo foco estão sinalizadas como feixes no céu, terá acesso aos divertidos poderes mais cedo, e poderá usufruir melhor delas. No entanto, esses jogadores provavelmente terão realizado uma penca de upgrades em paralelo, usando os recursos que encontram no mundo, e com isso vão amenizar – e muito – o desafio das missões e atividades à frente, que incluem acampamentos, pit stops, corridas e a Mutant Bash TV – que possui apenas dois mapas.

Imagem do jogo Rage 2
Algumas horas de jogo e eu já era presidente.

Matando em nome da diversão

Rage 2, portanto, é muito mais para quem se satisfaz com regalias mais simples, como a pura sensação de controlar um shooter fluido sem necessariamente usar esse gameplay para algo a mais que o instigue a seguir em frente com o título. Há, afinal, muitas atividades espalhadas pelo mundo, e é possível passar horas neste ermo. Mas hoje, com tantos shooters que capricham nos desafios pós-jogo – Anthem não incluso -, o apelo a longo prazo deste game será menor – a não ser que os devs façam DLCs brilhantes.

Dito isso, a fundação aqui é muito sólida. Mecânicas de tiro e combate no geral contam com a mesma fluidez frenética e carregada de pirotecnia vista nos títulos anteriores tanto da id quanto da Avalanche. É fascinante ver como as melhores qualidades dos dois estúdios estão à mostra aqui, tornando o game muito característico de seus trabalhos. Falta identidade ao mundo e à fraquíssima narrativa, mas o gameplay reflete bem sua autoria.

Há impacto e peso para cada uma das armas, enquanto as explosões – de estruturas e corpos humanos – são sonorizadas de forma grotesca, dando uma dimensão deliciosa ao estrago causado. Os dois estúdios se diferenciam por trabalhar com uma plasticidade extrema não só nos visuais, como nos sons e físicas, e atingem aqui um nirvana. Rage 2 é tão visceral que até mesmo o jogador que se decepcionar com sua variedade estará, ao menos, com um sorriso sádico no rosto jogando-o.

Imagem do jogo Rage 2
Encontre o fígado.

O exercício do caos vem acompanhado de uma robusta árvore de habilidades, ou melhor, um pomar delas. Habilidades, armas, veículos e até itens de apoio possuem cada um seus sistemas de upgrades específicos, e mesmo estes sistemas tem camadas adicionais. Para realizar as melhorias, há uma variedade de recursos que são coletados conforme o foco das atividades: feltrita upa diversas, nanotritos melhoram habilidades de ranger, mods de armas melhoram armas, e assim vai.

Seu veículo principal Fênix, no caso, pode ser melhorado com peças de carros, e estas podem ser coletadas entregando outras carangas em cidades comerciais – leia-se: os hubs – e, de forma mais divertida, derrubando os comboios. Quem jogou o Mad Max da Avalanche deve saber o que esperar, mas aqui a grandiloquência passa para outro nível. Há um excesso positivo no combate aos comboios que infelizmente faz falta no resto da locomoção pelo mundo.

O controle dos veículos também não é muito favorável, e muito como o que se viu em Just Cause 4, a vontade era de sair voando com o paraglider toda vez. Mas lá o jogador tinha um gancho e uma roupa para planar, e aqui não, portanto não há muita escolha. Nem mesmo o Ícaro, uma espécie de moto voadora veloz, salva o dia, por conta dos controles teimosos e integridade bastante frágil – um pequeno choque pode explodi-lo. Fora que não há controle para a altura de seu voo. Nem isso.

Imagem do jogo Rage 2
Tudo parece mais calmo de cima.

Jogos feios e bonitos ao mesmo tempo

Na parte gráfica, Rage 2 fascina, mas possui irregularidades. Não posso reclamar da performance no PS4 padrão: sim, roda a 30 fps, mas a taxa raramente cai, pelo menos – aumentar a FOV pode afetar isso. Mas apesar de ter melhor desempenho que em Just Cause 4, a Apex Engine aqui resulta em uma menor qualidade de imagem do que se acostumou a ver nos games AAA, e a iluminação tem seus momentos bons e ruins. Pôres-do-sol e noites de luar são belíssimos, mas cenas com iluminação mais difusa são… fracas. Alguns locais, inclusive, me parecem escuros demais.

Além disso, encontrei um bug e um glitch, ambos desconcertantes. O mais irritante deles, por menor que pareça, era um choque de eletricidade que começava a me acompanhar para onde quer que eu fosse, em momentos aleatórios – dá pra observar isso no vídeo embedado na review. Já um bug mais grave foi o desaparecimento dos sons que não fossem a fala do Ranger, e este me forçou a fechar o game e abri-lo novamente. Fora isso, nada mais, mas podem haver outros.

A Apex é uma engine promissora, competente até, mas que parece mais apropriada a uma outra geração de consoles. Falando nisso, Rage 2 me parece pensado mais para o futuro do que para o presente, já que há leves toques de Destiny aqui. A agenda de DLCs promete muitos desafios e eventos abertos, mesmo que não haja multiplayer. Qual será o apelo? Não sei, mas algo indica que a id e a Avalanche farão algo no modelo dos AAAs de serviço em andamento a.k.a live-service.

Imagem do jogo Rage 2
Esperando o Claptrap carregar na minha frente.

Com grandes qualidades e grandes limitações, Rage 2 acaba-se tornando um game de desculpas. O derramamento de sangue e a pirotecnia serão as desculpas principais para se passar horas no ermo, mesmo que a motivação não seja forte. Já a boa performance e as físicas são desculpa para irregularidades gráficas. Apesar de divertir e entregar o que prometeu – se é que prometeu algo -, sente-se sempre que partes de Rage 2 funcionam em detrimento de outras. Não é um mau jogo, mas não vai explodir a cabeça de ninguém tanto quanto o jogador as explodirá no pós-apocalipse.

Review – Unicorn Overlord

Renato Moura Jr.Renato Moura Jr.16/03/2024