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É incrível como é fácil encontrar palavras para castigar um jogo que se arrasta e que você preferia que nunca tivesse instalado na vida, mas os termos exatos falham para descrever quando o jogo te cativa e você mal vê a hora passando.

Regalia: Of Men and Monarchs (doravante Regalia, para simplificar) é um desses jogos que cabe no segundo grupo. É um daqueles títulos que posso jogar por três, quatro horas seguidas e ainda ficar chateado por ter que fechar. Ele transborda simpatia por todos os poros, é desafiador sem ser brutal, apresenta um universo que só pode ser descrito como pitoresco, com personagens que te fazem, na pior das hipóteses, esboçar um sorriso e, em seus melhores momentos, segurar a explosão de riso para não acordar quem está dormindo na casa, do ar escapar pelo nariz.

O projeto foi financiado por mais de 2.000 apoiadores no Kickstarter e faz bater aquele orgulho pelo processo de financiamento coletivo existir. Primeiro, porque não dá para imaginar um título desses, um cruzamento de JRPG com senso de humor totalmente ocidental, quando não cáustico, saindo de uma produtora convencional. Segundo, porque é visível a paixão de quem trabalhou em seu desenvolvimento, para entregar um jogo muito mais complexo do que parece e com tanto esmero.

A aventura começa! Ou quase isso! Não, péra!

Em Regalia, você controla um grupo de aventureiros na árdua tarefa de restaurar um reino a sua glória anterior. Parece épico na descrição, mas as aparências enganam a todo momento nesse título da Pixelated Milk. Para começar, o tal grupo de aventureiros é liderado por um protagonista covarde, que preferia imensamente estar em outra posição e não leva o menor jeito para isso. Quem o acompanha são uma irmã interesseira e esnobe, uma irmã ingênua e um cavaleiro que sabe-se lá por que motivos é fiel a essa trupe. O protagonista é o único herdeiro do reino e, com muita relutância, terá que encarar esse desafio. Seu bando, que já não era dos mais recomendados, vai só se tornando cada vez mais inusitado, como um ímã para todo tipo de pária social.

Migram para a cidade uma mulher selvagem com rompantes filosóficos, uma bruxa de fogo intempestiva, um ferreiro que é o oposto do estereótipo másculo da profissão, um vampiro patético e outras figurinhas que vão cativar o jogador com cenas hilárias. E você terá que interagir um bocado com eles: uma das mecânicas do jogo é ampliar o laço de amizade com os residentes e aqueles que o acompanham nas aventuras, rendendo grandes situações e o desbloqueio de novas habilidades de combate.

Fosse Regalia um título de estratégia e administração de recursos e pessoas já seria uma boa pedida para desopilar o fígado e explorar esse mundo colorido que a desenvolvedora colocou na tela. Mas ele é na verdade um RPG tático, com combates por turnos e distribuição e movimentação de lutadores em uma grade. Se o jogo já era divertido até esse ponto, a partir daí ele se torna um bem executado xadrez que convida o jogador a experimentar abordagens e calcular cada movimento, com um ritmo bom para não se tornar enfadonho.

Muitos dos confrontos inclusive possuem objetivos bem diferentes do simples “mate tudo que não está do seu lado” e todas as batalhas possuem objetivos opcionais que você pode encarar para ganhar recompensas extras. E não existe uma receita certa para a vitória, frequentemente uma pequena mudança de planos pode representar a diferença entre uma derrota catastrófica e um magnífico triunfo.

Além disso, o combate consegue manter o bom humor, sem apelar para o bizarro, mas com uma seleção de inimigos fora do convencional. A sátira dita a atmosfera, mas as mecânicas são de jogo sério.

E o que seria de uma sátira sem uma boa dose de referências? Elas abundam ao longo do jogo, ainda que de maneira discreta, sem aquele cacoete de outras produções que insistem em disparar piadinhas a todo segundo. Mas veteranos de RPGs de outras gerações ou plataformas irão reconhecer um aceno aqui e outro ali, enquanto Regalia vai construindo seu próprio espaço, chegando com suavidade.

Visualmente, há uma clara influência oriental na arte, mas com um estilo próprio. O protagonista tem cabelos pontudos e desarranjados, o bebum da taverna é praticamente o avatar de todos bebuns de taverna que já cruzaram um anime, o mercador ganancioso é uma caricatura que beira o ofensivo, mas não se pode dizer que Regalia imita esse ou aquele material original, bebendo, na verdade, da mesma fonte de tantos JRPGs, mas com um toque ocidental próximo da linguagem dos quadrinhos. O resultado final é uma bem-vinda mistura de desenhos com gráficos 3D e efeitos visuais que não deixam nada a desejar.

Há algo de podre no reino da Dinamarca

Entretanto, Regalia não é isento de problemas. Uma equivocada decisão de design limita os locais de salvamento para a cidade principal e os acampamentos durante uma aventura. No primeiro caso, embora haja um ícone de salvamento no castelo, você pode salvar a qualquer momento a partir do menu, desde que esteja na cidade e isso não é explicado de forma muito incisiva.

Mas o maior defeito está na forma em que as “dungeons” são estruturadas: são áreas onde a aventura e o combate acontecem, formados por até 5 lutas e 5 desafios, mas com um único ponto de salvamento, que só pode ser utilizado uma vez. Personagens que tombam em batalha só podem ser ressuscitados no acampamento e uma decisão equivocada pode obrigar o jogador a voltar atrás uma hora inteira de jogo. A Pixelated Milk anunciou que está estudando uma forma de melhorar a forma de salvar, uma das maiores reclamações da comunidade.

Quem começa o jogo maravilhado pela leveza da trama e pela simpatia dos personagens pode não perceber a complexidade exigida para se avançar no enredo. É muito fácil falhar vergonhosamente logo no primeiro capítulo e perder horas, revertendo para um save game antigo. De imediato, você tem um número limitado de dias dentro do calendário do reino para cumprir um número determinado de missões, com custos em dias variados. Se o jogador não souber administrar o tempo e se perder no que apenas parece um mundo aberto, é fim de aventura, tela de “game over”. Minha dica para os iniciantes? Converse com os personagens, cuide da sua cidade, complete algumas metas locais e depois se arrisque em umas duas “dungeons”.

Para completar a trinca de problemas que arranham um pouco a boa imagem de Regalia, temos alguns bugs na hora da batalha. Mais de uma vez, vi um inimigo morrer, mas suas estatísticas permanecerem na tela, assim como um de meus aliados tombar mas os oponentes ainda assim atacarem o último quadrado onde ele esteve. Nada que atrapalhe a jogabilidade (na verdade, esse último exemplo até ajuda você!), mas não dá para não notar.

Uma conclusão que não conclui muita coisa

Fosse Regalia: Of Men and Monarchs um personagem de RPG, certamente teria muitos de seus pontos investidos em Carisma. Mas, enquanto um observador casual cai sob o encanto de sua lábia, ele sutilmente prepara sua adaga para o golpe de oportunidade e também esconde um nível de Intelecto bastante elevado. Quando você se dá conta, você está completamente caído no chão, uma poça de sangue se formando e… Talvez não sejam as palavras certas para descrever o jogo, mas isso apenas comprova que não é nada fácil explicar como funciona o misterioso processo da simpatia.

Nove de dez, mataria zumbis burocratas várias vezes, mas a dança das pétalas ninguém merece.

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