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Eu acredito na ideia de que videogames podem ser considerados obras de arte. Não só pelo fato de conseguirem engajar a sua audiência de uma forma única (através de gameplay), mas também por muitas vezes subverter nossas noções preestabelecidas sobre um determinado tópico através da sua interatividade intrínseca, que nenhuma outra forma de mídia pode oferecer. Okami é um bom exemplo disso, que tem a pintura como seu principal modo de engajamento com o jogador, e mesmo sendo um jogo relativamente conservador em termos de mecânicas, ele é considerado uma obra sem precedentes nos quesitos de design, estética e apresentação visual. E mesmo assim, como em qualquer outra meio de entretenimento, há aqueles que subvertem as normas para despertar novas reações no seu público, como em Tacoma, que transforma o jogador em um observador passivo na maior parte do seu tempo, revivendo as conversas de tripulantes da estação espacial homônima, que há muito já não estão mais entre nós, procurando entender o que realmente aconteceu dentro dos seus corredores minimalistas.

RIOT: Civil Unrest não é um desses jogos.

O problema da ambição

Desenvolvido por Leonard Menchiani, com produção da IV Productions (produtora/desenvolvedora italiana) e ainda em Early Access, RIOT: Civil Unrest é um jogo que possui como sua principal ideia reintroduzir algumas das mais importantes manifestações político-sociais das últimas décadas para uma nova audiência através da interatividade de um videogame, transformando esses eventos históricos (como a Primavera Árabe, por exemplo) em campanhas jogáveis, passando por ambos os lados dos confrontos, tentando criar uma visão imparcial destes conflitos, sem reescrever a história real, mas ainda assim estimulando a imaginação com um tipo de cenário que pode ser comparado a um “o que aconteceria sê…”, mas deixando de lado as visões políticas individuais.

Imagem do jogo Riot: Civil Unrest
Uma das ações pacíficas dos manifestantes.

É difícil explicar, pelo menos de uma forma concisa, em qual gênero o jogo se encaixa, mas ele é descrito pelos desenvolvedores como uma “simulação de manifestações” em tempo real. Quando estamos jogando do lado dos manifestantes (rioters) os comandos disponíveis para o jogador são mais sugestões do que ordens propriamente ditas (levando em consideração a falta de uma liderança central nesses tipos de grupos), enquanto que com a polícia, as decisões dos jogadores, o planejamento tático e a execução cautelosa das suas ações são o segredo da vitória.

Foco no impacto, não no gameplay

Apesar de uma ideia geral sólida, os problemas aparecem quando se tenta traduzir as ações e contra-ataques caóticos e imprevisíveis de uma manifestação real em mecânicas satisfatórias para o jogador interagir dentro do jogo. A jogabilidade é confusa, e a falta de cenários introdutórios, para explicar e reforçar estas mesmas mecânicas implementadas, acabam tornando a experiência confusa. Não fica claro o que necessariamente funciona (ou não) em determinado momento, e muitas vezes o sucesso parece que foi atingido mais por uma falta de reação do computador do que planejamento estratégico consciente por parte do jogador, especialmente do lado dos manifestantes.

De certa forma, é até compreensível que a apresentação do jogo não esteja em par com os atuais padrões da indústria, mas mesmo assim é difícil aceitar que os sistemas de interação do jogador já não estejam consolidados ou ainda mal otimizados. E quando certos aspectos do design, especialmente a interface do usuário, são tão simplistas acabam criando um aspecto de um jogo amador, não de um produto comercializado. A personificação disso são os menus, que apesar de relativamente funcionais, não passam de frases soltas na tela sem nenhuma interação com o resto do design, e mesmo se comparado com outros jogos que foram similarmente desenvolvidos por times pequenos, Riot: Civil Unrest fica muito abaixo do esperado.

Imagem do jogo Riot: Civil Unrest
O cuidado com os detalhes na arte não condiz com a qualidade final do jogo.

Ainda pior são os tutoriais, que além de estarem escondidos em outros submenus, igualmente mal elaborados, não passam de alguns parágrafos explicando o óbvio, sem se aprofundar realmente nas mecânicas do jogo e o que faz ele realmente funcionar. As descrições dos itens são um exemplo, não trazendo nada de significativo além de uma explicação padrão, em uma ou duas linhas, que já é compreendida apenas pela leitura do nome do item e ícone que o acompanha.

Potencial desperdiçado

Dentro do jogo, no entanto, há riqueza de detalhes dos modelos em 8bits, com sprites alongadas que criam uma ilusão de proporções realistas, claramente inspiradas no design do Superbrothers: Sword and Sorcery EP. Das armaduras improvisadas com estofamentos de carros aos objetos que os manifestantes jogam contra as forças de repressão, desde pedras e entulhos, até bombas artesanais feitas com papelão e garrafas, realmente consegue imergir o jogador naquela situação em particular. E ver esses modelos reagindo ao rugido de um foguete mal e porcamente montado com pólvora, papelão e alguns tubos de PVC, explodindo ao lado de um pequeno grupo de policiais é genuinamente excitante, especialmente considerando o design de som, que embora modesto devido ao tamanho da equipe de desenvolvimento, consegue pontuar bem a ação.

Todo o cenário de Riot: Civil Unrest se inicia com um pouco de contexto por trás daquele conflito histórico em particular, com cutscenes muito bem elaboradas, dramatizando os momentos finais antes do início do confronto, e ao final de cada nível, dependendo de como foi a performance do jogador, há a possibilidade de bônus (ou penalidades) serem adicionadas a equipe na próxima fase. É uma pena toda essa atenção aos detalhes na arte não refletir, realmente, a qualidade geral do produto.

Imagem do jogo Riot: Civil Unrest
As vezes o jogo parece uma pintura pontilhista abstrata.

Em conclusão

Gosto é uma questão muito subjetiva e difícil de quantificar. Mas satisfação, a ideia de que um produto que você pagou um valor monetário para adquirir (R$25.99, nesse caso) realmente conseguiu lhe dar prazer é um pouco mais fácil de se compreender. E, no fim das contas, acredito que tudo se resuma a uma simples premissa: se Riot: Civil Unrest é um jogo divertido. Eu posso te dizer que, no seu atual estado, não é um jogo divertido.

Early Access não deveria ser utilizado como uma muleta para justificar o lançamento de um produto em um estado claramente inacabado, especialmente se for para criar uma primeira impressão tão ruim no jogador. E da forma como ele foi apresentado para o público, Riot: Civil Unrest mais parece um experimento artístico do que um jogo na maior parte do seu tempo. Um jogo que, no seu núcleo, tinha uma grande ideia, mas que acabou sucumbindo a vontade de seus desenvolvedores de criarem um produto relevante sem realizar todo o seu potencial, tanto em termos de ambição artística, quanto em jogabilidade.

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