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Minha face é um letreiro de palavras de ordem, por minhas veias flui óleo de máquina, bits e sede de matança, meus braços são duas armas que carregam armas, que carregam a morte em cada esquina enquanto o tempo se interrompe para dançar a minha dança, os corpos se empilham e os marcadores de energia cintilam na periferia da visão, interrompidos por novos flashes de inforragia e o inexorável comando de KILL THE BOSS. Sou aquele que traz a ruína. Sou aquele que vaga pelas ruínas do que deveria ser um futuro perfeito.

Eu sou Ruiner.

O título de estreia da Reikon Games é uma injeção de adrenalina com seringa de silício direto no peito, uma cusparada ácida no sonho tecnológico, um dedo do meio estendido com fúria e caos, um liquidificador digital que mistura a estética de animes, fanzines de música, Heavy Metal, Ranxerox, neon, Blade Runner, punk rock e Robocop e regurgita do outro lado um intenso caldo cultural, reciclado, falho em vários pontos, mas com gosto forte.

Ruiner
KILL THE BOSS

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O ano é 2091 e a cidade fictícia de Rengkok é a nova Miami, castigada por cores cegantes, corrupção, crime, párias sociais e com um assassino à solta. As semelhanças com Hotline Miami não param por aí e vão pontuar essa jornada: o protagonista também utiliza uma máscara e é conduzido quase como uma marionete de cenário em cenário para realizar aquilo que faz de melhor, uma coreografia brutal de assassinato combinando armas e habilidades, morrendo quase tantas vezes quanto mata, até conseguir a vitória. Mas aqui o cartunesco é substituído por um hiperrealismo exacerbado, por um brilhante jogo de sombras e uso de tons, que destacam a decadência desse futuro e a violência de seus habitantes.

A vida humana tem pouco ou nenhum valor, e mesmo o protagonista é tratado como lixo por todos, inclusive por aqueles que supostamente seriam seus aliados. Não é estragar segredos afirmar que sentimentos bonitos foram deletados de Ruiner e sua narrativa, quando funciona, mergulha em uma espiral de batalhas sem sentido, sobrevivência do mais forte e KILL THE BOSS. Seu enredo não se conta narrando ou apenas em cenas de corte, mas se resolve também na truculência das lutas e até mesmo nas telas de resultado de cada confronto, que avaliam sua performance mas também reforçam que seu “herói” nada mais é que um objeto a ser controlado, uma personagem em um grande jogo, invadindo assim o campo da metalinguagem, ainda que sem atingir o próprio jogador, como em Hotline Miami.

Essa cidade futurista e sem esperanças exala vida nos momentos de respiro entre cada luta e convida a exploração, mas o que ela oferece também é uma máscara para o caldeirão em ebulição em suas ruas, abrigo para rejeitados, fortaleza para os poderosos, laboratório para estranhas combinações de corpo e máquina, púlpito para novas leis, novas religiões, nenhuma delas capaz de suprir a necessidade humana de alento, tudo convergindo para um único ponto de desequilíbrio e o protagonista é aquele que dá o chute final, aquele que provoca a queda, o “arruinador”, embora ele também faça parte dessa grande família de refugos.

Ruiner
KILL THE BOSS

É o cyberpunk vivo e ainda pulsante, três décadas depois de sua concepção, ainda agressivo e quase ali em nosso futuro, a lembrança desagradável que nem todos os avanços tecnológicos do mundo serão capazes de mudar a lei da selva urbana, onde os ferrados serão ainda mais ferrados e os poderosos ainda mais poderosos, senhores de corpo e mente de uma massa que rasteja por labirintos de plástico, concreto e sinais digitais. Não há elegância em Ruiner, não há poesia, apenas o rugido dos esquecidos em conflito.

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A Reikon Games escolheu a violência como ferramenta de diálogo com esse mundo, mais do que a exploração ou a investigação. Questionamentos não são permitidos e tampouco existe tempo para avaliar esse futuro vermelho e negro quando as balas começam a voar em todas as direções. Em sua superfície, Ruiner é um twin-stick shooter, onde é possível correr para um lado e olhar para outro e a habilidade de se desviar dos ataques é tão importante quanto a habilidade de distribuir dano. Mas, essa é apenas a camada mais superficial, porque o título também agrega um complexo sistema de perícias que exploram todas as possibilidades de ataque e reforçam a velocidade e a letalidade do protagonista: ele pode se se movimentar em saltos entre espaços no meio da luta, ele pode ampliar seus reflexos e reduzir o fluxo do tempo, projetar barreiras cinéticas. Ele é fruto desse futuro, o predador supremo, e cabe a seu condutor empregar esse amplo leque de opções para triunfar em combates impiedosos.

Ruiner
KILL THE BOSS

Em mãos habilidosas, o “herói sem nome” é um bailarino da destruição, um artista da carnificina que se movimenta com a graciosidade de um ninja ciborgue. Em mãos menos habilidosas ele é um furacão de tiros, lâminas e até mesmo um pedaço de cano, atropelando oponentes, sobrevivendo com uma mistura de sorte e recursos. O resultado final é o mesmo e o titulo não esconde: cadáveres, sangue e pedaços humanos e cibernéticos. Inicialmente, Ruiner foi lançado com uma dificuldade exacerbada, mas a Reikon Games reduziu o desafio para quem joga nos níveis mais baixos.

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Mas se a desenvolvedora obteve êxito na reprodução do que define o cyberpunk, falhou em adicionar seu toque ao gênero. Não há nada de novo no fronte aqui e sua estrutura se torna bastante repetitiva depois do impacto inicial, com níveis (e inimigos) muito similares entre si e nenhum conceito inédito que dê fôlego extra a essa visão do futuro. Não é pouca coisa o que Ruiner realiza, mas o potencial para ir além é desperdiçado diante do deslumbre.

Ruiner
KILL THE BOSS

O próprio combate poderia receber mais polimento. Ainda que o sistema de recarregamento depois de cada morte seja instantâneo (o que se adequa com perfeição ao conceito de que a vida não vale nada), os controles poderiam ser mais precisos e não foram poucas as vezes em que morri justamente porque a resposta do personagem não foi a que eu estava esperando. E volto a comparar Hotline Miami com Ruiner: se aquele exigia precisão do jogador, ele também oferecia isso em seus controles; enquanto aqui a liberdade de ação tática concedida disfarça (mas nem sempre) que os controles não são tão precisos. A abordagem linear dos níveis também depõe contra Ruiner, enquanto Hotline Miami, similar em termo de ritmo de combate, apresentava níveis com múltiplas rotas e formas de executar o combate.

Finalizando os aspectos negativos, é impossível não apontar para uma falha crucial do sistema de habilidades: elas são permutáveis. O jogador pode ajustar as perícias adquiridas de acordo com a necessidade, inclusive durante as batalhas. Se, por um lado isso permite que o jogador se adeque a esse ou aquele oponente que exige o uso de perícias específicas, por outro lado abre caminho para abusos ou para uma desnecessária quebra de ritmo no fluxo da combate, com a ação pausada para que se possa trocar os pontos investidos de uma habilidade para outra. Batalhas realmente flexíveis, onde diferentes perícias poderiam levar à vitória, resolveriam esse problema.

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A Reikon Games é formada por veteranos poloneses oriundos de Dead Island e The Witcher, mas suas lentes conseguem capturar uma metrópole cosmopolita que poderia estar em qualquer lugar do mundo em qualquer futuro sombrio. Misturando referências de uma forma tão veloz que é impossível identificar todas as obras que a compõem, eles produzem um coquetel que não é para qualquer paladar, seja pela brutalidade de seu combate ou pela brutalidade de sua estética, mas, sem sombra de dúvidas, um coquetel que irá incendiar aqueles que aceitarem seu convite e vestirem essa máscara.

KILL THE BOSS.

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