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Talvez as coisas tenham saído um pouco de controle. Ao iniciar Saints Row: The Third Remastered, meu primeiro impulso assim que chego ao Character Creator do jogo é moldar minha versão de Keanu Reeves. Já nem via mais aquilo como Saint’s Row, mas sim um simulador pessoal de John Wick, e com isso fui tomado pelo encanto de meus próprios delírios com aquilo que criei. Foi difícil focar no que quer seja, já que passava horas apenas de bobeira com meu muscle car sob a luz dos neons, testando diferentes combinações de ternos e cabelos – claro, tudo dentro do estilo do ator. Em 2012 fui Jason Statham (com a voz de Robin Atkin Downes), em 2020, Keanu (com a voz do então desconhecido Troy Baker).

A partir disso, surgiu um questionamento inesperado. Seria esse um mérito do próprio jogo, ou uma reação completamente subjetiva da minha parte, que não teria efeito algum sobre o critério com o qual iria avaliá-lo? Fácil assumir que a segunda alternativa seria a verdadeira, no entanto, conforme me permiti adentrar na experiência de Saints Row: The Third, aquela que todos terão independente do chefão ou chefona do crime que criarem, as coisas deram uma guinada. O que é especial acerca de The Third (e a franquia toda, realmente) é que esses jogos pertencem a um tempo muito específico.

Baú de brinquedos

Há de se dizer que a escolha do jogador é muito incentivada hoje em dia, com itens cosméticos aos montes, narrativas customizadas e inúmeras outras variáveis, mas nada disso reflete a natureza de “baú de brinquedos” que Saints Row: The Third possui desde seu lançamento em 2012. Em tempos no qual pagamos por cosméticos e aparências em jogos de mundo aberto, The Third oferecia um leque praticamente sem fim de opções para todos os gostos, começando pelo fato de seu Character Creator ser, de fato, um dos mais impressionantes já criados dentro de um jogo.

Imagem do jogo Saints Row: The Third Remastered
Excommunicado.

Apesar de tudo depender da imaginação do jogador, outra grande variável, esta é uma variável completamente prevista pelos desenvolvedores, que assim como seu público alvo, devem possuir uma imaginação quase juvenil com suas tantas possibilidades e completa falta de noção (no bom sentido). Por quê separo tantos parágrafos para tocar nisso? Tudo isso, que pode ser considerado apenas a superfície, dá a Saints Row: The Third um aspecto atemporal, o que por sua vez já responde com um “SIM” a maior pergunta deste review: esta remaster se segura?

Devo dizer que boa parte do encanto vem pelos méritos técnicos de Saints Row: The Third Remastered. Fazer com que um game de 2012 aparente atual não é tarefa fácil, mas a Volition e a Sperasoft conseguiram essa proeza sem economizar nas melhorias, fazendo jus à extravagância desmedida dos Saints. A primeira coisa que muitos irão notar é a nova iluminação, com um sistema global de luminância, oclusão de ambiente e outros efeitos bacanas como God Rays, Blum Lighting e algo que faz muita diferença, principalmente nas seções noturnas ou chuvosas, as Screen Space Reflections.

Se a cidade de Steelport originalmente parecia um tanto feia, aqui ela se torna vibrante, com neons refletindo em poças d’água, faróis que emitem um efeito exageradíssimo de lens flare, e capôs reluzentes nos diversos veículos que serão coletados e customizados ao longo da campanha. Não que eu duvidasse da capacidade da Deep Silver em oferecer um tamanho upgrade, mas me impressiona o quão redondo tudo ficou. Não há um aspecto visual sequer que não tenha sido melhorado, diferentemente de outras remasters que apenas dão um up na resolução e algumas das texturas.

Caprichando no visual

Imagem do jogo Saints Row: The Third Remastered
O distrito da luz vermelha… e do lens flare.

Além disso, enquanto muitas remasters sacrificam a identidade visual no processo, esta apresenta o que os devs queriam ter entregado esse tempo todo mas talvez não tiveram a capacidade lá atrás. Algo que se torna aparente na remodelagem de todos os personagens do game, alguns deles mais assemelhados aos atores que os dublam – Johnny Gat agora se parece razoavelmente com Daniel Dae Kim – e outros mais aproximados de suas versões CGI vistas em trailers e anúncios, como o brucutu Oleg. Suas peles, roupas e cabelos ainda refletem luzes ambientes de forma convincente.

Felizmente, para os donos de consoles Enhanced como o PS4 Pro e o Xbox One X, há dois modos disponíveis para definir a taxa de quadros, seja ela travada nos 30 frames por segundo ou destravada, este segundo modo sendo até suficientemente consistente para proporcionar maior fluidez. Diversos efeitos de pós-processamento também são chaveados, podendo ser ligados ou desligados, como a granulação de filme, motion blur e ainda um slider de nitidez, que nem aquele que vemos em Red Dead Redemption 2. É sempre bom quando remasterizações oferecem essas escolhas.

Imagem do jogo Saints Row: The Third Remastered
O mundo é seu.

Na minha memória, lembrava de ter gostado mais de Saints Row IV com seus superpoderes e sua natureza literalmente menos pé-no-chão. Com um novo olhar sobre games de mundo aberto, porém, acabei mudando de ideia e agora considero The Third como o melhor de sua franquia, por um motivo específico. Enquanto no IV muitas mecânicas tornavam-se praticamente irrelevantes em meio ao foco nos poderes, aqui existe uma ideia de progressão mais palpável, estruturada ao longo das inúmeras atividades espalhadas por Steelport, que crescem exponencialmente com a inclusão de todos os 30 DLCs (entre eles, 3 novas questlines divertidíssimas).

Missões principais e atividades secundárias levam a um maior domínio de cada distrito da cidade. Isso, por consequência, aumenta os ganhos por hora do jogador, e essa grana por sua vez permite a aquisição de novos upgrades. Esses upgrades, então, levam a mais diversão. Como o mapa de Steelport contém uma quantidade seleta de ícones se comparado com os exemplares de mundo aberto atuais, o processo de ir atrás de cada atividade por vez se torna mais convidativo, além de que tais atividades são incrivelmente divertidas – Insurance Fraud, que consiste em pular na frente de carros para conseguir dinheiro do seguro, é um minigame clássico que merecia um jogo próprio.

Imagem do jogo Saints Row: The Third Remastered
O minigame de Insurance Fraud é incansável.

De volta ao básico

A falta de superpoderes também faz com que os veículos do jogo sejam muito mais necessários, o que por sua vez incentiva a customização das carangas. Além disso, com a trilha sonora excepcional que havia sido selecionada pela dev Volition em 2012, fica difícil não querer sair dirigindo por aí, seja ao som de eletrônicas divertidas como Baggy Bottom Boys e Idealistic, seja com faixas absolutamente eternas como Return of the Mack, de Mark Morrison, e Epic, do Faith No More. Ainda melhor é poder montar sua própria mixtape com suas faixas favoritas da trilha. Ah, e as batidas estão mais espetaculares com a física melhorada, então aí vai outro incentivo para valorizar a presença dos veículos.

O esquema de controles não agrada tanto, ainda sem opções alternativas, mas é algo que dá para tolerar e se acostumar. Particularmente não gosto de ter a roda de inventário elencada para o botão O / B e o analógico esquerdo, fazendo com que o personagem pare só para mudar de armamento, mas outras decisões são mais inteligentes, como o sprint ativado pelo L1 / LB, algo especialmente útil na hora de realizar derrubadas estilosas nos inimigos. Ainda há um aspecto do qual não me lembrava no The Third original, que são takedowns de QTE ativados quando estamos desarmados e seguramos o gatilho esquerdo. Suspeito que seja novidade, já que testei o IV esses dias e tal opção não existia.

Imagem do jogo Saints Row: The Third Remastered
“A fucking tiger?!”.

The Third pode também não ter o combate superpoderoso do IV, mas este é um aspecto que estava à frente do tempo e não pude perceber. Há problemas que persistem, como a collision detection que faz o jogador “tropeçar” em objetos do cenário e a câmera que nem sempre se adapta aos diferentes ambientes. A sensibilidade da mira está bem dura no default, e pessoalmente tive que ajustá-la para a casa dos 90 para que controlasse bem. Mas a mistura de tiro em terceira pessoa, brawler e estilo incentivam combinações novas a cada encontro, na lógica do “porque sim”. Mais do que nunca, tudo possui uma energia nostálgica, um quê de Jackass com GTA nessa mistura de pastelão violento com mundo aberto.

O que nos traz de volta a John Wick. A franquia de ação também parte dessa mesma energia do pastelão, arremessando Keanu Reeves em pelo menos umas 150 vidraças e janelas por filme, quase sempre debaixo de uma luz magenta. Saint’s Row: The Third Remastered traz algo parecido, uma experiência em que o jogador frequentemente se vê arremessado de prédios e helicópteros, atropelado, incendiado, baleado e esfaqueado por todos. Em uma indústria na qual boa parte disso resultaria apenas em punição ou frustração, a Volition encontrou uma maneira de tornar tudo isso na alegria do público.

Keanu praticando suas falas para Gangstas in Space.

Ou seja, exatamente a mesma coisa que Keanu e os dedicados dublês com o qual contracena fazem para os cinéfilos, com a exceção de que não são hilárias ragdolls que flutuam livremente contra todas as leis da física. Você chama de Saints Row The Third Remastered, eu chamo de John Wick Simulator 2020. E ano que vem, talvez eu faça dele outro jogo.

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