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Acho que, assim como todos os demais reviews de Salt and Sanctuary, começar dizendo que esse jogo é um encontro entre Metroidvania e Dark Souls é dizer mais do mesmo sem acrescentar nada de bom. Talvez funcione para vendê-lo a quem é fã dos dois gêneros, afinal ambos são estilos que arrebanham gamers e sempre conquistam espaço ano após ano.

No entanto a história agora é outra, já que o trabalho da SKA Studios vai muito além de um Soulslike e oferece bastante conteúdo para se diferenciar do que poderia ser apenas uma simples imitação 2D de uma franquia de sucesso. Todas as características que já conhecemos desses jogos estão reunidas aqui de alguma maneira, mas onde o título realmente brilha é na sua capacidade de transmitir o terror, a solidão e o perigo iminente a todo momento. Tudo dentro de uma bolha criada perfeitamente pela sua própria identidade e características únicas. Com um quê Lovecraftiano e logo de início lançando o nosso herói em uma ilha sem nome, deserta e extremamente perigosa, a jornada começa embasada numa promessa de uma narrativa que ao final pouco importa e que cria espaço para apenas matar, esquivar e sobreviver.

Morre demônio

Fé, medo e sobrevivência são as principais temáticas abordadas durante o gameplay, passando por ambientes desolados, soturnos e dominados pela escuridão. Forças ocultas estão entre você, o herói, e sua busca pela princesa perdida – ela é o principal motivo para o desenrolar da narrativa, que pode ser facilmente esquecida e dificilmente explicada através de NPCs e itens, no entanto sempre explorada e acompanhando os desafios na Ilha Sem Nome e testando a sua fé no Deus Sem Nome.

Isso é apenas o começo, já que você não sabe nada sobre para onde você estava acompanhando a princesa, que crise é essa que será evitada, onde você foi parar e, claro, o mais perturbador: por qual motivo essa ilha trata a morte de maneira diferente? Acho importante um jogo apresentar esses questionamentos, seja para nortear o caminho que será percorrido ou para complementar o fator replay. Afinal, para aqueles que não gostam muito da ideia do aprendizado que o combate exige nesse estilo de jogo, o cânone desse universo é bem atraente e conseguiu me fisgar desde o início.

Imagem do jogo Salt and Sanctuary
A “paz” nessa ilha medonha não dura muito, nem mesmo no começo do jogo.

Outro ponto curioso no trabalho da SKA Studios é a direção de arte escolhida, reforçando fortemente a chancela de indie que esse game possui. Tudo foi desenhado a mão e quadro-a-quadro, criando uma animação fluida e movimentação dos personagens como se fosse um jogo AAA. Esse, para mim, tornou-se um ponto forte ao avaliá-lo, ainda mais por conta das centenas de itens e customizações que você consegue ao utilizá-los.

Ao abandonar o estilo 3D e partir para um jogo 2D animado frame por frame na mão, Salt and Sanctuary consegue realizar muito melhor a questão da fluidez em combate e movimentação se comparado a jogos como, por exemplo, The Surge. Acrescentando um botão para salto ao padrão do rolamento/esquiva e parry (mesmo que esse último seja algo que exige bastante habilidade e observação), o combate e exploração são prazeirosos, desafiadores e estimulam você a aprender, voltar e tentar novamente após cada morte.

Esse ciclo sobrepõe qualquer limitação do jogo, muito aclamado pela crítica pela ousadia dentro da sua própria proposta e escopo, porém também criticado pela visão 2D e os erros causados pelos segundos de imunidade ao rolar. Eu acrescentaria não à crítica pela escolha do 2D, mas sim ao hit box muitas vezes ser ignorado algumas vezes em batalhas contra chefões. Basta você se aproximar de algum deles para, por sorte, ser jogado do lado contrário ou, o que normalmente acontece, não tomar dano pelo contato e sim fazer com que ele vire com você já desferindo um ataque indefensável. Dentre os quase 20 chefões, muitos deles certamente farão você chorar de ódio e vibrar a cada vitória, principalmente por sobreviver ao novo modo que assume próximo aos últimos 25% de vida, assim conquistando cada vez mais sal e indo de santuário em santuário buscando por melhorias para o seu personagem.

Imagem do jogo Salt and Sanctuary
Para invocar NPCs úteis, escolha sempre a “religião” certa.

Sal e Santuário? Sim! O que dá nome ao jogo também são as duas principais mecânicas criadas pelos desenvolvedores para mover o gameplay. A primeira delas, o sal, substitui as souls (almas) de Dark Souls e funciona muito bem dentro desse universo. Da mesma maneira, basta uma derrota em combate para que seu XP/sal fique em um lugar/inimigo, aguardando que você volte para recuperá-lo.

Já os santuários ocuparam as funções das fogueiras – ambientes seguros que permitem aumentar sua level (mas sem se preocupar com status individuais), além de melhorar sua árvore de habilidades e invocar NPCs que contribuirão para a região da ilha em que estiver. A árvore de habilidades, ao melhor estilo Final Fantasy X, é diferencial para influenciar nos seus status individuais, que são facilmente perceptíveis quando alterados. Afinal, eu nunca sei quanto +0,5% de STR (força) vai contribuir ao meu ataque, porém em Salt and Sanctuary consigo perceber que meu inimigo morre mais rapidamente após comprar duas peças da árvore de habilidades.

LOST

Imagem do jogo Salt and Sanctuary
O design dos chefões impressiona pela imponência.

Continuando com as atualizações de mecânicas já desgastadas, além de poder recuperar seus XP ou perdê-lo de vez após duas mortes seguidas, um monge sempre resgatará seu corpo e o levará de volta até o último santuário que cruzou. Para que isso aconteça, ele cobrará um valor pelo resgate de seu corpo, ou seja, além do sal perdido você também perderá uma boa quantia de dinheiro e, caso você venere um dos deuses daquela região, o preço pelo resgate será ainda maior.

Essas pequenas alterações em um estilo já conhecido, além de serem gratas surpresas, tornam o jogo cada vez mais interessante. Isso também reforça que os cinco mil quadros desenhados a mão foram muito bem utilizados pelos desenvolvedores e encaixaram perfeitamente na proposta desse indie ambicioso, buscando referências e criando mecânicas, atualizando-as à sua própria necessidade e construindo sua identidade. Acredito que tudo isso torne Salt and Sanctuary único, assim como Hollow Knight foi e o recente Dead Cells consegue ser dentro dessa mania crescente por roguelikes, roguelites e metroidvanias.

No fim, Salt and Sanctuary pode ser um jogo incrível, com um cânone pronto para ser descoberto e montado por você, com horas de gameplay e grandes lutas, todas muito bem estruturadas e com uma pegada estratégica maior. Também pode ser um campo de batalha imenso para testar os seus reflexos e habilidade em esquivar e matar. Portanto, o grande trunfo desse jogo é se moldar ao estilo dos jogadores mais curiosos, mesmo que não seja um bom título para novatos no gênero. E caso no fim se entedie, ao menos terá uma boa trilha sonora cheia de guitarra e crescentes tentando manter o ritmo do jogo e criando aquela sensação de desespero por conta do perigo, evitando ser apenas a história de uma ilha ligada à religião e ao significado da vida/morte (oi, Lost, tudo bem?).

Review – Unicorn Overlord

Renato Moura Jr.Renato Moura Jr.16/03/2024