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“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” – Eduardo Galeano

O ano é 2048. A humanidade atingiu o seu ápice, a tecnologia está tão avançada que homem e máquina convivem em harmonia, humanos são servidos por robôs e gozam desse privilégio. O caos reina, a taxa de criminalidade nunca esteve tão alta e uma guerra está prestes a eclodir entre autoridades e cyber-terroristas. No meio de tudo isso está Richard Nolan, um polêmico jornalista que parece atrair todo tipo de problema para si, como se a realidade em que ele vivesse já não fosse ruim o bastante.

State of Mind é mais um discípulo de Neuromancer que nos coloca em um futuro nem tão distante e, usando e abusando da ficção científica, nos apresenta diversos problemas que, acreditem ou não, possam vir a ser reais daqui algumas décadas. Bebendo de fontes já conhecidas como Life is Strange e os jogos da Telltale, a Daedalic Entertainment nos traz um adventure focado totalmente em narrativa e exploração, apresentando uma trama repleta de investigação, mistério e conspirações.

O que separa o homem da máquina?

Tudo se passa em uma Berlim decadente durante uma onda de desemprego, falta de recursos e opressão do governo. Richard Nolan, um colunista do veículo de comunicação mais popular na região, acorda em uma clínica após sofrer um acidente de carro que resultou na perda quase total de suas memórias. Para completar sua maré de infortúnio, Richard descobre que sua esposa e filho desapareceram sem deixar rastros e tudo que lhe resta é um robô que apareceu misteriosamente em sua casa.

“The world is my domain…”

Paralelamente a isso, um outro jornalista chamado Adam também se recupera de um acidente de carro, porém em um mundo completamente oposto à Berlim de Richard. Em uma belíssima e pacata cidade chamada City 5, Adam vive a vida dos sonhos com seu filho e esposa, tendo que lidar com misteriosos flashbacks de memórias que estão surgindo em sua mente e que misteriosamente parecem não pertencer a ele.

Esses são os dois protagonistas de State of Mind que controlaremos alternadamente e que pouco a pouco iremos descobrir a relação de suas histórias que, como podemos notar, são muito semelhantes. Tudo é construído de maneira muito devagar (quase parando) e tudo que é exigido do jogador é muita paciência de explorar e ler toneladas de diálogos, pois é isso que compõe o título – felizmente ele está localizado em português, então até quem não manja de inglês consegue tirar proveito máximo da trama. Não contaremos com nenhum momento de ação interativa ou QTE ao longo da campanha, o foco fica totalmente em cima da narrativa e, por conta disso, o foco desta análise também será.

A atmosfera criada para o game mistura diversas obras bem populares de sci-fi, fator que pode agradar bastante gente logo na introdução. A cidade possui muitos elementos de Cyberpunk, mesmo que o título não se encaixe neste subgênero – então é bem capaz que você se lembre de Matrix ou Blade Runner ao ver as ruas distópicas de Berlim, só que sem todo aquele neon em excesso e hologramas dançando pelos prédios. O visual dos robôs é idêntico ao do filme Eu, Robô, adaptação cinematográfica do clássico da literatura sci-fi de mesmo nome, do mestre Isaac Asimov.

A pacata utopia de City 5.

Tudo isso é retratado com um low poly mais caprichado que de costume, mas que só fica evidente nos personagens e alguns elementos do cenário. Foi uma boa saída usar esse recurso para suprir a falta que gráficos realistas fazem nesse tipo de jogo, afinal não podemos esperar que um estúdio indie faça algo no nível de Detroit: Become Human, visualmente falando. Ainda assim, o estilo limita ao extremo qualquer expressão ou movimento facial que os personagens poderiam vir a ter e, consequentemente, qualquer diálogo fica um tanto genérico e estranho – não há dublagem que consiga tirar essa sensação.

A trilha sonora é praticamente ausente, ela se mostra presente mais no menu de pause do que em qualquer outro momento. Salvo alguns trechos mais intensos ou emocionantes, é tudo muito silencioso e focado no som ambiente. Se tratando de um jogo onde mal fazemos qualquer outra coisa que não seja andar e conversar, esse é um fator que, junto da monotonia das mecânicas, acaba contribuindo bastante para a perda de interesse precoce do jogador.

Dualidade

Se você procura um jogo onde possa fazer escolhas e alterar seu destino com isso, State of Mind não é o teu jogo… em partes. O título possui alguns diálogos interativos, mas em sua maioria são apenas para colher informações adicionais e só alguns servem para mudar algo. Sério, dá pra contar nos dedos as escolhas que fazemos aqui.

Grande parte dessas escolhas são puramente simbólicas, pois são específicas de alguns capítulos e irão alterar apenas uma ou outra linha de diálogo no momento, ou te garantir uma conquista. As únicas duas escolhas que podem ser consideradas importantes são nos momentos derradeiros do jogo, e são elas que definirão o final que você vai tirar – mas não se anime muito, independente do que você decidir, o desfecho será muito breve e não mostrará consequência alguma dos seus atos.

Um pouquinho de neon não mata ninguém.

Já na forma como a campanha foi construída, o fato de controlarmos mais de um personagem quebra um pouco essa rotina chata, mas a limitação dos locais que exploramos chega a ser cruel de tão maçante. Tudo que temos disponível é o nosso apartamento, um pátio exterior e nosso local de trabalho, é isso.

Adam ainda conta com dois cenários adicionais, mas nada é realmente motivador na hora de explorar – a única interação que temos são alguns triângulos espalhados ao redor que nos indicam pontos que podemos observar e neles vemos algumas informações do personagem ou especificações técnicas do objeto. Os pouquíssimos diálogos opcionais disponíveis são muito breves e não agregam em absolutamente nada.

A campanha se resume à Adam procurando fragmentos de memórias para assim poder revivê-las e descobrir mais sobre o passado de Richard. Esses flashbacks são os momentos cruciais onde descobrimos os maiores plots da história, cada um protagonizado por um personagem diferente, mas a partir do momento que passamos a caçar esses dados o jogo parece sair dos trilhos.

Até ali tudo tinha um objetivo claro, mas quando nos é permitido alternar entre os personagens no momento que desejarmos, acabamos esquecendo e abandonando Richard por completo já que todos os trechos cruciais para progredir no jogo estão a cargo de Adam.

Detroit mandou lembranças.

Tudo isso acaba se desenrolando em um ritmo lento demais e enjoa muito rápido – as únicas opções que te restarão será se forçar a jogar tudo o quanto antes para terminar logo ou jogar bem picotado para não enjoar. Se pararmos para analisar, se cada capítulo fosse focado apenas em fatores importantes da trama, o jogo teria um ritmo bem mais agitado e interessante e ainda teria um tamanho ideal pro estilo que é.

Mas como citado no início deste review, ele traz à tona diversos pontos que não são tão ficcionais assim. Primeiro que não se passa em um futuro tão distante, sendo apenas 30 anos de diferença da época atual; segundo que ele cita fatos que já estão acontecendo na nossa realidade, como o controle total que certas empresas de tecnologia tem sobre nossos dados. Ninguém é anônimo nessa realidade, assim como nos dias de hoje, tudo é monitorado: onde moramos, onde estivemos, o que falamos, fazemos, como vivemos. O homem virou escravo da sua própria criação e figuras maiores manipulam tudo em prol de seus objetivos, que teoricamente giram em torno de um ideal utópico.

State of Mind se passa em um universo bem elaborado e traz questões realmente pertinentes, mas acaba falhando em trazer uma narrativa envolvente com personagens carismáticos e que te prenda do início ao fim. Acaba por se tornar um jogo de nicho, em que apenas amantes de ficção científica e adventures conseguirão tirar algum proveito. Ainda assim, é melhor esperar bastante, pois pelo preço que está sendo vendido apenas um desconto muito amigo fará dessa compra um bom negócio.

Review – Unicorn Overlord

Renato Moura Jr.Renato Moura Jr.16/03/2024