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Nostalgia vende. Centenas de jogos que homenageiam a era dos 8-bits estão aí no mercado e não me deixam mentir. Pensando nisso, a desenvolvedora Pixel Titans mirou em um segmento de público que a essa altura do campeonato já tem idade o suficiente para sentir nostalgia: os jogadores de FPS dos anos 90. Não me leve a mal: eu fui um deles. Shotgun na mão, detonando demônios em Marte ou um chiclete na boca, muita atitude e óculos escuros, matando alienígenas em Los Angeles. Bons tempos.

Hoje em dia quem passou por tudo aquilo já deve ter um bom emprego, pouco tempo para jogar, grana para gastar e vai saltar com unhas e dentes na primeira oportunidade de abrir a carteira e repetir aquele gostinho de matança desenfreada, em muitos frames por segundo, sem historinha para encher a paciência, sem cutscene bonitinha, apenas uma trilha sonora insana e o barulho dos inimigos tombando. Como eu disse, bons tempos.

“All doomed” Sacou o trocadilho? Sacou??

Nos primeiros segundos de Strafe, o jogo já te fala ao coração: a tela derrete em uma transição de cena copiada de Doom em seus mínimos detalhes. E os gráficos estão ali, do jeitinho que você lembra, em um ambiente futurístico quadradão, sem sombras, sem motion blur, sem depth of field e outros termos similares que tua placa gráfica de mil pratas come no café da manhã. O título do jogo que parece feito em WordArt. O site oficial que lembra a web de 1996. O tutorial hilário que parece ter sido feito em um VHS reaproveitado, já na sua décima gravação. Até o trailer em live-action evoca a década perdida de seu sono eterno. Quase dá para ouvir um MC Hammer tocando de fundo. Seria possível que os tais bons tempos voltaram mesmo?

Não.

Viva. Morra. Repita.

A segunda coisa que você nota é que Strafe não roda com a fluidez que era de se esperar da sua placa gráfica moderninha executando um título supostamente “feito” em 1996. E, se você está olhando para as telas do jogo e imaginando que talvez ele rode naquele seu notebook velho de guerra só porque ele lembra Doom (1993), eu tenho más notícias pra você.

A verdade é que para um título com tão pouco recurso gráfico ou Inteligência Artificial, com níveis de tamanho médio e tantas telas de carregamento, Strafe consome pra caramba. O que dá um nó no cérebro: o jogo está usando um motor gráfico atual (Unity) para gerar um título que só parece ser modesto, mas é guloso. Faltou uma otimização aí, nada que atrapalhe grotescamente a experiência, principalmente se você já tem um sistema que roda Doom (2016) no talo. E, depois da primeira hora, talvez você nem note mais, mas tampouco é algo que possa ser varrido para debaixo do tapete.

“Headshot!”. Um narrador cairia bem…

Mas você está ansioso para dar uns tiros, explodir cabeças e atravessar essa nave maldita de ponta a ponta como antigamente. E isso o jogo entrega: as batalhas são frenéticas, com os inimigos avançando na sua direção como kamikazes digitais, sem coordenação ou estratégia, tentando te suplantar pelos números. Você tenta conter a avalanche e é contemplado com um festival de sangue jorrando nas paredes, desmembramentos, decapitações e muito nojo espalhado no chão. Qualquer FPS dos anos 90 é pudico diante da hiperviolência presente em Strafe e você tenta imaginar a polêmica que ele teria provocado naqueles tais bons tempos em que a Justiça e os jogos eletrônicos viviam se encontrando nos tribunais.

E você volta para mais. Os níveis são gerados proceduralmente, então aquele caminho que você não pegou não existe mais, aquele inimigo que vai te emboscar caindo do teto está em outro lugar, aquele parede que abre para revelar um esquadrão de monstros mudou de posição, o único ponto que oferece cura no nível inteiro está agora sabe-se lá onde e ainda pode oferecer menos cura do que antes. Porque Strafe não é um FPS como você estava acostumado: ele é um roguelike. Mas você não liga porque é tão bonito o sangue esguichando e pintando as paredes e o chão, os monstros correndo na sua direção, aquela música tocando que não deixa você desanimar.

A trilha que dá orgulho…

Então, você morre, seu corpo injetado de adrenalina pelos minutos que gastou nesse balé desesperador de matança. Você rejuvenesce 20 anos! Strafe funciona!

E você volta para mais. Lá no fundo começam a brotar perguntas: se esse jogo não salva, quais são as minhas chances de chegar até o final dos dezesseis níveis com vida? Por que tem tão poucos itens que dão vida ou armadura? Por que parece que eu escorrego pelo chão ao invés de caminhar? Por que os monstros não fazem barulho quando me pegam pelas costas? Por que a única forma de sobreviver nisso aqui é recuando para um corredor estreito e apertar o tiro metodicamente?

E o mais importante: se o título é “Strafe”, eu não devia encarar os desafios de peito aberto, apenas fazendo o “strafe” (“esquiva” em Português)? Como Serious Sam já fez, muitos anos atrás, homenageando e inovando os antigos FPS? Ou Painkiller? Ou o Doom mais recente?

Aguardando o inevitável DLC para Viscera Cleanup Detail…

Onde os fracos não tem vez

Então você morre, seu corpo injetado de adrenalina pelos minutos que gastou nesse balé desesperador de matança. Você rejuvenesce, sei lá, tipo 10 anos, no máximo. Strafe… bem, está começando a cansar, não é?

Ao contrário dos FPS do passado, aqueles tempos gloriosos, aqui sua vida vale muito pouco, e correr para cima do perigo é a receita certa para tombar e recomeçar a fase do zero. Se antes você podia desafiar a morte na certeza de um kit de vida lá na frente ou um inimigo largando munição pelo caminho, aqui a Pixel Titans joga a nostalgia para o alto e investe mesmo nas mecânicas brutais dos roguelikes: nada é constante, itens são escassos, você vai morrer insanamente sem progredir um milímetro ou poder salvar onde quiser. E pode até gostar disso. Ou não.

O resultado é um FPS que não lembra os clássicos, onde o improviso e a cautela são constantes se você quiser realmente ir para algum lugar e ver os outros níveis, inimigos, armas e chefes que o jogo esconde na manga.

Um easter egg referencial a outro jogo clássico! Mas Strafe é demais, gente!

Ou você pode morrer de novo, seu corpo injetado de adrenalina pelos minutos que gastou nesse balé desesperador de matança. Aceitar que não está ficando mais novo a cada tentativa e nem avançando para o final. Aceitar que Strafe na verdade não funciona como aquela viagem ao passado prometida pelo marketing e pela fachada. E voltar pelo que ele é: um sangrento roguelike que te convida para alguns instantes de carnificina sem compromisso.

Nostalgia é uma arma morna. E sangue na parede.

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