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Os poloneses da Bloober Team estão com tudo. Após o sucesso de Observer, que inclusive ganhou uma edição aprimorada para a nova geração, já esperava que a desenvolvedora fosse trazer algo ainda mais ambicioso no seu próximo jogo. O trailer de revelação de The Medium gerou uma grande expectativa, não só pelo tema e ideias mas também pela altíssima qualidade visual. Um pulo imenso – e igualmente arriscado – para um estúdio indie.

Embora o primeiro trailer tenha sido divulgado há apenas 8 meses, o conceito da realidade dupla começou em 2012. Os desenvolvedores chegaram a fazer um protótipo naquela época e, originalmente, o jogo seria lançado para PS3, Xbox 360 e WiiU. De lá pra cá muitas coisas mudaram, influenciando o gameplay e a história.

Uma jornada introspectiva

The Medium apresenta a história de Marianne, uma médium em luto pela perda do pai e atormentada por uma lembrança lastimosa que não sai de sua cabeça. Enquanto prepara o funeral do pai, ela recebe a ligação de Thomas, um desconhecido que promete tirar suas dúvidas. Tal confiança é firmada quando ele recita a mesma frase da misteriosa lembrança: “tudo começa com uma garota morta”. Em seguida, ele indica o Resort Niwa como ponto de partida. E assim começa sua melancólica e introspectiva jornada.

Imagem do jogo The Medium
A caminho de um resort nem um pouco amistoso.

A título de curiosidade, o Resort Niwa existe de verdade e se chama Hotel Cracóvia, localizado na cidade de mesmo nome na Polônia. E não foi só este prédio que rendeu inspiração para o game: o apartamento de Marianne também existe e serviu de modelo para o mesmo prédio em que Observer é ambientado. Tais escolhas contribuem para o clima sombrio do jogo: você começa no apartamento, vai até o Resort Niwa e passa a maior parte da jornada explorando suas acomodações abandonadas pelo tempo.

Vale citar a ótima escolha dos atores: Weronika Rosati (Supernatural) e Marcin Dorociński (O Gambito da Rainha) emprestaram suas vozes e capturas de movimento a Marianne e Thomas, respectivamente. E Troy Baker, figurinha carimbada dos games (Joe em The Last of Us, Talion em Middle-earth: Shadow of War e Pagan Min em Far Cry 4, só pra citar alguns exemplos) empresta sua voz ao Mandíbula, o demônio que atormenta geral em The Medium. Isso garante monólogos e diálogos de ótima qualidade, atrelados à uma história densa e complexa.

A identidade própria de The Medium

É importante salientar que, apesar das muitas inspirações vindas da franquia Silent Hill, The Medium é uma obra diferente e com estilo próprio. Se você espera um gameplay repleto de ação, pode esquecer. Este é basicamente um jogo de investigação com quebra-cabeças e alguns momentos de tensão e fuga, nada mais. O que não significa que ele não cumpre o seu propósito de conquistar o jogador. A história, muito bem escrita e intrigante do começo ao fim, garante isso. É tão bem construída que renderia fácil uma adaptação cinematográfica.

Imagem do jogo The Medium
A investigação geralmente ocorre com a tela dividida entre os dois mundos.

Em termos de gameplay, o jogo brinca com a tela se dividindo em dois para mostrar o plano físico/mundano e o espiritual/paralelo, que podemos associar ao limbo ou inferno. Tal divisão é chamada de fenda, ocorrendo em momentos ou locais importantes para o desenrolar da história. De certa forma, a fenda ajuda a ampliar a exploração um tanto quanto linear. Embora tal conceito seja bem interessante de ver, com as ações de Marianne espelhadas enquanto os detalhes visuais de cada mundo são diferentes, é difícil prestar a atenção nos dois lados ao mesmo tempo. Só melhora um pouquinho com a opção de focar no lado espiritual, estreitando a área da outra tela.

Tal ideia funciona melhor em cinematics. Enquanto que no plano físico temos uma louca conversando “sozinha”, no outro plano temos uma garota de identidade ocultada por uma máscara, chamada Tristeza. No gameplay, a fenda funciona apenas para brincar com locais e itens inacessíveis por um dos planos. Entra aí a opção da experiência extracorpórea, que permite assumir a versão espiritual de Marianne e resolver coisas em seu plano. Mas se demorar muito seu espírito se desfaz e o corpo físico morre junto. Como ela mesma diz, é como entrar debaixo d’água. Neste caso, basta voltar para o corpo físico para se recuperar.

Imagem do jogo The Medium
Uma bolinha flutuando no ar? Corre, maluco!

Os poderes da mediunidade

No plano espiritual, Marianne dispõe de uma energia que ela pode absorver e acumular em um de seus braços, substituindo de forma inteligente o uso de hub (informações na tela). Com esta energia carregada ela pode ativar dispositivos ou criar uma barreira para impedir o ataque de mariposas ou passar por elas, uma vez que estão sempre bloqueando o caminho. A médium também possui a habilidade da perspectiva, que no plano físico permite ver traços deixados por alguma coisa no plano espiritual, além de realçar objetos interativos.

O mesmo efeito é aplicado de outra forma para encontrar ecos em objetos: são memórias gravadas, acessíveis ao rotacionar tais objetos e encontrar uma cicatriz. Basta usar o analógico direito do controle para rotacionar e “sintonizar” o eco. A mesma mecânica se repete com fragmentos de pessoas no plano espiritual, sendo necessário posicionar o analógico no ângulo certo para formar a imagem completa. Simples, interessante no início, repetitivo depois de um tempo.

Imagem do jogo The Medium
Marianne encontrará muitas memórias de pessoas que já deixaram o plano físico.

Voltando a citar Silent Hill, o jogo empresta algumas ideias como a passagem pelos mundos através de espelhos (Silent Hill: Origins), a lanterna igual a da Heather Mason (Silent Hill 3) e a cadeira de roda, que na franquia da Konami simboliza várias coisas. Os ângulos de câmera de Silent Hill – que por sua vez se inspirou no pai do survival horror, Alone in the Dark – também serviram de base para criar os ângulos de cada ambiente em The Medium. Até a movimentação de Marianne pelo cenário funciona no estilo old-school do gênero (felizmente sem o controle tipo “tanque”). Diria que apenas o mundo paralelo não possui relação conceitual. Aqui, a representação ocorre à sua própria maneira e sem cair tanto no esteriótipo visual do inferno que tanto vemos em outros games.

Realmente é legal ver a tela dividida entre os dois mundos, funcionando em tempo real. Porém essa mecânica interfere diretamente no desempenho do jogo, rodando um tanto mal no Directx 12 e pesando até em um PC poderoso. Nem a atualização do driver da Nvidia garante uma melhora significativa, mesmo se você ligar o ray tracing junto do DLSS para tentar equilibrar a performance. Felizmente, isso é algo que pode melhorar com futuras atualizações.

Imagem do jogo The Medium
O ray tracing dá uma turbinada na já excelente ambientação.

Subutilização de ideias

Minha maior bronca com este game está no desafio. Os quebra-cabeças são simples demais, um ou outro exigindo um pouco mais de atenção. A investigação também deixa a desejar, com itens sempre fáceis de encontrar. Até a combinação dos objetos é subutilizada. Como não há combate ou inimigos para se preocupar, o jogo acaba ficando totalmente à mercê da história e as aparições do Mandíbula – que não são muitas, diga-se de passagem.

Ele aparece de duas formas: em perseguição frenética ou te procurando pelo cenário. Na primeira, basta correr sem parar até chegar ao fim do percurso, escapando da ameaça. Na outra, é necessário andar agachado e colocando as mãos na boca para não fazer barulho até cruzar o cenário sem ser visto. No plano espiritual rola uma segunda chance de escapar, caso seja pego, disparando uma explosão de energia.

Imagem do jogo The Medium
O Mandíbula será sua única real ameaça durante todo o game.

As primeiras duas aparições do Mandíbula, uma em cada formato, são breves porém divertidas e assustadoras. Nas aparições seguintes não tem mais graça. As perseguições não foram projetadas com uma mecânica que desse margem para errar e se recuperar, olhar pra trás e derrubar obstáculos para atrasar o inimigo, como acontece na fuga do vazio que devora tudo em Silent Hill: Downpour. Agora se os momentos de furtividade fossem inspirados em Amnesia: The Dark Descent, sem dar moleza para o jogador, teria dado ainda mais certo.

Vidas despedaçadas

Com duração entre 8 a 10 horas, The Medium é repleto de histórias paralelas amarradas à trama principal, que ocorre nos anos 80. Vidas despedaçadas por tragédias que permeiam diversos temas, como religião e política. Cabe ao jogador explorar cada cantinho dos cenários para juntar e entender estes fragmentos de memórias. Um esforço que vale a pena, não só pra matar a curiosidade mas por também não cansar o jogador com o excesso de informações.

Outro destaque vai para a participação de Akira Yamaoka, compositor responsável por vários jogos da franquia Silent Hill. Ele trabalhou como co-criador da trilha sonora de The Medium junto do compositor Arkadiusz Reikowski, que assina as trilhas dos outros jogos da Bloober Team (Blair Witch, Layers of Fear 1 e 2, Observer). Ou seja, espere ouvir distorções e barulhos sinistros, mas sem soar parecido com Silent Hill. Aliás, jogue com fone de ouvido! A experiência é outra, muito mais completa e imersiva. A trilha conta também com o retorno da cantora e dubladora Mary Elizabeth McGlynn, conhecida pelas belíssimas canções de Silent Hill 3. Ela contribuiu para uma música que toca em um rádio ao final do game.

Olha essa floresta! O visual impressiona a todo momento.

No geral, o game oferece mais uma história interativa do que um jogo propriamente dito. A ausência de desafios pesa muito na minha avaliação final. Esperava um gameplay mais dinâmico, com mais possibilidades, e quebra-cabeças para ferver o cérebro. Outro detalhe que vale pontuar é que, além do Mandíbula, outros poucos demônios dão as caras. Eles são fantásticos, mas funcionam apenas como detalhes da trama. O que custava colocar ameaças menores, secundárias, com opção de atacá-los com poder espiritual para ganhar tempo e fugir?

Todos estes pontos levantados poderiam muito bem estarem presentes no jogo sem comprometer sua essência ou ofuscar a história. Pelo contrário, acredito que fariam este título ser ainda mais interessante do que já é. De qualquer forma, The Medium vale muito a pena, possuindo identidade própria e um desfecho capaz de explodir sua cabeça.

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