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Conforme a marcha incessante do progresso tem apertado seu passo cada vez mais nas últimas décadas o gênero da ficção científica só tem solidificado seu espaço no imaginário popular. Em um mundo extremamente interconectado e futurista como o nosso acredito que seja inevitável, e talvez até saudável, possuir aquela sensação incômoda de que há algo de errado, como se estivéssemos constantemente à mercê de uma força maior que nós mesmos. E, naturalmente, nenhum gênero explora isso tão bem quanto a ficção científica.

É justamente com essas ideias que The Red Strings Club brinca, uma prole orgulhosa de marcos do cyberpunk como Blade Runner e Neuromancer (VA-11 Hall-A é por diversos motivos a comparação mais óbvia a ser feita aqui). Todos os clichês do gênero estão aí: corporações com projetos obscuros, coletivos hackers revolucionários igualmente obscuros, protagonistas com profundo descontentamento com o status quo e tecnologias inovadoras que todo mundo consegue ver de cara que, sim, vai dar errado.

Imagem do jogo The Red Strings Club
A história se adapta às suas escolhas.

Narrativa de dois boêmios

O problema é que, por mais atitude que ele carregue, The Red Strings Club não consegue fugir da mediocridade de um ponto de vista narrativo. Os personagens principais, um barman e um hacker, são, respectivamente, uma ferramenta para expor a história e uma para avançá-la.

O charmoso Donovan é dono do epônimo The Red Strings Club, um bar ao mesmo tempo obscuro e quase-lendário pelas bebidas capazes de despertar as mais diversas emoções nos clientes que as consumirem. Donovan às usa para obter informações de quem frequenta seu bar, o faz dele uma ferramenta perfeita para expor detalhes da história quando, convenientemente, diversos empregados da companhia Supercontinent decidem dar uma passada por lá.

Imagem do jogo The Red Strings Club
The Red Strings Club, o bar, tem uma aura quase mística.

Já Brendeis, seu amigo de longa data, é um hacker com contatos na PROXYMA, o obrigatório coletivo revolucionário. Antes de morrer, um membro da PROXYMA deixa para ele uma mensagem sobre uma conspiração envolvendo a Supercontinent e, junto com o Donovan, eles decidem investigar e por um fim nessa história.

Alguns funcionários da Supercontinent realmente possuem personalidade e nuance, mas tirando isso a história só faz o mínimo para funcionar, te levando de informação a informação até a cena final, que possui reviravoltas sem significado ou impacto. Não espere fins para arcos narrativos porque eles não existem em primeiro lugar. É como se toda a razão de existir do jogo fosse levantar alguns questionamentos filosóficos, o que é uma pratica comum na ficção científica, mas que não justifica uma história ultimamente preguiçosa.

Imagem do jogo The Red Strings Club
Gost é um personagem que traz um aspecto sobrenatural à história, cuja função na narrativa maior nunca fica exatamente clara.

Moral da história

Em contrapartida os debates que The Red String Club estimula são válidos e até divertidos. Sob o risco de entrar no território de spoilers (estejam avisados) a Supercontinent está a beira de implantar uma tecnologia que manipula as emoções das pessoas, eliminando extremos nocivos como a depressão e o ódio, sob a justificativa de criar um mundo melhor.

Junte isso com os drinks do Donovan e fica claro que o tema principal do jogo é o livre-arbítrio, em especial a ética de manipular sentimentos artificialmente. Vários aspectos desse assunto são tratados com um nuance surpreendente, incluindo um pequeno debate sobre marketing. Não há muita profundidade, até porque o jogo dura menos de quatro horas, mas é o suficiente para instigar a mente, em especial de quem está se deparando com essas questões pela primeira vez.

Imagem do jogo The Red Strings Club
Ah, a ironia…

Esses questionamentos estão refletidos no gameplay, apesar de que de maneira um pouco grosseira. Uma android insere órgãos em clientes que mudam aspectos da sua personalidade, mas com consequências inesperadas que soam como lições de moral. O Donavan cria drinks para atingir a emoção desejada a fim de extrair informações do cliente, mas isso por sua vez falha em gerar consequências significativas, o que é uma oportunidade perdida para aprofundar o tema do jogo.

Após conversar com um cliente a androide Akara faz questionamentos ao Donovan, medindo o quanto o jogador foi capaz de entender do cliente em questão. Esse minigame gera o que é de longe o ponto alto do jogo, o que é em partes um ode ao quão bem escrito os personagens secundários são. Mas misturados neles há questionamentos filosóficos que, de novo, soam como lições de moral e passam por grosseiros.

Imagem do jogo The Red Strings Club
A dicotomia da mudança versus a individualidade é um tema recorrente.

A importância de uma voz própria

Por último não poderia deixar de mencionar a pixel art linda, cheia de detalhes e animações fluidas. Apesar de ter poucos cenários (uns cinco ou seis ao decorrer do jogo) eu juro que só pela pixel art já valeria jogar The Red Strings Club. Esse estilo recebe muita crítica hoje em dia por ser amplamente usado dentro do cenário indie, o que torna ainda mais incrível o quanto ele foi capaz de me impressionar aqui.

Mas no final das contas The Red Strings Club passa a impressão de um jogo pequeno e não muito inspirado, que tem uma visão clara do que quer dizer mas não teve uma ideia boa de como dizer isso. Pegando emprestado todos os clichês do cyberpunk ele foi capaz de encontrar uma ideia interessante para explorar, mas se esqueceu de que no que tange arte a voz com a qual você diz algo é tão importante quanto o que você está dizendo. E é isso que falta a esse jogo, voz.

72%


Prós:

🔺 Temas filosóficos pertinentes
🔺 Pixel art maravilhosa
🔺 Personagens secundários intrigantes

Contras:

🔻 Narrativa fraca e sem inspiração

Ficha Técnica:

Lançamento: 22/01/18
Desenvolvedora: Deconstructeam
Distribuidora: Devolver Digital
Plataformas: PC

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