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A primeira vez que li o nome The Suicide of Rachel Foster, já imaginava que seria algo complicado de se digerir. É um tema muito delicado, principalmente quando temos números que crescem cada dia mais desse tipo de morte. Aliado a um título que mistura terror e suspense, ele tinha tudo para vir com um baque que derrubasse até o mais corajoso e valente entre nós.

Porém, a desenvolvedora One-O-One Games tomou decisões ainda mais polêmicas e conseguiu trazer outros debates, infelizmente não pelas razões corretas. Independente do que leu sobre o game ou os trailers que assistiu, esqueça. Grandes acertos e erros tornaram a experiência em algo completamente distinto do que minhas expectativas apontavam e realmente o que temia aconteceu, se tornou algo complicado.

O hotel e a solidão

Em primeiro lugar, eu curti bastante a ambientação de The Suicide of Rachel Foster. Todo em primeira pessoa, sua tarefa é explorar o hotel Timberline para completar as missões. Inicialmente você realizará apenas uma inspeção, mas logo a história do suicídio da garota começa a soar estranho demais e, somado com o impedimento de fugir de lá, decidirá investigar os acontecimentos do passado.

O próprio hotel Timberline, local onde você passa todo o jogo, é um personagem cativante por si só. Completamente abandonado, ele é enorme para a exploração de apenas uma pessoa. Diria que é maior do que a casa principal dos eventos de Resident Evil VII, por exemplo. Com vários quartos, passagens, cômodos e afins, é fácil se perder dentro dele.

Imagem do review de The Suicide of Rachel Foster
Explorar esse lugar macabro não vai dar ruim, pode confiar.

O legal é que, pelas suas condições, existem áreas onde a luz mal funciona. Outras, como na cozinha, os pingos te incomodam. Tem varandas enormes para ver o ambiente externo e se sentir ainda mais solitário, assim como túneis subterrâneos que atacarão a sua claustrofobia. Não tem um lugar lá dentro onde você se sinta confortável ou 100% seguro e essa sensação te perseguirá por todo o local.

O suspense te preenche a cada virada no corredor, a cada porta que abre, a cada descoberta e é impossível jogar sem ficar tenso. Esse, de longe, é o maior acerto que The Suicide of Rachel Foster teve por aqui. Do início ao fim eu não relaxei nem por um segundo sequer. E hoje é difícil trazerem essa sensação sem jump scares nem nada do gênero, então considero um baita gol da produção.

Imagem do review de The Suicide of Rachel Foster
O suspense vai te prender do início ao fim.

Porém, uma das minhas reclamações moram na gameplay. A movimentação de Nicole, a protagonista, é completamente lenta e sem muito dinamismo. Ela nunca corre no hotel. Em certos momentos sentia como se tivesse usando correntes presas àqueles pesos. Parte do meu nervosismo foi por conta disso, me questionava que, se fosse necessário, se ela teria condições de se mover com certa agilidade. A resposta é “não foi necessário”, mas realmente incomoda bastante.

Dividir a trama em dias, como se fossem capítulos, também me soou bem interessante. Mas, na prática, no mínimo dois deles só servem para ter um punhado de diálogos e serem encerrados sem a necessidade de você realizar ação alguma. É um game curto, você terminará a história em questão de 5h, se quiser alguns troféus diferentes ou ver alguns finais secretos deve demorar um pouco mais. Mas nada que atinja um período longo.

Imagem do review de The Suicide of Rachel Foster
Mesmo sendo curta, você passará um bom tempo pelo hotel.

A história de Rachel Foster?

A história aqui é simples e contada logo de início, sem muitos rodeios. Nicole tem de ir para o hotel que era de sua família, já que o herdou após a morte de seu pai. Realizaria uma inspeção e o venderia na sequência. Porém, uma tempestade de neve a manteve presa no local e ela passa a revisitar as memórias do passado até chegar em Rachel Foster, a jovem de 16 anos que cometeu um suicídio.

Para ajudá-la, você conta com Irving, um funcionário da Federal Emergency Management Agency, que ficará se comunicando contigo via telefone. Por já ter ido ao hotel algumas vezes, ele a auxilia com informações e dados que ela utiliza durante a sua estadia. Ele é o único ser vivo que você terá qualquer comunicação por aqui e reparar nos detalhes é um dos pontos-chave para chegar ao final da saga.

Imagem do review de The Suicide of Rachel Foster
Nicole e Irving investigam o suicídio da jovem.

O ponto complicado começa a partir disso. The Suicide of Rachel Foster não foca em momento algum no suicídio da garota ou no que ela pensava ou sentia. Foca num relacionamento entre o pai de Nicole, de 49 anos na época, com uma jovem de 16. Pois é, pedofilia. Se fossem para o rumo onde mostravam onde tudo isso estava errado, seria uma boa ideia. Mas não. Do início ao fim, o crime é romantizado e tratado como se fosse algo natural. E ela estava grávida antes de sua morte, o que potencializa ainda mais toda essa proporção.

É um jogo para maiores de 18 anos, mas vamos ser sinceros aqui, todos temos acesso aos games desde crianças. Quem antes dessa idade que nunca jogou um GTA, Call of Duty ou qualquer coisa do estilo que atire a primeira pedra. Falar coisas como o amor verdadeiro que um homem chegando aos 50 anos sentia por uma menina ou como ela era madura para a idade dela não ajudam a combater problema algum na sociedade que vivemos. Era o mínimo que podiam fazer.

Imagem do review de The Suicide of Rachel Foster
Mesmo no escuro, uma luz devia ter sido jogada sobre o tema.

Eu não quero ser o chato do rolê, mas vamos aos dados. A cada 1h, três crianças ou adolescentes sofrem abuso sexual no Brasil. Apenas em 2018 foram registrados 32 mil casos. Obviamente, milhares de outros nunca foram nem denunciados ou descobertos. Isso trazendo a discussão à nossa realidade, sem falar do restante do mundo. Não sei o que a One-O-One Games tinha na cabeça, mas essa não é a forma certa de combatermos uma prática tão vil.

No que The Suicide of Rachel Foster tem um imenso acerto na mecânica e ambientação, eles erram de uma forma épica no enredo. Quanto mais se aprofundavam nessa relação, mais nojo eu sentia da situação. Nem Nicole ou Irving ou qualquer elemento do roteiro citam o quanto a situação é esquisita ou que aquilo é um crime pesado. Porém, conversas sobre inveja, ciúmes e o sentimento de traição à esposa, mãe da protagonista, surgem aos montes. Isso porque eu não estou falando os pontos mais pesados disso, já que seriam spoilers. Mas vão mais fundo.

Imagem do review de The Suicide of Rachel Foster
Se eu disser que tem religião no meio, fica mais pesado ou não?

Vou ser muito sincero aqui, se a sua bússola moral não está apontando para o lugar certo, não vai enxergar nada de mais e o jogo vai ser muito maneiro. Mesmo sendo repleto de suspense e acertando em cheio em vários outros fatores, admito que isso foi um grande baque em toda a experiência. Cheguei ao final e, ainda com todas as explicações e amarrações do roteiro, em nenhum instante isso foi descrito como o que realmente é. Eu acredito fielmente que os jogos tenham espaço para debatermos esses e mais temas que preenchem nossa sociedade e não o fazer chega a ser covarde.

O jogo tinha tudo para ser um acerto imenso, mas qualquer pessoa em sua sã consciência concordará que a história e seus desdobramentos faz parte do produto multimídia. Mesmo com os pontos altos, tirar isso da equação é impossível e o fator influencia vários outros em sua responsabilidade social. O primeiro The Last of Us nunca foi tão longe com Ellie em sua infância, por exemplo, levando-a para a fase adulta no segundo título para se arriscarem no roteiro. Nenhum estúdio trataria sobre problemas desse calibre sem estar preparado para conversar sobre.

The Suicide of Rachel Foster, por mais que tenha se esforçado e criado um ótimo ambiente e um clima de suspense que te preenche do início ao fim, falha miseravelmente ao não transmitir uma mensagem que seria de seu dever moral. É importante o debate e trazer o desconforto para tratarmos dos males da sociedade, porém não assumirem aquilo e falar sobre o problema é apenas um espetáculo vazio e que, infelizmente, não adicionará algo positivo na vida das pessoas.

Review – Unicorn Overlord

Renato Moura Jr.Renato Moura Jr.16/03/2024