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O Levante de Varsóvia foi um dos momentos mais tristes da II Guerra Mundial. Com o exército russo empurrando as forças nazistas de volta para a Alemanha, um pequeno mas valente exército improvisado de poloneses tentou libertar por conta própria a capital Varsóvia. Eles encontraram uma derrota brutal que culminou em um massacre da população civil e a quase obliteração da cidade. Essa é a história que WARSAW ambicionava contar.

Um episódio como esse merecia um jogo à altura, assim como a desenvolvedora Pixelated Milk merecia um jogo que fizesse jus ao majestoso Regalia – Of Men and Monarchs. Lamentavelmente, nenhuma das duas condições foi atendida e WARSAW é um título que derrapa no seu aspecto humano, trazendo uma experiência inacabada, repetitiva e excessivamente focada em mecânicas injustas e complicadas.

Baseado em fatos reais

Em 2019, o Levante de Varsóvia completou 75 anos. É uma ocasião histórica para a Polônia, provavelmente o país mais castigado pela máquina de guerra nazista e seus comandantes. Ainda que os bravos combatentes da resistência tenham conseguido abater de 8 a 9 mil militares da força de ocupação alemã, sua tentativa de libertar a cidade terminou em fracasso: nada menos que 16 mil rebeldes foram abatidos em combate e, para servir de exemplo em outros territórios, entre 150 a 200 mil civis que não pegaram em armas, foram mortos em razão da revolta. Quando os nazistas finalmente deixaram Varsóvia, 85% das construções da cidade estavam em ruínas. Era a política de terra devastada aplicada em uma escala sem precedentes.

WARSAW
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Todo esse preâmbulo é necessário para destacar que WARSAW não deveria ser um jogo qualquer. A polonesa Pixelated Milk assumiu para si a responsabilidade de recontar esses eventos, de recontar o pedaço mais cruel da história de seu povo, de sua nação. Não que outros não tivessem tentado antes: o desastroso Uprising44: The Silent Shadows havia entregado anos antes uma tentativa ainda mais frágil de apresentar o Levante de Varsóvia para o mundo.

No entanto, WARSAW falha ao ignorar o elemento humano dessa batalha. No título de estratégia por turnos, o jogador controla personagens pelas ruas de Varsóvia que são pouco mais que uma rolagem de dados com nome e sobrenome (e, às vezes, nem isso). Ainda que alguns deles tenham uma história de fundo, que pode ser desbloqueada ao longo da campanha, essa história em nada influencia o desenrolar do jogo e, muito provavelmente, o jogador não irá conseguir mantê-los vivos por tempo o suficiente para descobrir todo o texto.

Momentos que deveriam ser marcantes e dramáticos são pouco mais do que cartelas de bingo preenchidas na frente do jogador. Decisões são tomadas, mas o impacto emocional é nulo. Vidas se perdem, recursos são ganhos, um ocasional novo recruta aparece, a caminhada para a derrota prossegue. Não espere aqui o peso forte de um This War of Mine ou de um Valiant Hearts, por mais que a cutscene inicial de WARSAW dê a entender o contrário.

WARSAW
Tá pegando fogo, bicho!

Máquina de guerra

Tabuleiros de xadrez são um dos pontos fortes da Pixelated Milk, como eles já haviam demonstrado em Regalia. Superficialmente, o RPG anterior iludia o incauto, que poderia acreditar se tratar de mais um título inspirado em anime, com personagens divertidos e jogabilidade tranquila, mas que trazia complexas batalhas por turno em um grid hexagonal. Aqui, o incauto espera um jogo dramático e encontra um tortuoso conflito em 2D, com menos movimentação espacial, mas não menor dificuldade.

Entretanto, a desenvolvedora parece deslumbrada com suas próprias mecânicas de conflito, acrescentando um número bastante alto de camadas que podem afugentar o jogador menos hardcore. É necessário administrar seus quatro combatentes, posicioná-los nos melhores pontos do campo de batalha, cuidar da cobertura, da saúde, do consumo de munição específica, da possibilidade de flanquear o inimigo, das chances de penetração da bala contra coberturas e tipos de unidades… tudo isso enquanto você é massacrado por unidades alemães em maior número, melhor equipadas, com mais recursos e, eu tenho quase certeza, mais sorte.

WARSAW
In Memoriam.

Apesar da complexidade, ou por conta dela, é nesse momento que WARSAW tem tudo para brilhar: uma desafiadora visão da batalha nas ruas da capital polonesa, com pouca ação, mas bastante tática e tensão. O tutorial do jogo é bastante completo e revela praticamente tudo que o jogador precisará saber, exceto por um detalhe.

O detalhe que torna WARSAW um exercício constante de frustração é a inevitabilidade da derrota. Não se iluda, assim como nos eventos que inspiraram o jogo, a vitória aqui é impossível. Não apenas no grande painel estratégico do controle da cidade, em que seus recursos minguam a cada rodada, mas também nas calçadas, nas ruínas, nos campos, de cada embate entre seus rebeldes e os nazistas.

Por mais atenção que você dê aos detalhes de suas mecânicas, dois fatores pesados irão se opor a você: a superioridade bélica do inimigo e a aleatoriedade excessiva, que remete aos mais desbalanceados roguelikes. É compreensível que não seja dada ao jogador a possibilidade de mudar a História. Kursk era outro título baseado em fatos históricos em que você já começa sabendo o que irá encontrar no final. Porém, em Kursk, seus criadores compensam a inevitabilidade da tragédia com elementos humanos e uma jogabilidade que não frustra tanto, que não reforça constantemente que a derrocada é sua sina.

WARSAW
Um dos eventos aleatórios que aparecem.

Simulador de encontros randômicos

WARSAW está longe de ser uma obra acabada. Vendo o roadmap de atualizações que a desenvolvedora preparou, é perceptível que eles tem noção de que faltam elementos no jogo: novos personagens e eventos serão adicionados, assim como haverá diversos ajustes nos sistemas aleatórios, com a possibilidade de customizar melhor os times.

Ainda assim, não acredito que seja possível “salvar” o jogo. Sem uma história central para conduzir o jogador e amplificar o impacto das derrotas, WARSAW se torna um simulador de eventos aleatórios, em que os desenvolvedores jogam dados para especificar quais missões, recrutas, mapas e recursos você receberá a cada rodada. Um passo em falso pode colocar tudo a perder cedo demais: uma única batalha pode culminar na morte do esquadrão inteiro e as mortes são permanentes. Isso acaba obrigando o jogador a iniciar uma nova campanha, onde a sorte irá determinar novamente sua jogabilidade.

Não importa quantas variáveis sejam adicionadas à fórmula, randômico continua sendo randômico e a sensação que se passa é de repetitividade. Em WARSAW, a abordagem encontrada nem mesmo é original: o jogo soa como uma versão inadequadamente adaptada de Darkest Dungeon, inclusive em seus aspectos visuais. Entretanto, o que funciona em um cenário não funciona para outro e a dificuldade aqui levaria à loucura os personagens de lá.

WARSAW comete o erro de preguiçosamente mecanizar um evento de suma importância humana. Sim, eles fizeram a lição de casa, o título é tecnicamente impecável: há uma perfeita recriação dos uniformes e do armamento da época, é possível encontrar dados enciclopédicos sobre as unidades, as lutas são tão injustas quanto aquelas que realmente aconteceram. Entretanto, a Pixelated Milk desperdiça a oportunidade de mostrar novamente o talento que eles tem para criar personagens cativantes e uma boa história. Ainda não foi dessa vez que o Levante de Varsóvia recebeu o jogo que seus heróis deveriam ter.

Review – Unicorn Overlord

Renato Moura Jr.Renato Moura Jr.16/03/2024