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Vendo por alto, você não dá nada por Wuppo, mesmo em sua Edição Definitiva. Vamos ser francos: olhe esses gráficos, aparentemente criados no Paint por uma criança do primário que come giz de cera.

Porém, aqueles que ousarem transpor suas concepções iniciais, serão contemplados com um charmoso jogo que transcende diversos gêneros, esconde uma grande complexidade e cativa com um mundo inesperado. Se ele pelo menos soubesse para onde está indo…

Joe the Circle, é você?

Nos primórdios da internet lá em casa, do tempo da conexão discada e do guaraná de rolha, descobri as webcomics através de Joe the Circle. Provavelmente cheguei ali através de uma revista de internet porque naquela era primitiva era assim que você encontrava coisas interessantes: lendo em um artefato físico feito de polpa de árvore prensada. Tempos estranhos.

Wuppo
Saiu da jaula o monstro!

Joe the Circle tinha provavelmente os piores traços da história dos quadrinhos, era algo que dava a volta e virava naif. Entretanto, esse não era o ponto. O ponto era que aquilo era divertido pra cacete. Mike Shapiro, o seu criador, não se deixou intimidar por sua patente deficiência ilustrativa e foi à luta, produzindo uma ampla coleção de histórias sobre um personagem que era, essencialmente, uma bola segurando uma arma de raios, que se metia em confusões estapafúrdias pela galáxia. Apesar de sua simplicidade (ou por conta de sua ingênua simplicidade), Joe the Circle funcionava.

Esse é um longo preâmbulo para explicar que Wuppo é, pelo menos para mim, Joe the Circle em forma de jogo. Não que seu protagonista tenha a mesma propensão a causar mais problemas do que resolver, não pelo nível de violência, mas pela plasticidade dos traços simples e pelo fato de esconder um texto charmoso e um universo muito mais complexo do que parecia em um primeiro olhar.

Wuppo
Surrealismo mandou lembranças.

Wuppo ou, como foi batizado, Skallywag, é uma bola com perninhas que segura coisas na cabeça. Seu mundo é formado por outros seres como ele, os Wums, mas também por outras criaturas igualmente toscas, mas não menos cativantes. Apesar das claras limitações, ainda assim o personagem central é expressivo. Ele é preguiçoso, pouco motivado, dado a respostas mal-educadas aqui e ali e caras e bocas de desagrado. Não é o Link que esse mundo mágico precisa, mas é o que tem para hoje.

O protagonista concebido pela Knuist & Perzik não é um exemplo para nada, mas é o sujeito que vai, involuntariamente, indo, indo, indo, e, quando o jogador se dá conta, ele salvou o mundo, resolvendo uma treta ancestral. Entretanto, ele começa o jogo sendo expulso de casa mesmo, um grande condomínio para Wums. Por derramar sorvete no chão (!), nosso bravo herói precisa procurar uma nova casa e explorar esse mundão.

Cara, cadê minha motivação?

Essa premissa absurda é um dos principais defeitos do jogo. As coisas vão simplesmente acontecendo no caminho de Skallywag e ele apenas tenta entender o que é necessário fazer para outras coisas acontecerem e a “história” avançar. Ele não tem um objetivo muito claro ou mesmo um desejo íntimo, ele apenas segue a cartilha de Zeca Pagodinho e deixa a vida levá-lo. Nesse sentido, Wuppo é um jogo realmente sobre as amizades que fazemos pelo caminho.

Wuppo
O bom e velho EULA…

Essa falta de direção está clara até mesmo em suas mecânicas. O Knuist & Perzik mistura aqui elementos de plataforma, puzzle, adventure e RPG com mundo aberto, deixando o jogador solto com muitas, mas muitas possibilidades de interação. Nada é efetivamente explicado e é possível gastar um tempo grande em missões paralelas que não impactam a trama, sem nunca descobrir qual é exatamente o gatilho que libera o próximo passo da jornada.

Não que eu estivesse esperando uma grande seta laranja no céu indicando meu objetivo ou um mini-mapa decente com um X vermelho. Entretanto, Wuppo corre solto demais em sua dinâmica de simplesmente deixar o protagonista conhecer o mundo. OK, eu entendi que é um universo bacana, com um lore mais profundo que muito RPG convencional e NPCs divertidos, para não dizer bizarros. Porém, é comum rodar em círculos em busca do que fazer.

Wuppo
Sim, tem fase aquática! Você tinha alguma dúvida?

As mecânicas do jogo podem ludibriar também. Passei dois dias acreditando que o pulo duplo tinha bugado, incapaz de acessar áreas fundamentais em minha exploração. Uma busca na internet revelou que o personagem estava, na verdade, gordo, logo, não podia pular como antigamente. A solução para emagrecer também não era das mais óbvias e cheguei a esbarrar em algumas análises profissionais que acusam o jogo de ser “inconsistente” com seu sistema de pulos.

Com um mapa colossal, Wuppo vai exigir em outros pontos que o jogador retorne várias vezes para determinados lugares ou dê voltas complicadas para solucionar enigmas. Nem pense em cair do trem em Popo City: você terá que fazer uma boa caminhada. Em contrapartida, se você apenas usar o trem em Popo City, você não vai conseguir avançar a história.

Para um título leve que deseja mostrar seu mundo maravilhoso para o jogador, Wuppo peca por dinâmicas enfadonhas e aquela lógica absurda dos adventures mais sádicos.

Wuppo
O centro de Popo City é o coração da cidade.

Além disso, o jogo é salpicado de batalhas contra chefes (quase vinte no total), algumas bastante frustrantes, outras muito fáceis. O combate em Wuppo é tão simples quanto seus traços, sem espaço para evoluções significativas ou estratégias. Basicamente, acerte mais do que seja acertado e você vai vencer. Porém, haverá confrontos em que você irá xingar os controles, o chefe, os desenvolvedores, até conseguir traçar um perfil do padrão de ataque do inimigo.

Dê uma chance à paz!

E por que eu estou fazendo isso tudo mesmo? Se a história carece de um fio condutor, pelo menos a jornada transborda simpatia e simpatia é quase amor. Em poucos minutos, aprendi a amar aqueles personagens mal-traçados e seus cenários, sua fala engraçada, seus problemas e sua sociedade. Até mesmo o papagaio, que me chama de Skallywag o tempo todo, é algo com que aprendi a conviver.

Wuppo
Pode acontecer.

Esse clima de fofura reverbera na trilha sonora, um misto de desenho animado com algo fora da curva, que se encaixa direitinho com a proposta de Wuppo. Esse é um mundo que parece infantil, mas é bem esquisito e a música faz parte do pacote.

Ser expulso do lar não é o mais nobre dos inícios, mas é o que tirou nosso protagonista de sua zona de conforto. Sem querer, querendo, ele vai desbravar esse mundo, realizar missões sem sentido, realizar missões com sentido e, pasme!, levar a paz a todos. Essa vontade de fazer o bem, de criar amigos está explícita até na forma como o herói evolui: ele ganha pontos de vida sendo simpático, trazendo harmonia onde há caos, conforto onde há dúvida. Tirando a arma na cabeça e a postura distraída, ele é quase um São Francisco esférico.Não, definitivamente, esse cara não é Joe the Circle. E o mundo de Wuppo: Definitive Edition vale a visita. Quem sabe, de repente, você vai ficando, ficando, e, quando se dá conta, fechou o jogo.

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